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Do Maranhão a Lanús. Gremista cruza o continente para ver time pela 1ª vez

Ewerton cruzou um continente e contou com muita solidariedade para ver seu time - Thiago Silva/ Padrinho Agência de Conteúdo
Ewerton cruzou um continente e contou com muita solidariedade para ver seu time Imagem: Thiago Silva/ Padrinho Agência de Conteúdo

Renata Crawshaw e Pedro Pereira*<br>Padrinho Agência de Conteúdo

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre (RS)

29/11/2017 12h00

Viajar mais de 4 mil km para seguir um time de futebol é loucura? Não para o maranhense e gremista Ewerton Sousa, que deixou a pequena Campestre do Maranhão, a 664 km da capital São Luís, para ver Grêmio x Lanús, em Porto Alegre, semana passada. E a vitória no jogo de ida da final da Libertadores serviu como o combustível que faltava para fazê-lo cruzar a fronteira com a Argentina: enquanto você lê esta reportagem, lá está Ewerton a caminho de La Fortaleza, o palco da decisão desta quarta-feira.

Foram, precisamente, 4,4 mil km entre ônibus e avião, com algumas escalas e madrugadas adentro, até chegar em Porto Alegre. Ewerton desceu na capital gaúcha sem ingresso para entrar na Arena do Grêmio, sem lugar para se hospedar e sem saber para onde ir. Apenas veio. Entrou no táxi e pediu que lhe fosse indicado um caminho. Foi parar na pousada de um amigo do motorista, na Grande Porto Alegre – longe do estádio e do centro da cidade. E sem conhecer ninguém. No dia do jogo, conseguiu comprar ingresso direto com os torcedores. Pagou mais de R$ 500 e entrou na Arena chorando, abraçado à bandeira do Maranhão.

Não bastava todo o sacrifício do trajeto. Na Arena, ele encontrou um celular perdido. O telefone era do fisioterapeuta Marcello d’Azevedo, que se viu também sem um pé do tênis, sabe-se lá como. Na hora da euforia da multidão nunca se sabe o que vem. Ou o que vai, neste caso.

O celular foi encontrado em meio a milhares de pessoas na Arena, na entrada do jogo, justamente por Ewerton, um dos cinco gremistas entre os 13 mil habitantes da pequena Campestre do Maranhão. No meio de toda a emoção em ver o time do coração ao vivo pela primeira vez em terras gaúchas, ele se preocupou em guardar o telefone achado no bolso, dar uma carga na volta para a pousada e atender as ligações esperando encontrar o dono. E conseguiu. A história já era boa até aqui, mas melhorou quando nossa reportagem entrou em contato com ele para saber um pouco mais da sua paixão pelo tricolor. Ele contou tudo ao vivo e a cores, com muita emoção, inclusive sobre a viagem derradeira para Lanús x Grêmio.

“Liguei para a minha mãe para contar que eu tinha encontrado e devolvido um celular para o dono. Ela chorou de felicidade, ficou super emocionada pelo gesto. Isso serve para vermos que ainda existem os valores familiares, e gestos como este são o que nos fazem acreditar no ser humano e nas boas atitudes. Eu sempre falo: boas atitudes geram excelentes amizades, e a amizade que eu fiz com o Marcello já me engrandeceu nesta viagem”, relata Ewerton.

12 HORAS DE ÔNIBUS E TRÊS CONEXÕES ATÉ CHEGAR EM PORTO ALEGRE

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Bermuda fez ele virar gremista, aos 7 anos

A história de amor pelo tricolor gaúcho começou aos sete anos. A mãe havia comprado um calção de futebol para cada um dos três filhos e, aleatoriamente, os distribuiu. Quis o destino que a bermuda tricolor caísse nas mãos de Ewerton e, a partir dali, ele encarnava Jardel nas peladas pela rua. Hoje, 22 anos depois, pode dizer que realizou um sonho de criança. Juntou dinheiro por três meses, pediu outro tanto emprestado, arranjou folga na escola onde trabalha como educador físico e veio, praticamente de olhos fechados, rumo à Arena do Grêmio. O que ele não esperava era a recepção das pessoas:

“Parecia que eu conhecia todo mundo há 15 anos, desde a infância. Eles me olhavam com a bandeira do Maranhão e me abraçavam como se soubessem quem eu era”.

SAGA PARA CONSEGUIR INGRESSO E EMOÇÃO AO ENTRAR NA ARENA

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A carreata de um homem só

Ao contrário do que se possa pensar, ser um dos cinco gremistas da cidade é motivo de muito orgulho para Ewerton. Na final da Copa do Brasil do ano passado, ele fez uma carreata de um homem só. Tinha combinado com os amigos de assistir ao jogo e ir para a rua depois, independentemente do resultado. No fim, acabou indo sozinho comemorar pelas ruas de Campestre do Maranhão.

“Peguei o carro do meu amigo e saí rodando na cidade com a camiseta do Grêmio. Foi super emocionante passar buzinando por tudo e todos, comemorando, mesmo sozinho”, conta.

“Agora não vou mais ser motivo de chacota na minha cidade. Vou mostrar que cantei com mais de 54 mil gremistas na Arena e 5 mil na Argentina, comemorar um (esperado) título e provar que não existem apenas cinco gremistas no Brasil. Será a minha prova de que valeu a pena todo esse esforço pelo Grêmio”, afirma Ewerton.

Relacionamento à distância com o Grêmio

Para saber notícias, Ewerton busca no Google todos os dias o nome do Grêmio. Para ter algum produto da loja oficial do clube, tem de encomendar com muita antecedência. E também ter paciência, por toda a espera para ter o artigo em mãos. Para conseguir chegar até aqui, realizar o sonho de ver pela primeira vez o time do coração jogando ao vivo, Ewerton passou por muita coisa.

“Dessa história, vai ficar a luta de eu ter feito tudo isso. Só eu sei a dificuldade que foi, de pedir dinheiro emprestado. Eu só queria chegar, e não imaginava que a recepção seria tão boa. Não sabia nem que eu ia conseguir entrar no jogo”, diz.

Com os olhos tão marejados quanto após o gol de Cícero, na semana passada, Ewerton reflete (aparentemente pela primeira vez desde que embarcou, em Campestre do Maranhão):

“Muita gente duvidou que eu chegaria até aqui. Mas eu não vim para provar isso a eles. Eu vim para realizar um sonho. Eu não imaginava que um simples ato de devolver um celular geraria isso tudo pra mim. Os valores de família são passados de pai para filho e os atos de bondade entre os amigos também”.

E completa:

“Se eu pudesse agradecer a todas as pessoas que me deram as boas-vindas, que comemoraram junto comigo, que me disseram que eu era um verdadeiro gremista, e a força que o pessoal me deu quando eu estava com a bandeira do Maranhão andando em torno do Estádio... Se eu pudesse agradecer a cada um que me deu um abraço, seria muito gratificante. É uma trajetória, uma luta, e você fica muito feliz pelo retorno que tudo isso te dá. As pessoas acharam legal eu ter feito tudo isso pelo time. Isso é emocionante. Jamais imaginei que isso aconteceria”.

EWERTON SE EMOCIONA AO LEMBRAR DA RECEPÇÃO DOS GREMISTAS

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Rumo a Lanús pelo título

A julgar pelas cenas dos próximos capítulos, Ewerton terá ainda mais pessoas a quem agradecer. Pelas redes sociais, encontrou ingresso para a segunda partida da final, em Lanús, na Argentina. Não pensou duas vezes: partiu de carro com o vendedor do ingresso e alguns amigos à cidade portenha.

A expectativa é pelo título, mas ele garante que tudo o que viveu até aqui já valeu cada centavo investido. Além do desafio de apoiar o time em campo, a corrida contra o relógio será outro ingrediente interessante. Ele precisa chegar ao aeroporto cerca de cinco horas depois do apito final (se não houver prorrogação e pênaltis) e, claro, ainda não tem ideia de como percorrerá o trajeto.

Sem perceber, Ewerton faz jus ao ditado do icônico gremista Salim Nigri, que em 1945 mobilizou a torcida tricolor para apoiar o time em um jogo em Novo Hamburgo, lotando 18 vagões de trem: “Com o Grêmio, onde estiver o Grêmio”.

“As pessoas dizem que é só um jogo”, comenta Ewerton, ao lembrar de tudo o que o Grêmio representa para ele.

Depois desta história, fica difícil de discordar do maranhense.

*Edição de vídeo e captação de imagens: Thiago Silva