Rodrigo Mattos

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CBF não vai 'recuperar' torcida com discurso enquanto prejudica clubes

Há uma discussão sobre o calendário do futebol posta pelo pedido dos clubes de suspender o Brasileiro durante a Copa América. Os clubes queriam proteger o principal campeonato do país. A CBF tem argumentos - alguns bem pertinentes - para ter recusado a reivindicação por obstáculos ou danos que seriam causados pela mudança.

O saldo é que volta para o centro do debate o calendário problemático vigente no Brasil. Há excesso de jogos - uma parte deles inúteis - com consequências nocivas.

O pior efeito é, sem dúvida, prejudicar o Brasileiro com desfalques dos principais jogadores em nove rodadas. Obviamente isso causa um impacto técnico na competição por influência externa, algo inadmissível em qualquer campeonato que queira ser levado a sério.

Ao negar o pedido, a CBF mostrou-se preocupada com os efeitos das alterações sobre a Copa do Brasil. De fato, deixar a competição de mata-mata sem jogos por meses é um prejuízo, assim como ter desfalques nos mata-mata. Mas a prioridade, neste caso, foi dada ao campeonato de segunda importância, a Série A deveria ser a prioridade.

Para além disso, há outros efeitos nefastos. Além de depauperado por desfalques, o Brasileiro é espremido em sete meses para dar lugar a competições de menor importância como Estaduais.

Esse prejuízo imposto pelo calendário aos clubes todos os anos não passa desapercebido pelos torcedores. O elemento mais visível é a gritaria a cada convocação de jogadores que desfalcará um time grande em uma data importate. As perdas já começam agora na primeira data-Fifa, colada em jogos decisivos de Estaduais.

Antes convocar os jogadores, o técnico Dorival Junior fez um discurso sobre como queria reconectar a torcida com a seleção brasileira. Não é inédito: o antecessor Fernando Diniz deu declarações parecidas. E já ouvimos esse tema antes, com treinadores e dirigentes da CBF. Há um reconhecimento de longo tempo de um problema a ser solucionado.

Durante a entrevista coletiva, perguntei ao treinador se reconectar-se com a torcida poderia ser prejudicado pela indignação que as convocações de seleções causam pelos desfalques. Quem assumiu a reposta foi o coordenador da seleção, Rodrigo Caetano. Primeiro, ele lembrou que há uma limitação absurda de datas para encaixar o calendário. Depois, afirmou que não vê conflito entre o time e seleção.

"Não vejo como conflito. A seleção sempre vai ser a seleção brasileira. Nunca foi conflitante e nem a CBF aos clubes e muito menos às competições que ela mesma administra. Não vejo por esse lado, não podemos cair nesse discurso, na minha visão. Campeonato Brasileiro tem sua importância e a seleção e a Copa América idem."

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Bom, não é assim que pensa a maioria dos torcedores como se pode observar em qualquer rede social nas reações à convocação. Há críticas pesadas à CBF - e quase unânimes - por desfalcar os times. Obviamente que redes sociais são um termômetro imperfeito, mas o desgaste do time brasileiro pelo prejuízo aos clubes é inegável.

Não vai adiantar a CBF fazer um discurso de reconectar a seleção com o torcedor ao mesmo tempo que prejudica os times. Ninguém é trouxa. A realidade se impõe a qualquer declaração.

Para mudar efetivamente a percepção sobre a seleção, será preciso que a confederação faça algo para alterar o calendário atual. Poderia chamar os clubes para construir uma solução. É verdade que eles (clubes) também terão de abrir mão de algo, de dinheiro provavelmente, por conta da redução de jogos. Estão dispostos? As atitudes difíceis não estão só do lado da CBF. Mas, hoje, a entidade faz o calendário sem consultas e é resistente a mudanças.

As feridas que colocam clubes e CBF em lados opostos estão expostas. É o momento (sempre foi) para alguma espécie de discussão nacional sobre as perdas que o sistema do futebol causa a si mesmo, e como cada parte está disposta a fazer concessões para poder conserta-lo.

Fora isso, a seleção será vista como inimiga por boa parte dos torcedores a cada lista divulgada. Isso só vai mudar quando o time passar a representar de fato um símbolo do desenvolvimento do futebol brasileiro, e não apenas uma equipe da CBF.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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