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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nas grutas dos Sete Salões estão a história e a força espiritual dos Krenak

Vista dos Sete Salões desde a prainha, às margens do rio Doce (Watu), em Resplendor (MG) - João Menino/Instituto Shirley Djukurna Krenak
Vista dos Sete Salões desde a prainha, às margens do rio Doce (Watu), em Resplendor (MG) Imagem: João Menino/Instituto Shirley Djukurna Krenak

Colunista do UOL

04/03/2023 08h00

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Como falei no final do texto sobre as terras mágicas do povo Krenak e o assassinato do rio Watu, agora vou contar a história dos Sete Salões. A seguir, teremos uma explicação sobre essas grutas, que foram feitas a meu pedido pelo João Menino, secretário (ou parceiro, que é a forma de tratamento entre o povo Krenak) da Shirley Krenak.

"Os Sete Salões, como chamam os indígenas, referem-se a um afloramento quartzítico composto por sete salas (grutas) interligadas e que são tidas como espaço sagrado para o povo Krenak. Localizadas no alto da Serra da Onça (por eles denominada de takrukkrak), defronte a Terra Indígena Krenak à margem direita do rio Doce (Watu), o território dos Sete Salões é reivindicado como terra indígena desde a retomada parcial do território em 1996-97. Após decisão do Supremo Tribunal Federal de 1996, que decretou nulo os títulos de terra concedidos pelo estado de Minas Gerais aos grileiros que ocupavam as terras indígenas, o povo Krenak regressou do exílio para o polígono territorial que você conheceu (margem esquerda). Todavia, a parcela dos Sete Salões reivindicada desde então entrou em processo de estudo e identificação, estagnando-se sem muitas informações concedidas pela Funai A situação torna-se ainda mais complexa quando o estado de Minas Gerais cria o Parque Estadual de Sete Salões, uma unidade de conservação de proteção integral, em 22 de setembro de 1998, pelo Decreto Estadual n° 39.908. Esse Parque Estadual abrange uma área de 12.520 hectares e está sob a tutela do Instituto Estadual de Floresta (IEF). Porém, veja, unidades de conservação de tipo parque (proteção integral) não permitem a circulação de seres humanos, instaurando toda uma discussão no cenário brasileiro sobre isso.

Embora tenha sido criado o Parque Estadual de Sete Salões, apenas 2% (conforme informação ofertada pelos técnicos do IEF) dele foi implementado (idealidade normativa é diferente de implementação). Isso significa que ainda está sob comando de fazendeiros e grileiros a grande parte das áreas, incluindo a parte que os indígenas reivindicam como terra indígena. E os fazendeiros têm grande rivalidade com os Krenak, até porque eles usurparam a terra e querem continuar com seus privilégios, enquanto o povo tradicional reivindica o território. Hoje, os Krenak não têm fácil acesso às suas grutas sagradas e enfrentam ameaças dos fazendeiros. Os Sete Salões estão ao relento, sujeitos à depredação porque o IEF não tem recursos e nem interesse em cuidar."

Como disse, pedi para o João Menino, parceiro da Shirley Krenak, me mandar o texto acima, porque é importante para o entendimento do significado dos Sete Salões para o povo Krenak.

Agora vou detalhar o que os próprios indígenas me contaram sobre essas terras e o que sinto em relação a elas.

Entrada das grutas dos Sete Salões, espaço sagrado do povo Krenak - João Menino/Instituto Shirley Djukurna Krenak - João Menino/Instituto Shirley Djukurna Krenak
Entrada das grutas dos Sete Salões, espaço sagrado do povo Krenak
Imagem: João Menino/Instituto Shirley Djukurna Krenak

Logo no início, antes de ir para o batismo na lagoa, eles começaram a me contar a história do rio Watu, como relatei no texto anterior. Mas todos eles, em algum momento, falavam dos Sete Salões e eu não entendia o que eram.

Em um determinado momento, pedi a eles para me explicarem melhor. E, claro, os relatos vieram com muita paixão, mas também com muita raiva, por não terem as grutas sagradas com eles.

Aquelas grutas significam algo mágico, espiritual e cheio de mistérios. Porque é o encontro do povo Krenak com os seus ancestrais, o que significa um reencontro com a história e com o passado deles. Os Sete Salões são como um túnel sagrado, onde eles ouvem dos ancestrais os caminhos da vida desse povo.

Eu só olhei bem de longe esse lugar, e mesmo assim mexeu muito comigo essa parte mística e espiritual.

Mas o problema não está só nos fazendeiros que ameaçam os Krenak, caso eles cheguem por lá. Tem também a destruição dos escritos ancestrais, de séculos passados, que estão nas paredes das grutas. E, pelo que os indígenas me falaram, os fazendeiros estão mandando pessoas com facas, espátulas ou qualquer outra coisa para derrubar os escritos sagrados.

As paredes das grutas são arenosas, e passando qualquer lâmina cai tudo no chão. Estão destruindo uma história que deveria ser protegida por todos.

Os Sete Salões pertencem ao povo Krenak e as terras onde elas estão foram tomadas. Eles estão numa luta para a nova demarcação das terras, incluindo os Sete Salões, porque já assassinaram o rio Watu e estão acabando com as cavernas sagradas com as escrituras dos ancestrais Krenak.

Eles me disseram também que quando eles queriam encontrar e ouvir os ancestrais, dormiam lá. Me contaram também que vem gente de todo lado para conhecer as cavernas — já teve gente que dormiu lá, porque tinha problemas emocionais, espirituais e até de algumas doenças, mas que acordou outra pessoa pela manhã, tamanha a energia positiva e espiritual que lá se encontra.

Tem a história de uma garota e seu namorado que dormiram em uma das grutas, e que a garota vomitou praticamente a noite toda. Pensaram que ela estaria acabada pela manhã, mas ela acordou e disse que nunca se sentiu tão bem como naquele momento.

Falei a eles que quando eu voltasse para lá, que eu iria dormir numa das cavernas, para sentir e talvez ver tudo que acontece ali.

Mas, para que eu ou qualquer outra pessoa tenha essa experiência, é necessária a demarcação urgente daquelas terras, e a proteção do governo para que os fazendeiros não destruam a história do povo Krenak.

A energia daquelas terras é algo muito especial e me fez tão bem! Voltei me sentindo em paz, mais forte para encarar qualquer dificuldade que apareça.

Em breve, vou voltar e dormir numas das cavernas dos Sete Salões, porque quero contar mais uma história e mostrar a força desse povo. A magia, a consagração, a paz, a guerra, as histórias dos caciques, dos guerreiros e dos seus ancestrais, porque irei com o corpo e a alma abertos para receber toda a energia que for possível.

Ererré a todos os povos indígenas do nosso Brasil!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL