Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Menon: Caro Abel, você não entende nada do Brasil do samba e de Graciliano
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Bom dia, Abel. Não sei se você vai ler essa cartinha. O seu trabalho é árduo, com muita disciplina, rigor e dedicação diária e falta tempo para outras coisas.
É sobre esses atributos que você diz faltar às vezes aos brasileiros que eu gostaria de falar, caro Abel.
Você já viu um desfile de Carnaval? O rigor de não ultrapassar o tempo permitido, o trabalho árduo realizado o ano inteiro, a sincronização fruto de treino e disciplina? Aquilo é coisa de um ano de amor e dedicação.. E tudo resulta em uma explosão de alegria e criatividade.
Somos assim, Abel. A gente trabalha muito e com alegria e criatividade. É a diferença entre um samba e um fado.
Você acha que Santos Dumont não trabalhou muito para fazer o 14 Bis?
Você acha que Graciliano Ramos, meu escritor preferido, escreveu Angústia, Insônia, São Bernardo, Vidas Secas e outras maravilhas assim, de uma sentada? Aquele estilo seco, duro, conciso - impossível acrescentar ou tirar uma vírgula - tem muito trabalho árduo, dedicação diária, rigor e disciplina.
Carlos Gomes? Guimarães Rosa?
Paulinho da Viola, Cartola? Delegado, Jamelão e Martinho da Vila?
Ah, vamos falar apenas de esporte?
Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo, trabalhou tanto como Nelson Évora e Pedro Pichardo os campeões portugueses da mesma prova. Só que Évora é caboverdiano e Pichardo, cubano. Foi só naturalizar, Portugal não teve trabalho algum.
Eder Jofre? Ayrton Senna? Aurélio Miguel? Trabalho e dedicação diária.
Vamos falar de futebol?
Pelé não trabalhava muito? Com rigor, disciplina, dedicação diária? Tanto quanto Cristiano Ronaldo ou Morais, o zagueiro carniceiro da Copa de 66.
E há muitos outros. Não vou gastar linhas falando da maravilha que é o futebol brasileiro.
O fato é que aqui se trabalha muito Abel. Cuca, que você derrotou novamente, trabalha muito. Renato que você enfrentará, trabalha muito.
Trabalho não é exclusividade de europeu. Aliás, nós, historicamente, trabalhamos muito pra vocês. Explorados.
Abel, você caiu em uma pegadinha. Caiu em um clichê ridículo e preconceituoso. O mesmo que usamos naquelas piadas infantis ridicularizando a inteligência dos portugueses.
No nosso caso, foi uma maneira criativa de ironizar os colonizadores, aqueles que tiraram os brasileiros de nossas casas para abrigar nobres portugueses que fugiram de Napoleão e abandonaram o povo português à própria sorte.
Abel, não vou entrar em discussão quando você diz que o presidente de Portugal é "o mais titulado do Mundo".
Aí, a vantagem é clara.
Um abraço Abel. Você talvez fique muito tempo no Brasil. Abandone a postura de José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, abra os olhos e se permita a entender e amar o Brasil.
PS - Entre um treino e outro, ouça "Construção" de Chico Buarque de Holanda.
Uma obra prima que deu muito trabalho e que exigiu dedicação, rigor e disciplina.
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