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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Por que o Brasil não faz jogos de despedida marcantes como os da Argentina?

Leonardo Ponzio em sua despedida do River Plate no Monumental de Núñez - Twitter CARP
Leonardo Ponzio em sua despedida do River Plate no Monumental de Núñez Imagem: Twitter CARP

Colunista do UOL

22/09/2022 09h41Atualizada em 23/09/2022 09h09

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O Monumental de Núñez explodiu ontem (21) à noite com a despedida de Leonardo Ponzio do River Plate. Capitão do ciclo mais vitorioso da história do clube, Ponzio, de 40 anos, parou a Argentina, que suspendeu seus passeios e seus eternos cafés para acompanhar as lágrimas do atleta em mais uma noite regada a emoções, dramas, festas e histórias de amor.

Para se ter ideia: o jogo começou às 21h, mas ainda no final da tarde a ESPN e a Star + já mostravam os shows que embalaram o evento de adeus ao "capitão eterno", como Ponzio foi chamado.

Houve, antes da partida propriamente dita, uma extensa programação com shows, vídeos e surpresas que já estão na história do futebol argentino.

As despedidas argentinas são sempre um prato cheio para as lágrimas e, claro, para os bons negócios. Basta se lembrar do adeus a Maradona, Palermo e Ariel Ortega, para ficarmos apenas e tão somente só em três nomes.

A diferença de postura para o Brasil e seus inúmeros craques é sim bastante sintomática. A Argentina está muito à frente em como pensar e executar uma despedida emocionante e lucrativa.

Já houve, sim, um avanço brasileiro com as partidas realizadas com Marcos, Rogério Ceni, Marcelinho Carioca e D'Alessandro, mas continua havendo uma enorme distância na maneira como cada país cultua seu ídolo e se despede dele.

O evento foi tão concorrido que até Nacho Fernández, em plena disputa do Brasileirão, deu um pulinho no Monumental para ser ovacionado outra vez e marcar presença na despedida do amigo.

A multidão esgotou os ingressos ainda no começo do mês. E eles eram bem salgados: 4.800 pesos (R$ 170), mais caros que a de um clássico normal. O Monumental recebeu cerca de 70 mil pessoas — algumas estimativas calculavam até mais gente.

As despedidas de Beto Alonso, Enzo Francescoli e Ariel Ortega com certeza levaram mais de 80 mil pessoas justamente por ser um evento festivo.

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Leonardo Ponzio é jogado para o alto em sua despedida do River
Imagem: Twitter CARP

Negócios paralelos

Quem esteve ontem em Núñez pôde, por exemplo, fazer tatuagens com o rosto de Ponzio. Quando Ortega se despediu, houve um livro de fotos que foi um grande sucesso de vendas. O mesmo com Fernando Cavenaghi e as roupas de sua grife, a FC9 - FC de Fernando Cavenaghi.

Cada ídolo na Argentina se despede de uma forma - e isso deixa o evento sempre especial. A Palermo deram as traves da Bombonera. A Ortega fizeram, por exemplo, um show especial do roqueiro Andrés Calamaro, seu amigo. A Maradona foi permitida a volta olímpica na Bombonera com suas duas filhas.

Despedidas como a de Cavenaghi, em 2017, ganharam até música própria, além de um filme satirizando a ocasião, com todo o know-how argentino em cinema, bandeiras, cartazes e outras coisas que fazem o torcedor interagir com o ídolo e com o clube.

Se no Brasil há a queixa de que os clubes não formam mais ídolos, que o êxodo recente impede a ligação jogador-clube-torcedor, na Argentina há exatamente o contrário.

Os jogadores deixam o clube, mas seguem identificados a eles de tal forma que sempre há uma chance para retornar ao time e à Argentina. Cavenaghi e seus três ciclos no River foram um excelente exemplo.

Na Argentina, vigora muito forte a mentalidade do jogador crescer e colocar para si a meta de ''fazer a partida de despedida no clube X, do qual é torcedor''.

Algo para poucos. Ponzio, cria do Newell's Old Boys, o leão eterno das batalhas épicas pelo River, foi merecidamente um deles.

'Mais carinho'

Em contato com a coluna, Renê Salviano, especialista em marketing esportivo, opinou sobre o tema:

"No Brasil, precisamos ter mais carinho com as histórias dos nossos atletas. Temos várias gerações de grandes personagens, considerados heróis por seus torcedores, que marcam a vida de milhares de pessoas", disse ele, que é CEO da agência Heatmap e ex-agente FIFA, com participação em transferências internacionais de atletas.

"Os feitos [desses ídolos] não devem ser apagados, e sim cravados dentro das instituições e propagadas para que os fãs reverenciam e guardem esses momentos por meio desses jogos históricos. Acredito que temos evoluído neste sentido, e os departamentos de marketing dos clubes estão mais atentos com esses movimentos."