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OPINIÃO

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Toda a unanimidade é burra, e modismo de técnicos estrangeiros assusta

Vítor Pereira é o novo técnico do Corinthians - Reprodução/Shanghai SIPG
Vítor Pereira é o novo técnico do Corinthians Imagem: Reprodução/Shanghai SIPG

27/02/2022 04h00

Com Augusto Zaupa

Corinthians acerta a contração do técnico português Vítor Pereira. Botafogo está perto de fechar com o treinador Luís Castro. Santos anuncia acordo com o comandante argentino Fabián Bustos. Time tal também negocia com estrangeiro para dirigir elenco... Depois dos sucessos inegáveis de Jorge Jesus no Flamengo e de Abel Ferreira no Palmeiras as demais equipes dos país acreditam que copiar estar receita será sinônimo de sucesso? O que está rolando com o futebol brasileiro?

Atualmente, são oito treinadores gringos entre os 20 clubes que irão disputar a elite do Brasileirão deste ano: Vítor Pereira (Corinthians), António Mohamed (Atlético-MG), Abel Ferreira (Palmeiras), Paulo Sousa (Flamengo), Alexander Medina (Internacional), Juan Pablo Vojvoda (Fortaleza), Gustavo Morínigo (Coritiba) e Fabián Bustos (Santos). A lista ainda pode aumentar se o Botafogo acertar com Luís Castro.

Nada contra essa invasão. Pelo contrário, por eu ter trabalhado na Alemanha, no Japão e em Portugal, aprendi muito com essas experiências que tive com treinadores estrangeiros e reconheço tudo o que o Jorge Jesus e o Abel fizeram pelo futebol brasileiro e até da América do Sul. Porém, sou avesso aos modismos. Essa fixação de seguir o que os demais fazem é muito simplório, acaba mostrando falta de convicção, falta de pesquisa do mercado, falta de conhecimento genuíno.

"Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar", dizia o ex-jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues.

Isso acaba ludibriando o torcedor, passa a ideia que trazer um treinador estrangeiro é uma bela escolha, que será sucesso garantido. E na verdade sabemos que não é bem isso. O Flamengo fracassou recentemente com o espanhol Domènec Torrent — sucedeu o Mister —, o Santos não empolgou com o português Jesualdo Ferreira, assim como Athetico com António Oliveira e o Vasco com Ricardo Sá Pinto.

A história já nos expôs que há estrangeiros competentes e outros nem tanto, assim como os profissionais do futebol que são brasileiros. Às vezes, me soa que há uma engenharia dos dirigentes para ganhar tempo, um respiro, ou seja, trazem treinadores de fora para que a torcida não cobre tão afinco, pois virá o discurso: "precisamos dar tempo para que se adapte ao futebol brasileiro".

Em determinados casos, não há um planejamento, um estudo para saber qual a origem destes treinados gringos, o que ganhou no passado, se eles conhecem a realidade do nosso futebol e se identificam-se com as características do clube onde irão trabalhar. Então, não sabemos se estes dirigentes que negociam essas contratações realmente se preocupam com estes pontos, boa parte não tem conhecimento sobre futebol europeu, nunca viajou para conhecer internamente um clube de lá de fora.

Claro, estes cartolas surfam na onda também porque são situações favoráveis devido ao modismo. E a imprensa e a torcida estão de acordo, aceitam com mais facilidade as chegadas destes estrangeiros. Hoje não está tão difícil para um dirigente escolher um líder para o vestiário: se decidir por um treinador de fora, já vem com aceitação.

O que também me chama atenção é o fato de achar que um treinador estrangeiro já irá chegar dando um chacoalhão no elenco e que tudo mudará da noite para o dia. Não é bem assim. Talvez mexa com os brios de alguns jovens ou de outros que nunca jogaram fora. Porém, com os mais cascudos, que estiveram nas grandes ligas da Europa, isso não vai colar.

Em clubes grandes — como Corinthians, Flamengo, Palmeiras ou Atlético-MG —, não adianta vir qualquer técnico de fora, visto que estes atletas mais experientes conseguem enxergar o que pode dar certo e o que é somente uma invenção, que será apenas uma cortina de fumaça. Estes caras mais cascudos, percebem logo no segundo treino o que de fato será benéfico e o que é apenas um conto para fazer boi dormir. Nem tudo o que dá certo na Europa terá sucesso aqui no futebol brasileiro.

Para acrescentar, outro ponto que me faz refletir é o como os clubes brasileiros estão conseguindo bancar estes caras? Se eles são tão fora da curva, como conseguimos tirar eles da Europa com a nossa moeda tão desvalorizada perante ao euro? Isso é quase impossível. Se eles têm este mesmo valor lá fora, nenhum time brasileiro conseguira financiar a contração de profissionais que estão na primeira prateleira, como Jürgen Klopp, do Pep Guardiola ou do Carlo Ancelotti.

Claro que eles recebem em dólar ou em euros, com acordos estipulando variações das moedas (com travas que fixam o valor do real, independentemente da cotação). Mas eles recebiam lá na Europa próximo do que ganham aqui? Acredito que não, pois os seus vencimentos passam fácil da casa de R$ 1 milhão, R$ 1,5 milhão.

Mas e os treinadores brasileiros?

Sempre gosto de enaltecer os feitos do Jorge Jesus e principalmente do Abel Ferreira, pois não é nada fácil chegar num outro continente e logo de cara conquistar a principal competição, que é a Libertadores. Estes dois portugueses ganharam as últimas três edições desta competição. Assim como eles trouxerem novidades e aprimoraram técnicas aqui, no passado os nossos treinadores também fizeram isso e deixaram legados.

Estamos esquecendo da nossa origem. Este modismo se transforma em falta de respeito aos nossos profissionais. Estes estrangeiros não têm culpa alguma, óbvio. Mas precisamos refletir como estamos tratando isso.

Alex de Souza, ex-meia e atual treinador do sub-20 do São Paulo - Divulgação/SPFC - Divulgação/SPFC
Alex de Souza, ex-meia e atual treinador do sub-20 do São Paulo
Imagem: Divulgação/SPFC

Os problemas no nosso futebol já se arrastam há muito tempo. A gota d'água final, no entanto, talvez tenha sido a dolorida goleada sofrida pelo Brasil para a Alemanha por 7 a 1, na Copa do Mundo de 2014. Desde então, nada mais presta em relação aos trabalhos realizados pelas comissões técnicas brasileiras.

Vejamos, quem foi campeão brasileiro e da Copa do Brasil em 2021 com campanhas avassaladoras pelo Atlético-MG? Cuca, que já havia ganho o Brasileirão pelo Palmeiras anos antes. Assim como o Rogério Ceni alcançou, bem ou mal, este feito pelo Flamengo no ano anterior. E o Renato Gaúcho, último brasileiro a conquistar a Libertadores (Grêmio, em 2017) e que até há pouco tempo era aclamado para assumir a seleção no lugar de Tite após o Mundial do Qatar?

É impressionante como depreciam o esforço e energia depositado pelos treinadores, auxiliares e demais membros de comissões do país. Se fosse um estrangeiro que tivesse deixado o Galo, e não o Cuca, estaríamos falando até hoje o quando este gringo faz falta. Assim como ocorre ainda ocorre na relação Flamengo e Jorge Jesus.

Tenho inúmeros amigos comemorando que estão fazendo cursos para tirar licenças da CBF, mas não vejo a entidade máxima do futebol brasileiro tomar atitudes para proteger a classe. Torna-se complicadíssimo revelar novos nomes neste meio se não houver ações para fomentar esta classe.

Para termos uma ideia, há vários ex-jogadores iniciando jornadas em clubes pelo Brasil: o Alex está fazendo excelente trabalho no sub-20 do São Paulo e tem recebido ofertas para assumir times profissionais; no Rio de Janeiro, o Felipe está no Bangu, enquanto o Leandrão comanda o Boavista, além de outros casos. Mas não temos o costume de comentar sobre estas novidades, mas sim de nomes oriundos da Europa.