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ReportagemEsporte

Fonseca: 'Meu sonho é ser #1 e ganhar um slam. Sei que posso chegar lá'

Foram três noites mágicas diante de cerca de seis mil pessoas na Quadra Guga Kuerten. Na primeira, mandou para casa o número 36 do mundo, Arthur Fils. Na segunda, eliminou Cristian Garín, campeão do Rio Open de 2020. Na terceira, em jogo válido pelas quartas de final do ATP 500 carioca, João Fonseca finalmente foi eliminado do torneio. Em todas, porém, o jovem de 17 anos encantou plateias como há muito um tenista brasileiro não fazia.

Disparou direitas e esquerdas indefensáveis. Sacou e voleou. Usou curtinhas tão precisas quanto mortais. Executou devoluções que seguidamente confundiam os rivais. Mostrou raça. Chamou o público. Saiu da bolha. Muitos descobriram João Fonseca nesta semana, na brilhante campanha registrada no Rio Open. O jovem que já ganhou uma Copa Davis e um US Open como juvenil agora conquistou o Brasil. Encantou fãs de tênis ao vivo e pela TV. Dentro e fora de seu país. No Jockey e nas redes sociais. Colocou-se como alguém empolgante a acompanhar pela próxima década - pelo menos.

Mas quem é Fonseca? Por que escolheu o tênis? Qual o segredo de sua precocidade? Como o Brasil, que costuma ver seus tenistas amadurecerem relativamente tarde, produziu um prodígio assim? O que o adolescente morador de Ipanema e torcedor do Flamengo tem de tão especial?

Esta entrevista mostra um pouco do Fonseca que poucos conhecem. Revela um jovem tão humilde e trabalhador quanto ambicioso. Que parece ter o treinador certo e as pessoas ideais ao seu redor. E que sonha, assim como Carlos Alcaraz e Jannik Sinner - outros jovens campeões de slam - ser número 1 do mundo e ganhar um dos maiores torneios do planeta. E fala isso sem uma gota de arrogância na boca.

Um jovem que estuda e ainda considera a possibilidade de se afastar temporariamente do tênis profissional para fazer faculdade e competir no circuito universitário nos Estados Unidos. Que analisa estatísticas, mas tem coragem de soltar o braço mesmo quando o jogo aperta. Que se diz pronto para um novo começo nesta segunda-feira, no ATP de Santiago, deixando a badalação no Rio e fazendo uso do wild card (convite) que recebeu dos organizadores. Leiam!

Como é que o tênis chegou para você?

O tênis chegou para mim com 4 anos. Era uma época em que eu saía da escola, ia direto para o treino do meu irmão [Léo, que tinha 9 anos] e ficava lá assistindo. Nos últimos cinco minutos, eu brincava um pouquinho e foi quando eu comecei a fazer aula de tênis. Foi mais brincando. Foi mais um esporte. Não achei que eu ia me apaixonar diretamente pelo esporte. Minha família sempre foi do esporte. Sempre fiz muitos esportes. Vôlei, futebol, tênis, eu escalava com meu pai, surfava com o meu irmão, então eu fazia muito esporte. Ainda tento fazer o máximo que eu posso, mas é mais perigoso e não tem muito tempo. Fui ficando cada vez mais no tênis e no futebol, vi que levava um pouco de jeito para os dois até que, com 10-11 anos, tive uma lesão muito pequena no futebol...

Você jogava em que posição?

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Eu jogava futsal e era lateral. E tive uma pequena lesão. Eu jogava com um pessoal um pouquinho mais velho do que eu, e fiquei um pouco assustado. Falei "vou continuar no tênis". Fui jogando cada vez mais torneios. Eu viajava com a minha mãe na época. A gente jogava torneios brasileiros, eu ganhei a Copa Gerdau [um dos torneios juvenis mais importantes do país, junto com o Banana Bowl] com 11 anos, mas nada do tipo "o João vai ser profissional." Nada.

Isso tudo no Country [Rio de Janeiro Country Club, em Ipanema]?

Isso tudo foi no Country. Sempre treinei no Country. Até os 12, eu treinava no Country e no [Juan Pablo] Etchecoin. Estava com o Juan. Quando o Guilherme [Teixeira, seu atual técnico] foi para o Country, o Bruno Bonjean, que era diretor do clube, chamou o Guilherme e o [ex-profissional] Fabiano de Paula para o Country. Foi quando eu conheci o Guilherme. Comecei a treinar com ele - eu tinha um carinho grande pelo Juan e estava indeciso sobre o que fazer. Foi quando eu decidi ficar com o Guilherme. Foi uma decisão difícil. Eu era muito novo ainda, então meio que minha família decidiu um pouco mais por mim. E fomos seguindo. No começo, era mais difícil viajar com o Guilherme porque ele também dava aula social no Country. Eu viajava com o sócio dele, que é o Victor Sakamoto. E cada vez mais foram surgindo resultados meus, as coisas foram expandindo, eu fui viajando cada vez mais com o Guilherme, e aí surgiu a oportunidade de o Guilherme criar um complexo, que é a Yes Tennis, ali no Itanhangá, no começo da Barra. E as coisas ficaram cada vez mais profissionais. Comecei a treinar todo dia, dois turnos, mudei de escola. Mudei duas vezes. Fui para uma escola brasileira online, depois para uma escola americana online e, bom, as coisas foram surgindo muito rápido na minha vida.

Quando foi a primeira vez que você pensou "eu posso ser muito bom nesse negócio aqui"?

Eu acho que para ser muito bom... Quando eu ganhei minhas primeiras rodadas de Challenger, deu um clique assim...

Só agora, em 2022?

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Assim... eu fazia bons resultados, mas não sabia se... Profissional é outra coisa. Comecei a ganhar de jogadores 200-300 do mundo, e isso foi dando um clique. "Cara, sou tão novo, essas coisas não acontecem." "É um dom?" "O que eu faço de diferente?" Eu fui cada vez mais trabalhando, e as coisas foram surgindo cada vez mais rápido. Então foram dando cliques na minha cabeça. "Eu consigo" ou "está longe, mas a gente consegue chegar".

E quando você decidiu ser profissional, como foi a conversa com seus pais?

Meus pais sempre foram muito abertos comigo. A gente decidiu o negócio da universidade em outubro do ano passado, juntos. "É uma opção, você não precisa ir." Eles me incentivaram muito, e gostei muito disso. Eles não falaram como... A maioria dos pais dos atletas que fazem esse tipo de resultado falam "vamos, você vai ser profissional, vai ganhar dinheiro, vai ser número 1 do mundo" e tal. Os meus tiveram os pés no chão, falaram "deixa essa opção, não sabemos o que vai acontecer. Se você for 100 do mundo, vai para o profissional. Ganha esse dinheiro. Você está focado. Você tem futuro, mas tem os pés no chão para ter as portas abertas e jogar com tranquilidade, com uma segunda opção." E eu acho isso muito legal. Não só eles terem feito isso para mim, mas inspirar outros jovens e pais a fazerem isso também. Universidade é uma opção. Já vi um gráfico que mostra que a maioria dos atletas que chegam no top 100 chegam com 26-27 anos. Então tem tempo ainda de você ir para a universidade.

Eu sempre te pergunto sobre universidade, mas onde você estuda hoje?

Eu estudo online,. Eu me formo agora no meio deste ano. Entrei nela no começo do ano passado.

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Nesse processo todo de começar a entender o quão bom você é, você já tem sonhos ambiciosos? Você já tem isso na cabeça?

Em todas as entrevistas que já falei, meu sonho sempre vai ser ser número 1 e ganhar Wimbledon, principalmente, mas ganhar um slam. Sei que eu posso chegar lá. É questão de trabalho e dedicação. Sei que o caminho é muito longo. Muito longo mesmo. E é com os pés no chão que os sonhos se tornam realidade. Se você não acreditar em você mesmo, quem vai acreditar?

Quando você não está no tênis: TV, cinema, livro, música, game... O que você faz, gosta, admira, etc?

Antigamente, eu era muito de séries, mas eu não sou muito fã de televisão. Gosto bastante de jogar videogame com os amigos, sair para jantar ou ir para a casa de algum amigo meu, pra sair um pouco do mundo do tênis, falar sobre outras coisas...

Que games você joga?

Eu jogo FIFA, jogava Fortnite até algum tempo... Mais esses dois. Mas e bom ter esse tipo de coisas para sair um pouco do mundo do tênis, sabe? Ter uma vida mais de adolescente meio que normal, sabe? Acho muito importante essa coisa para mim, e acho que eu levo muito bem essa vida social também.

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Quando você sai com os amigos, vai aonde?

Vou para a casa deles ou para uma festa, mas não tenho nem mais tempo para fazer isso, então vou mais para as casas deles, jogo um poker, como uma pizza, algo assim?

Poker? O que você joga?

Texas Hold'em.

Ótimas escolhas. Mudando de assunto, você tem na equipe a Diana Gabanyi, que foi assessora de imprensa do Guga, é chefe de comunicação do Rio Open e provavelmente é a pessoa do meio para ter como assessora no Brasil. De quem foi a ideia de chamar a Diana para o seu time, e o que você mais aprende com ela?

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Vindo para cá com a minha mãe, uma das coisas que a gente falou é que a Diana foi uma escolha quase que perfeita. Ela é sensacional. A indicação veio da Márcia Casz (diretora da IMM, organizadora do Rio Open) junto com a gente vendo a Diana nesse meio dos brasileiros, não só com o Guga, mas com a Bia [Haddad] também. A gente viu a oportunidade, falou "a Diana é a pessoa certa, está no meio, conhece as pessoas certas, conhece muitas pessoas, não só no Brasil mas falam bem dela fora também." Foi a escolha perfeita.

Como são as conversas de vocês? Vocês falam antes de você dar uma entrevista? Ela te avisa que o jornalista X pode te perguntar isso ou aquilo? Ou você pergunta primeiro pra ela?

A Diana meio que tenta me proteger um pouco do assédio das entrevistas e coisas assim. A gente tem conversas online - mais online porque ela não mora aqui no Rio - e a gente faz entrevistas. Ela faz perguntas para mim, me ajuda um pouco a responder e eu acho isso muito bom. Eu acho que melhorei muito em entrevistas. Eu era muito tímido falando. Não conseguia me comunicar, me expressar direito. Foi uma coisa que eu melhorei muito não só na prática, mas também conversando com ela.

Eu também tenho muita curiosidade pra saber como seus pais veem sua evolução no tênis. Como são suas conversas? Por exemplo: você ganhou o primeiro jogo aqui; quando você chega em casa, sobre o que vocês conversam?

Meu pai fica... Ele chega para mim muito feliz e fala "vamos pra mais, a gente acredita, você tem jogo, vamos pra mais." Minha mãe já é mais... Ela quer me dar muito abraço. "Parabéns, foi sensacional hoje." E quer me dar abraço. Jeito de mãe. Mas assim... No primeiro jogo, eu cheguei em casa e jantei com eles. Eles estavam muito felizes, talvez até mais do que eu. Mas é muito legal que eles acreditam que dá para ir mais. Eles sabiam que era um jogo muito difícil [contra o francês Arthur Fils, número 36 do mundo], mas sabiam que dava, então eles foram acreditando e vivendo o sonho junto comigo.

E quando você perde?

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Ontem [após a derrota para Mariano Navone nas quartas de final do Rio Open], pelo menos, foi "pô, filho, que semana incrível!" "Não fica assim, não. Estamos felizes pra caramba por você, muito orgulhosos." E "vamos seguir em frente, esta semana você fez feitos históricos" e tal, mas sempre tentando me dar suporte e um carinho de acolhimento. E eu acho isso muito legal dos meus pais, mas dos meus irmãos também.

Sua mãe te abraça mais quando você ganha ou perde?

Acho que mais quando eu ganho. Acho que... os dois.

Ou você que não gosta que fique te abraçando?

Eu não gosto muito que fique me abraçando (risos). Pô, tô na minha cama, do meu jeito, e ela "ah, filho, vem me dar um abraço". E eu "ah, mãe, poxa!"

Mudando um pouco de assunto, me fala um pouco mais do Guilherme, seu técnico. Ele não é midiático, não faz autopropaganda, não é um cara de redes sociais...

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O Guilherme é um cara muito leve! Ele é um segundo pai para mim. Ele me ensinou muita coisa desde novo. E uma das coisas foi maturidade, sabe? Aprender que as pequenas coisas valem muito. São muito importantes não só para um tenista mas na vida da pessoa, em qualquer coisa que você faça. O Guilherme não tem Instagram, é um cara muito na dele. Ele acredita que você fazendo as coisas do jeito certo, você pode chegar aonde você quiser. Eu admiro muito isso nele. Foi uma tacada que eu e meus pais, e o Bruno Bonjean - agradeço muito ao Bruno Bonjean pela oportunidade - que foi perfeita. Eu tenho uma conexão com ele que e essencial para atleta e treinador. Obviamente, a gente tem brigas. É normal. É meio que um casamento. Tem brigas. Eu convivo mais com ele do que com meus pais quase. Mas a gente consegue sempre ter uma conversa e, no dia seguinte, a gente está normal.

Dá um exemplo de "pequena coisa" que fez diferença.

Por exemplo, o Instagram. Sair um pouco, viver só no agora. Não viver muito na opinião alheia. Ficar só na suas rotinas, focado. Internet, atualmente, é um bagulho, um negócio muito perigoso. A pessoa fica falando muito bem e, do nada, fala muito mal de você, então tem que ter muito cuidado com esse tipo de coisa. E ele fala desses pequenos detalhes. E isso aí é só um exemplo do que ele fala.

Como é um pré-jogo de vocês? Vocês veem vídeo, estatísticas, algo assim?

O Guilherme, atualmente, está muito focado nas estatísticas. Ele tem uma pessoa que manda estatísticas para ele, e ele analisa tudo Fica horas vendo tudo, adora ver jogo meu. Jogos difíceis, duros, que eu perco ou que eu faço alguma coisa boa, um jogo difícil que eu preciso me manter no jogo... A gente assiste junto. Nossa, eu fico muito bravo quando revejo jogo que eu perco! (risos) Odeio me ver. Fico bravo comigo mesmo, mas eu sei que é importante. E as rotinas, no dia a dia, a gente trabalha normal. Antes de jogo, tem a parte com o meu fisioterapeuta, a gente conversa, tem a hora da brincadeira, meu preparador físico tem a hora dele, e antes do jogo eu converso com ele sobre a parte não só técnica, mas mental também. De manter no jogo, ter uma postura boa, ficar firme mentalmente e acreditar!

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Uma coisa que você incorporou no seu jogo foi uma devolução mais de dentro da quadra, inclusive algumas vezes você dá ma pequena corrida pra entrar na quadra enquanto o adversário está no movimento de saque. De quem foi a ideia de agregar isso ao seu tênis?

Isso foi engraçado porque o Guilherme fala assim "isso é uma coisa tua. Você vê no meio do jogo uma forme de surpreender o cara. Você devolve bem da frente e está melhorando a devolver de trás, então..." No saibro, normalmente as pessoas devolvem de trás, mas esta semana eu estava devolvendo muito bem da frente, e estava incomodando um pouco eles, estavam forçando mais o saque. O Navone se manteve muito bem. É uma coisa minha. Eu vou para a bola, é uma característica minha de ter coragem e ir lá fazer o que tem que ser feito. Achar opções para ganhar o jogo.

Quem que você gosta ou gostava de ver jogando?

Eu, quando era menor, usava todas as camisas possíveis do Federer. Eu era muito fãzaço dele. Minha família sempre foi. Minha mãe é fanática por ele. Eu não era muito de assistir jogo. Por exemplo, a final de Wimbledon entre Federer e Djokovic eu não assisti. Eu não gostava de assistir tênis.

Aquela final de 2019, que terminou no tie-break?

Sim. Eu me arrependo muito, mas eu não gostava muito de ver tênis. Atualmente, eu assisto a muitos jogos. Um cara que eu gosto muito de ver atualmente é o Sinner. Gosto muito do jogo dele. Um jogo agressivo, ele vai para a bola também, é corajoso. Gosto de ver o Carlos [Alcaraz] também. Gosto de ver esses jovens que, apesar de toda pressão, conseguem manter a mentalidade. A força mental que eles têm para reagir como esses grandes e experientes como o Djokovic, pessoas que estão há mais tempo no tour, para ganhar esse tipo de jogo. É muito difícil isso. Então quero ver o que eles fazem de diferente. E essas oportunidades que eu tenho de ir para o ATP Finals e acompanhar eles, eu acho muito importante não só para mim, mas para o meu treinador também. Ver essas pequenas coisas - que o meu treinador me fala - de perto. As rotinas, como eles se preparam, a alimentação, o pós-jogo, o pré-jogo, como eles estão mais tensos... Acho muito legal observar essas caras de perto.

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Pra terminar: você já conseguiu absorver tudo que aconteceu na semana? Está pronto para Santiago? [Fonseca recebeu um convite para disputar a chave principal do ATP 250 de Santiago]

Eu fiquei sabendo de Santiago ontem, logo depois do jogo [noite de sexta-feira, após ser eliminado do Rio Open]. Tive uma conversa com meu preparador físico, meu fisioterapeuta e meu treinador nesta mesa aqui. A gente conversou sobre Santiago, falou que era mais uma oportunidade e que - de novo para o assunto sobre o mental. Depois de uma semana tão grandiosa como esta, recomeçar tudo e ir para uma nova semana. A gente até conversou que parece que durou um mês esta semana aqui. E foram só cinco dias. Tênis é isso. Tem semanas que meio que a vida muda um pouco. Todo calendário muda. Tudo muda. Então é recomeçar, seguir com os pés no chão, humilde e jogando tênis feliz, treinando que eu posso estar nesse meio. Estou jogando um bom tênis. É seguir firme que as coisas e os resultados vêm.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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