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REPORTAGEM

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Justiça nega pedido de Leila para excluir reportagem sobre investigação

Leila Pereira recebe Bolsonaro no Allianz Parque - Reprodução/Twitter
Leila Pereira recebe Bolsonaro no Allianz Parque Imagem: Reprodução/Twitter

13/08/2022 04h00

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A Justiça de São Paulo negou pedido da presidente do Palmeiras, Leila Pereira, do seu marido, José Roberto Lamacchia, conselheiro do clube, e de uma das empresas do casal, a Crefipar Empreendimentos e Participações, para retirar permanentemente do ar reportagem publicada em janeiro pelo Blog do Paulinho. Também foi negado pedido de indenização de pelo menos R$ 10 mil por danos morais.

A matéria em questão fala sobre investigação do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a respeito da possível prática de crimes por parte dos três. O órgão, ligado ao Governo Federal, combate delitos financeiros, como lavagem de dinheiro.
Após o indeferimento de tutela de urgência pedindo a retirada da reportagem do ar, o casal interpôs agravo de instrumento e conseguiu que o conteúdo fosse excluído enquanto o processo seguia. Em decisão publicada no Diário da Justiça Eletrônico de São Paulo, na última quinta, (11) a juíza Clarissa Rodrigues Alves, da 4ª Vara Cível, julgou o pedido improcedente e condenou o casal e sua empresa a pagarem custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios. Cabe apelação. A reportagem voltou a ser publicada nesta sexta.

Apelação

A coluna indagou para Leila, por meio de sua assessoria de imprensa, se ela e seu marido vão apresentar apelação e obteve a seguinte resposta: "Essas questões são tratadas pelo nosso departamento jurídico que vai analisar o caso. E nós não comentamos decisões judiciais".

Liberdade de imprensa

Na análise da juíza, o jornalista Paulo Cezar de Andrade, autor do blog, exerceu o direito de liberdade de imprensa. "Muito embora a publicação da reportagem repercuta negativamente sobre a reputação dos autores, trata-se de mero exercício do direito fundamental de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, não importando em significativo dano à imagem dos demandantes. Por outro lado, os requerentes não demonstraram a intenção difamatória por parte do réu, cujo blog é conhecido por denunciar irregularidades e corrupção no futebol", diz trecho da decisão.

A torcida quer saber

O envolvimento do casal, dono da Crefisa e da FAM, patrocinadoras do Palmeiras, foi usado pela magistrada para sustentar o interesse jornalístico na investigação feita pelo Coaf. "Ademais, consta dos autos que os autores são os únicos diretores e acionistas da Crefipar, principal patrocinadora da Sociedade Esportiva Palmeiras, uma das principais agremiações poliesportivas do país, dirigida, aliás, pela autora Leila, desde novembro/2021. Assim, é inegável que a notícia de seu possível envolvimento com os crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e sonegação de impostos reveste-se de interesse público", afirmou a magistrada em sua decisão.

A juíza também lembrou da massa de torcedores palmeirenses. "No caso, tem-se que a matéria jornalística divulgou que a presidente de uma grande agremiação esportiva, com milhões de torcedores e interessados nos seus atos de gestão, é investigada por crimes que reverberam em suas atividades no clube, razão pela qual, sopesando-se direitos fundamentais no caso concreto, prevalece a liberdade de imprensa em detrimento ao direito à imagem e à honra", escreveu a magistrada.

Críticas duras

No processo, Leila e Lamacchia afirmaram que, na matéria, o jornalista fez afirmações caluniosas contra eles. "É verdade, e isso não se nega, que a reportagem opta por termos desabonadores à imagem dos autores. Porém, trata-se de figuras públicas, estando, por isso, sujeitos a críticas mais duras, razão pela qual, no caso em testilha, a dureza da crítica [do] jornalista não pode ser considerada abusiva", entendeu a juíza.

Arquivo quase secreto

Outro ponto abordado pelo casal foi o fato de Andrade divulgar "trechos do relatório de inteligência financeira do Coaf, o qual é resguardado por sigilo, sendo publicadas, ainda, informações sigilosas a respeito de operações bancárias e a renda dos autores".
No entanto, a juíza entendeu que não é obrigação do jornalista manter as informações em sigilo.

"De mais a mais, embora a matéria jornalística faça referência a ter tido o réu acesso ao relatório de inteligência do Coaf, dos trechos divulgados não vislumbro informações sobre as quais o sigilo bancário tivesse sido amplamente divulgado, pois se trata de conclusões extraídas do referido relatório, necessárias a corroborar a informação prestada, e que inclusive consta da portaria que instaurou o inquérito policial, com o objetivo de apurar, em tese, a prática do crime de lavagem ou ocultação de bens e valores pelos autores. Pelo mesmo raciocínio, tendo a imprensa acesso às movimentações bancárias dos demandantes, dado o interesse público, não há qualquer impedimento na utilização desses dados, uma vez que, ao contrário do que ocorre com funcionários da instituição financeira, não lhe é imposto qualquer dever de mantê-las em segredo", diz a decisão.

Ameaça à democracia

Para Diogo Flora, do escritório de advocacia Flora, Matheus & Mangabeira, que defendeu o jornalista, a decisão é emblemática na defesa da liberdade de imprensa. "A nossa Constituição definiu que há primazia da liberdade de expressão e essa posição de destaque no ordenamento brasileiro precisa ser ainda mais respeitada no caso de jornalistas e comunicadores, sob o risco de se ver ameaçado o exercício do jornalismo e, por consequência, a própria democracia. As críticas, as sátiras, os documentos e as fontes utilizadas em reportagens, não sendo falsos, estão abrigadas pela liberdade de expressão e pelo princípio republicano, por mais duras e constrangedoras que sejam", afirmou o advogado à coluna.