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Dérbi muda a vida de um jogador, como mudou a minha em 1982

Neste domingo (18) teremos o primeiro Dérbi do ano, que, sem dúvida, é um dos jogos mais esperados do Campeonato Paulista.

Aqui no Brasil, alguns clássicos estão entre os mais importantes e com mais rivalidade do futebol mundial: Grenal, BA-Vi, Fla-Flu, Atlético x Cruzeiro, Atletiba, Remo x Paysandu, entre outros. Palmeiras x Corinthians também é um embate de grande destaque.

É um jogo tão importante que já foi retratado em livros e filmes, como "Boleiros", do cineasta Ugo Giorgetti.

O filme tem a frase clássica do personagem interpretado por Lima Duarte, que é treinador do Palmeiras, para Marisa Orth, que faz o papel de uma "Maria Chuteira". A cena ocorre dentro do hotel onde o time está concentrado à véspera de um Dérbi.

Ele percebe que ela está rondando e vai ao seu encontro, dizendo: "Você não sabe o que é um Corinthians x Palmeiras."

Outro filme interessante é "O Casamento de Romeu e Julieta", de Bruno Barreto, que tem cenas engraçadas com o saudoso Luis Gustavo — um torcedor fanático do São Paulo, mas que faz o papel de um grande palmeirense nesta obra. Ele interpreta o pai de Julieta (Luana Piovani), que se apaixona por Romeu (Marco Ricca), um corintiano da Gaviões e que finge ser palmeirense por amor a Julieta.

Acredito que todos os torcedores dos dois times têm alguma história para contar sobre esse jogo. Imaginem quem já participou diretamente desse confronto como jogadores, treinadores e árbitros.

Bom, vou contar a história do meu primeiro Dérbi vestindo a camisa do Corinthians profissionalmente.

Foi num domingo, 1º de agosto de 1982, pelo primeiro turno do Paulistão.

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Vínhamos de uma vitória no meio da semana por 2 x 0 sobre o Juventus, com um gol meu e outro do Zenon.

Mas o nosso time ainda não tinha embalado e nem conquistado totalmente o amor da Fiel torcida. Afinal de contas, tínhamos uma nova proposta de relação entre um jogador de futebol e a sociedade.

Nós chegamos para este clássico conscientes de que seria um divisor de águas. Tanto a vitória como a derrota foi o dia D da Democracia Corintiana.

No meu caso, especificamente, era bem mais delicado. Eu era um centroavante formado no clube desde os meus 10 anos. A direção e a torcida corintiana tinham pouca paciência com os atacantes oriundos da base. Antes de mim, o último centroavante que havia subido dos juvenis tinha sido o Mirandinha, em 1971 — ele só ganhou prestígio e respeito quando foi jogar no São Paulo.

Eu tinha 18 anos, já havia disputado duas Copas São Paulo (fui eleito a revelação da Copinha de 1980) e vinha de um empréstimo para a Caldense, pois disputei o Mineiro de 1981 e fui muito bem — fui um dos artilheiros do campeonato.

Mas o Dérbi define muito o futuro de um jogador vindo da base ou não. Já tinha visto vários atletas se queimarem por terem falhado numa derrota para o Palmeiras.

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Só que chegamos ao Morumbi muito confiantes, uma vez que estávamos vendo a evolução técnica, tática e de entrosamento do nosso time nos treinos e também nos jogos.

A partida começou equilibrada, mas aos poucos fomos dominando o jogo. Num lance coletivo maravilhoso entre Wladimir e Biro-Biro, que tocou para mim, aberto na esquerda, e eu devolvi para ele. O Biro-Biro passou para Zenon, que deixou Biro dentro da área na cara do goleiro Gilmar para fazer 1 x 0 para o Timão.

Depois disso, dominamos totalmente a partida, com tabelas e toques rápidos envolventes. Tanto que no final do primeiro tempo, Gilmar perdeu a paciência e deu um pontapé no nosso lateral, o Alfinete, e foi expulso.

Regressamos ao gramado um pouco relaxados, e o Palmeiras empatou com o Jorginho (Marília). O gol deles serviu para nos acordar.

Voltamos a fazer uma grande partida e, numa outra jogada pela esquerda, o Wladimir tocou para o Magrão dentro da área, quase na linha de fundo. Quando o volante Rocha deu um carrinho e o Magrão deu um corte seco, mas o Rocha levou a bola com a mão, resultando em pênalti!

O Magrão foi lá e bateu firme, fazendo 2 x 1. A partir daí, não sofremos mais nenhum perigo e fizemos o Palmeiras correr atrás da bola, enquanto atacávamos o tempo todo.

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Até chegarmos aos 37 minutos do segundo tempo, quando, numa jogada espetacular entre o volante Paulinho e o Alfinete, que deu um passe forte para mim dentro da área. Só tive o trabalho de escorar para as redes: 3 x 1.

Aos 38, numa jogada parecida, só que com o Magrão e o Alfinete, que dessa vez cruzou forte. O Ataliba antecipou o Luiz Pereira e bateu no gol. O goleiro João Marcos rebateu e eu estava ali novamente para fazer 4 x 1.

Eu não estava acreditando vendo tudo acontecer, mas não parou por aí. A coisa ficou ainda mais sinistra.

Aos 41 minutos, o Zenon tocou para o Magrão no meio campo e partiu como elemento surpresa, recebendo um passe genial de volta. O Zenon dominou e chutou rasteiro, forte e na diagonal. O goleiro ficou batido e a bola explodiu na trave esquerda, voltou e novamente eu estava ali, só escorando para ampliar a goleada em 5 x 1, e anotando o meu terceiro gol no Dérbi.

Foi inacreditável, inesquecível, maravilhoso.

Nunca pensei que faria três gols num Corinthians x Palmeiras, com o Morumbi lotado, em partida válida entre os profissionais.

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Em 1980, jogando na preliminar do Dérbi, também havia feito três gols na vitória por 4 x 1 contra o Palmeiras.

Depois disso, o nosso time deslanchou de tal forma que ganharmos o primeiro turno com muita facilidade. Eu me firmei como titular absoluto e disparei a marcar no Paulista de 1982, acabando com 28 gols e sendo o artilheiro do campeonato.

Por isso digo que Corinthians x Palmeiras pode definir o futuro de um jogador, dependendo do rendimento e dos acontecimentos deste clássico.

Neste Dérbi de hoje, o Palmeiras é o grande favorito devido aos inúmeros títulos que conquistou nas últimas temporadas e por ter o mesmo treinador e a mesma base do time há quatro anos.

Além disso, a maioria dos jogadores do Palmeiras já disputou este clássico diversas vezes.

Diferentemente do Corinthians, pois boa parte do atual elenco jogará o Dérbi pela primeira vez. Também será a estreia do técnico António Oliveira neste clássico.

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Esta rivalidade é histórica, com diversos jogos marcantes, como o título do IV Centenário, em 1954, quando o Corinthians se sagrou campeão após o empate por 1 x 1 com o Palmeiras.

Mas também teve a vitória do Palmeiras por 1 x 0, em 1974, com gol do saudoso Ronaldo Drumond, evitando a quebra do tabu que naquele momento era de 20 anos sem títulos do Corinthians.

Enfim, estes times já se cruzaram diversas vezes e em momentos cruciais da história de cada um, o que só serviu para que esta maravilhosa rivalidade aumentasse cada vez mais.

É uma pena que será em Barueri e só com uma torcida.

Corinthians x Palmeiras é um clássico para se jogar num campo neutro na cidade e com público dividido.

Ainda tenho esperança que os espetáculos das cores, com bandeiras e faixas, realizados pelas torcidas voltem a acontecer.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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