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Lito Cavalcanti

Sem data para correr, F1 recorre ao E-Sport

Nico Hulkenberg é um dos destaques do campeonato virtual de F1, entre outros pilotos "reais" - Charles Coates/Getty Images
Nico Hulkenberg é um dos destaques do campeonato virtual de F1, entre outros pilotos "reais" Imagem: Charles Coates/Getty Images

23/03/2020 13h13

O nó se aperta a cada semana. Ninguém pode dizer com certeza quando se iniciarão as corridas de F1. O Grande Prêmio do Azerbaijão, que devia ser realizado no dia sete de junho, já foi oficialmente adiado. A melhor perspectiva agora é o do Canadá, uma semana mais tarde. Mas, na verdade, não há definição à vista. Monitorando as contaminações do vírus corona, a F1 se divide entre a expectativa de voltar às pistas e o combate aos efeitos da pandemia, ajudando a produzir maior quantidade de respiradores mecânicos para suprir a carência dos hospitais.

Enquanto não se chega a uma data para o reinício, escolha que não depende da FIA, da Liberty Media nem das equipes, o automobilismo improvisa. Em vez dos grandes prêmios reais, entraram em cena os virtuais. E mesmo favorecidos pelas quarentenas, surpreendem os números de assistentes que suas transmissões (por streaming) têm registrado.

Novos tempos, definitivamente. Aos poucos, o público começa a se acostumar a novos nomes. Daniel Bereznay, Cem Bolukbasi, Jarno Opmeer e James Baldwin são as novas estrelas. Uma pesquisa revela que muitos já defendem escuderias da F1 nos chamados eSports, como hoje se denominam competições de jogos eletrônicos. Bereznay corre pela Alfa Romeo; Bolukbasi, pela Toro Rosso (não deveria ser Alpha Tauri?); Opmeer, pela Renault.

"Não é o GP da Austrália"

A ideia é preencher os fins de semana em que deveriam ser corridos os GPs reais. A ideia foi lançada pela Veloce E-Sports em parceria com a Motorsport Games. Juntas, realizaram duas corridas nos dois últimos fins de semana. Para enfatizar o critério de substitutas dos GPs cancelados ou adiados, a primeira foi denominada "Not Australian GP" e a segunda, "Not Bahrain GP". Pilotos da vida real também participam, como Lando Norris, Nicholas Latifi e Nico Hulkenberg, além de outros vindos da Fórmula E e da F2. Deles, o que mostraram melhores desempenhos nesse torneio foram Norris e Latifi.

A F1 propriamente dita adotou essa boa ideia e realizou, neste domingo, a primeira etapa do seu torneio, o Formula 1 Esports Virtual Grand Prix. Disputada em um circuito do Bahrein virtual, ela foi vencida pelo piloto reserva da Renault, o chinês Guanyu Zhou, que é também uma das estrelas da F2. Ele foi seguido pelo ex-F1 belga Stoffel Vandoorne, agora na Fórmula E, que exibiu um estilo excessivamente agressivo para arrancar o segundo lugar do austríaco Philipp Eng, da DTM (campeonato alemão de carros de turismo), que foi o autor da pole position.

Porém, já antes de começar, o torneio sofreu uma séria baixa: Max Verstappen, inquestionavelmente o melhor piloto de corridas virtuais entre os titulares da categoria máxima, avisou que não participaria. O motivo alegado pelo holandês foi sua falta de familiaridade com o jogo que, ao contrário dos outros, foi feito especificamente para PCs.

Antes da pandemia

A nova modalidade, contudo, não começou na F1 nem deriva do risco de contaminação pelo vírus corona. A NASCAR já está no segundo ano da série eNASCAR Heat Pro League. Aberta ao público, ela conta com uma bolsa de 210.000 dólares de premiação. A F Indy também anunciou seu próprio campeonato. Os detalhes ainda não foram revelados, mas a ideia é contar com a presença de todos seus pilotos oficiais.

A primeira iniciativa, porém, ocorreu em 2008, quando a japonesa Nissan promoveu torneios em diversos países com o jogo Gran Turismo. O objetivo era garimpar novos talentos que chegassem ao automobilismo propriamente dito sem nenhum vício adquirido nas categorias de base. Desse programa saíram o espanhol Lucas Ordoñez e o inglês Jann Mardenborough, que brilhou nas categorias de fórmula do Japão e chegou a ser cogitado na F1.

Todas essas provas são exibidas ao vivo em streaming e vêm ganhando público a cada edição. Na ausência de corridas reais, o automobilismo já se mostra pronto para manter o interesse, ou até aumentá-lo, nestes tempos de quarentena. São muitas as similaridades, como a necessidade de largar na frente para evitar as batidas características da primeira curva. E como não há risco maior do que perder a chance de uma boa colocação, a agressividade dos pilotos é ainda maior do que na realidade, o que mantém os espectadores em constante suspense.

Também no automobilismo o espetáculo não pode parar.

Vivendo e aprendendo a jogar

Passou quase despercebida a decisão da equipe Mercedes de abandonar o movimento de pressão contra a FIA, iniciado logo após os testes de pré-temporada. Insatisfeitas, para não dizer revoltadas, com a decisão da entidade de não revelar os detalhes da verificação do motor que a Ferrari usou em 2019, sete das dez escuderias enviaram (e publicaram) uma carta exigindo respostas para várias perguntas.

O movimento era liderado por Toto Wolff, chefe da Mercedes, e Christian Horner, da Red Bull, e esperava-se uma batalha fragorosa entre as duas partes no GP da Austrália. Com a sucessão de reuniões que culminaram no cancelamento do GP, a desistência anunciada por Toto Wolff passou quase em branco.

Até agora não veio a público qual será a atitude das seis equipes restantes. O fato é que, sem a presença da equipe alemã, que fornece motores para a Williams e para a Racing Point, o grupo perde força e representatividade para enfrentar a FIA e, não menos importante, a Ferrari.

A boca pequena, comenta-se que a mudança de atitude se deveu a uma orientação da Mercedes Benz AG, a nave mãe, de abandonar o confronto com a FIA para evitar processos que trariam ainda mais desgaste para a imagem da Fórmula 1.

Novas regras adidadas para 2022

Diante da situação atual, a única certeza é que todas equipes sofrerão perdas financeiras neste ano. O provável encurtamento do campeonato causará redução dos prêmios e eventualmente a necessidade de revisão dos contratos de patrocínio, já que a exposição das marcas será bem menor do que se previa. Por isso, a FIA, a Liberty Media e as dez equipes concordaram com o adiamento por um ano das novas regras, previstas para entrar em vigor em 2021.

Como seriam necessários altíssimos investimentos para a criação de carros inteiramente novos, a decisão foi unânime. O plano é congelar os atuais chassis, motores, transmissões e demais partes mecânicas, liberando-se apenas evoluções aerodinâmicas.

Uma decisão de inegável bom senso, mas que deixa no ar uma dúvida: como fará a McLaren, que já tem contrato assinado para mudar do motor Renault para o Mercedes em 2021? Motores diferentes exigem chassis diferentes, um não se encaixa onde se encaixava o outro. Ou seja, para adotar o motor Mercedes, a tradicional escuderia inglesa terá de refazer o carro atual, contrariando o congelamento previsto pelo adiamento das novas regras. E ainda deve enfrentar momentos delicados para desfazer o contrato com a Mercedes e prolongar o que tem hoje com a Renault.

Só se conhecerá a solução para esse enrosco e qual será a atitude das equipes abandonadas pela Mercedes quando a F1 voltar às pistas. Quando? Nem a própria F1 sabe...

Rádio Paddock

Igor Fraga, o novo contratado da academia de talentos da Red Bull, vai estar comigo e com Cassio Politi na gravação do podcast Rádio Paddock, hoje às 20h30 ao vivo. Ele vai falar sobre sua carreira, iniciada nos jogos eletrônicos, o título recém-conquistado na Toyota Series e sua participação na próxima temporada da Fórmula 3 FIA. Para participar ou só assistir, acessem o canal youtube.com/litocavalcanti.