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Até que demorou, mas a ATP finalmente vai transformar as duplas em gincana

Primeiro, a notícia: a ATP anunciou que vai testar um pacotão de regras diferentes para as duplas, começando no Masters 1000 de Madri. A intenção, segundo a entidade, é "melhorar o produto para fãs, tenistas e torneios". Antes de eu despejar minha raiva, vejam as novidades abaixo:

1) Simplistas x duplistas: a chave de 32 duplas terá lugares reservados para 16 times formados por jogadores que usarão seus rankings de simples. A intenção é clara: colocar simplistas para enfrentar duplistas.

2) Os jogos todos serão de terça a sábado, durante a segunda semana do torneio.

3) Menos tempo entre os pontos: quando os ralis tiverem menos de quatro golpes, os tenistas terão apenas 15 segundos de intervalo entre os pontos. Após ralis de quatro ou mais golpes, o shot clock terá os habituais 25 segundos.

4) Viradas de lado mais rápidas: o texto da ATP não é específico aqui e diz que apenas os tenistas sentarão menos para acelerar o ritmo de jogo. Antes do anúncio oficial, porém, especulava-se que não haveria intervalos durante todo o primeiro set. Aguardemos para ver como será na prática.

5) Movimento liberado: torcedores poderão se movimentar livremente na arena para "adicionar conveniência à experiência no local".

Agora, minhas opiniões. Vejo problemas graves em potencial em todos os quesitos.

1) Se o torneio de duplas será só na segunda semana, os simplistas que perderem nos primeiros dias continuarão na cidade para jogar a chave de duplas? Ou teremos uma cascata de desistências, abandonos e WOs? Hoje, no circuito, o mais comum é o atleta ir embora e buscar outra chave de simples para disputar na segunda semana de um Masters.

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2) Se todos os simplistas inscritos na chave de duplas sobreviverem e chegarem à segunda semana, será bastante difícil montar essa programação com jogos todos os dias, sabendo que a regra manda que todos joguem simples antes das duplas nos dias em que é preciso fazer duas partidas. Logo, há um risco de ver um punhado de jogos de duplas entrando pela madrugada espanhola. E isso não ajuda ninguém. Afasta os simplistas e o público.

3) Nas duplas, os companheiros sempre combinam o que fazer antes do início dos pontos. Logo, cortar o shot clock para 15 segundos significa fazer um atleta correr para encontrar o colega, acelerar esse processo de decisão e correr mais uma vez para se posicionar. E, depois disso, o sacador precisa executar sua rotina. Não é tão simples fazer isso tudo acontecer em 15 segundos. A não ser, é claro, que não haja conversa nem combinação, e vire jogo de clube em fim de semana. Há um sério risco de emburrecer e empobrecer a modalidade.

4) Tirar os intervalos nas viradas de lado é a melhor solução para encurtar o jogo? Tenho minhas dúvidas, mas isso nem é o mais relevante aqui. A grande questão que deveria ser feita pelos gênios da ATP é: desde quando encurtar o jogo ajuda a chamar simplistas para a modalidade? Anos atrás, a ATP implementou o no-ad e o match tie-break, e nem assim os simplistas passaram a jogar mais duplas. Parece bem claro que a exigência física do tênis atual afasta os melhores simplistas das duplas. Não vai ser uma economia de 15 minutos por set que vai mudar isso. E muito menos, vejam bem, sem poder sentar nos intervalos!!!

5) Aqui é onde a coisa realmente vira gincana. E não é que eu tenha algo contra a livre movimentação de torcedores. Em muitos estádios, sobretudo nas arquibancadas laterais, isso em nada atrapalha os atletas. Em torneios pequenos (ou até em quadras menores nos slams!), não há como controlar. Todo mundo anda por onde quer e quando quer. E tudo bem. Meu problema aqui é com o conceito da coisa. Ao liberar a movimentação de torcedores apenas nas duplas, o recado que é passado é o seguinte: nas simples, a gente leva a coisa a sério; nas duplas, libera a bagunça que está tudo bem. Gincana.

5.1) Outra possível consequência nefasta é a seguinte. Tenistas vão querer esperar para sacar quando algum torcedor estiver andando no fundo de quadra oposto. O que os árbitros devem fazer? Obrigá-los a sacar? Puni-los com violação de tempo? Ou esperar? E se o correto for esperar, de que adianta encurtar o shot clock? Uma mudança aqui pode acabar anulando a outra.

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A ATP diz que essas mudanças serão implementadas após uma "longa revisão e consulta com fãs, canais de TV e partes interessadas. O processo foi liderado por um grupo de trabalho dedicado às duplas, estabelecido em 2023, incluindo representantes dos jogadores e de torneios e estafe da ATP."

E com tanta gente envolvida, será que não houve uma pobre alma para levantar a mão numa reunião e dizer "vai dar m... " ? Eu teria dito "vai virar gincana".

Coisas que eu acho que acho:

- Aliny Calejon, a pessoa que eu conheço que mais acompanha o circuito de duplas, levanta outros pontos interessantes. Vela ler o fio que começa no tweet acima.

- Em nenhum momento, a ATP fala em aumentar o prize money das duplas. Não sei se é viável ou não, considerando que não são poucos os ATPs com problemas financeiros, mas fica óbvio que a visão da entidade não passa por usar premiações maiores para atrair simplistas.

- No Twitter, o ex-capitão brasileiro da Copa Davis Chico Costa argumenta que o ranking de duplas deveria ser extinto (leia no tweet abaixo).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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