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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uma final ímpar no Maracanã

Heitor tenta desarmar Vitinho, durante a partida entre Inter e Flamengo, no Beira-Rio, pelo primeiro turno - Pedro H. Tesch/AGIF
Heitor tenta desarmar Vitinho, durante a partida entre Inter e Flamengo, no Beira-Rio, pelo primeiro turno Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

19/02/2021 04h00

Depois de sete longos meses repletos de percalços, o Campeonato Brasileiro 2020 pode ser decidido neste domingo (21), na "final" entre o vice-líder Flamengo e o Internacional, dono da primeira colocação. Se ganhar a partida no Maracanã, o Colorado vai encerrar um longo jejum de mais de 40 anos sem conquistar a taça do Nacional.

Vejo este confronto no Rio de Janeiro como uma "final" apenas para um lado. Por seus méritos, o Inter é o único que tem chances e se sagrar campeão com uma rodada de antecedência para o término do torneio. Claro, será encarado como uma decisão por ambos os clubes, com muita entrega dos dois elencos, mas apenas o lado vermelho do Rio Grande do Sul tem a seu favor a possibilidade de soltar o grito de campeão — a taça, no entanto, não será levada pela CBF ao estádio.

Por não contar com o mesmo investimento do Flamengo, que busca o segundo título brasileiro consecutivo, o Inter precisa ser exaltado, ainda mais depois de todos os obstáculos que enfrentou no decorrer do Nacional.

Logo de cara, o Inter perdeu o seu goleador Paolo Guerreiro, com grave contusão no joelho direito que o tirou de praticamente todo o Brasileirão. Na sequência, sofreu novas baixas no setor defensivo com as contusões do Gabriel Boschilia e do Rodrigo Moledo. Sem adentar o assunto sobre a conturbada saída de Eduardo Coudet, que deixou o clube na ponta da tabela para ir trabalhar na Espanha. Mas o Abel Braga conseguiu reinventar o Colorado, principalmente após as quedas na Copa do Brasil e na Libertadores da América.

Diante de uma das melhores equipes tecnicamente do Brasil e da América, o Inter tem a seu favor o fator físico. Acredito que o elenco colorado é um dos mais fortes fisicamente neste Brasileirão, e isto faz uma grande diferença, principalmente nesta fase final de uma temporada marcada pela maratona de jogos.

Edenílson comemora gol da vitória do Inter sobre o Grêmio no Gre-Nal em 24 de janeiro de 2021 pelo Brasileirão - Pedro H. Tesch/AGIF - Pedro H. Tesch/AGIF
Edenílson comemora gol da vitória do Inter sobre o Grêmio no Gre-Nal
Imagem: Pedro H. Tesch/AGIF

A dupla de laterais Moisés e Rodinei, junta com Edenilson e Patrik, representam a força física e a imposição do time de Abel. Já o Flamengo usufrui da técnica, com Gabigol, Éverton Ribeiro, Arrascaeta e Bruno Henrique. Será o embate entre o quarteto técnico rubro-negro contra o quarteto físico e tático colorado.

Esta força física do elenco e tática implementada pelo Abelão fecham muito bem a "casinha" do Inter. Para se ter uma ideia, o Colorado, nos últimos dez jogos, sofreu oito gols e marcou 22 — são oito vitórias, um empate e uma derrota neste intervalo. Mas neste domingo, o adversário tem a seu favor o melhor ataque do torneio, com 65 gols ao todo. O Rubro-Negro balançou 19 vezes as redes dos adversários nestes mesmos dez últimos jogos e foi vazado dez vezes — acumulou seis vitórias, um empate e três derrotas.

A habilidade individual do quarteto flamenguista tem que ser respeitada, admirada e enaltecida, assim como já mencionei o setor defensivo do Inter, dono da zaga menos vazada do Brasileirão, com 33 gols (12 a menos que o clube da Gávea). O repertório flamenguista é de se exaltar, tanto que é apontado como um dos melhores times do país e do continente desde 2019.

Gabigol comemora com Rogério Ceni o segundo gol do Flamengo contra o Corinthians, no Maracanã, pelo Brasileirão 2020 - Paulo Sérgio/Estadão Conteúdo - Paulo Sérgio/Estadão Conteúdo
Gabigol comemora com Rogério Ceni o segundo gol do Flamengo contra o Corinthians
Imagem: Paulo Sérgio/Estadão Conteúdo

E o gramado do Maracanã será palco do encontro da experiência (Abel Braga) com o postulante ao sucesso (Rogério Ceni). No primeiro turno, os clubes se enfrentaram com estrangeiros em seus comandos (o argentino Eduardo Coudet no Inter e o espanhol Domènec Torrent no Fla).

Nestes momentos decisivos, o Abel sabe como poucos, por toda a sua bagagem que ainda conta com um título mundial, passar confiança ao grupo e tirar o peso das costas de cada jogador — lembro muito bem como é isso, pois fomos campeões da Libertadores juntos.

Já o Rogério é uma cara que venceu muito dentro de campo, foi um goleiro multicampeão pelo São Paulo (Libertadores, Mundial de Clubes e Brasileiros, entre outros) e busca voos maiores depois de conquistas pelo Fortaleza. Por ter mais de 25 anos como atleta profissional no seu currículo, ele também tem o entendimento de como encarar momentos como esses e preparar os seus atletas.

Em 2005, senti essa emoção na pele, naquela tragédia contra o Corinthians. Fui um dos protagonistas daquele confronto ao sofrer o pênalti não marcado pelo árbitro Márcio Rezende de Freitas, que ainda acabou me expulsando de campo. Empatamos no Pacaembu por 1 a 1, faltando ainda duas rodadas para o término, e o título brasileiro escorregou das nossas mãos.

Tinga em lance com Fábio Costa, no Campeonato Brasileiro de 2005 -  Keiny Andrade/Folha Imagem -  Keiny Andrade/Folha Imagem
Tinga em disputa com o goleiro Fábio Costa, no Campeonato Brasileiro de 2005. Volante acabou expulso após o lance
Imagem: Keiny Andrade/Folha Imagem

Estávamos encostados no Corinthians e, se vencêssemos, poderíamos assumir a liderança. Consegui viver uma situação semelhante ao que passam agora Inter e Flamengo. O Corinthians, que era o franco favorito pelo forte time que havia montado — contava com Mascherano e Tevez, entre outros —, acabou sendo campeão. Desde então, o Inter busca este feito, agora com outro rival como um dos personagens principais.

É muito difícil um clube fora do eixo Rio-São Paulo conquistar o Brasileiro neste formato de pontos corridos, tanto que o Cruzeiro foi o único a conseguir este feito por três anos. Mas acredito que tenha alcançado pelo fato de Minas Gerais ser vizinho com estes Estados.

Apesar de alguns ainda terem um ranço com competições de pontos corridos — eu, particularmente, sou fã dos mata-matas —, esta reta final do Brasileirão nos reservou emoções. Pela primeira vez, desde 2003, quando o Nacional passou a ser disputado desta maneira, este embate entre dois postulantes ao título na reta final pode definir quem ficará com o caneco. Muitos irão se lembrar de 2009, quando Flamengo, Inter, Palmeiras e São Paulo brigavam pelo título até a última rodada. Porém, nenhum destes pretendentes ao título se enfrentaram na rodada derradeira.

Quem vai ganhar com tudo isso será o torcedor. Independentemente de ser flamenguista ou colorado, os olhos estarão voltados para este jogão de domingo que pode definir, apenas para um lado, o campeão brasileiro de 2020.

*Com colaboração de Augusto Zaupa