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ReportagemEsporte

Entrevista: Magnus Norman só reviu final com Guga mais de 20 anos depois

Das três finais vencidas por Gustavo Kuerten em Roland Garros, apenas uma teve elementos dramáticos. Em 2000, Magnus Norman, que havia superado o brasileiro na final do Masters de Roma, um mês antes, deu trabalho. Guga venceu os dois primeiros sets com facilidade, mas o sueco, que fazia sua primeira final de slam, reagiu, venceu a terceira parcial e salvou dez match points antes de sucumbir em um insano tie-break no quarto set. O catarinense conquistou seu bicampeonato por 6/2, 6/2, 2/6 e 7/6(6), e o escandinavo, que foi número 2 do mundo e um dos maiores rivais de Guga como jogador, só conquistou Roland Garros 15 anos depois, como técnico de Stan Wawrinka.

Norman esteve no Rio Open acompanhando Stan, e aproveitei para bater um papo com o técnico sueco. Conversamos sobre sua transição para a nova função e seu sucesso na beira da quadra (ganhou três slams com Wawrinka, fez outras duas finais de Roland Garros com Robin Soderling e viu Thomas Johansson conquistar uma medalha olímpica de prata nas duplas em Pequim 2008). E sim, falamos sobre aquela final de Roland Garros, que Norman só reviu mais de 20 anos depois e deixa um gosto amargo até hoje. Também falamos sobre a lesão no quadril que acelerou o fim da carreira de Norman assim como fez com seu rival brasileiro. Leiam!

Você se afastou do tênis por um tempo depois de parar de jogar...

Sim. Dois anos, mais ou menos.

E voltou por quê? O que te atraiu mais para a vida de técnico?

Acho que foi coincidência porque Thomas Johansson, ex-jogador e meu amigo, me procurou para viajar com ele durante uma semana. Acho que foi Memphis, que era um torneio indoor em fevereiro. Eu tinha um emprego normal, estava estudando. Não fazia nada com tênis, então...

Quem emprego você tinha?

Eu trabalhava com marketing em um fundo de investimentos. Marketing financeiro. Mas quando eu viajei com ele, comecei imediatamente a sentir falta do esporte, o tênis, a vida no esporte. Imediatamente, eu pensei "Isto sou eu, esta é a minha vida." Porque eu estava feliz, mas não sabia o quanto eu sentia falta do tênis, do esporte, sabe? Até voltar.

Você tem um currículo e tanto como técnico. Uma medalha olímpica com Thomas Johansson, duas finais de Roland Garros com Robin Soderling - derrotando Nadal em um ano (2009) e Federer no outro (2010)...

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Sim (risos).

E com Stan, nem preciso dizer [campeão do Australian Open em 2014, de Roland Garros em 2015 e do US Open em 2016]. Qual é o segredo para ganhar tanto com jogadores diferentes?

Eu tive muita sorte com Robin s Stan. São jogadores incríveis. Com certeza, eu fiz algo certo com eles, mas Robin era extremamente talentoso e não estava desempenhando seu melhor nos slams. Então trabalhamos muito o seu lado mental. Com Stan, foi um pouco parecido. Ele estava jogando bem, mas não estava vencendo as partidas duras que estava fazendo. Com Djokovic, jogava cinco sets e perdia. Roger também, um par de vezes, e perdia. Então tentamos fazê-lo acreditar que ele era capaz não só de jogar bem, mas vencer aquelas partidas grandes. Mas repito: é muita sorte poder trabalhar com jogadores inacreditáveis como Robin e Stan nos últimos dez anos.

Houve um divisor de águas com o Stan? Muitos dizem que foi aquela derrota para Djokovic no Australian Open de 2013. Que essa partida foi quando ele começou a acreditar.

Sim, acho que essa é a partida em que muitas pessoas começaram a ver seu nome e seu tênis, sabe? Para mim, depois que começamos a trabalhar, a virada veio em Madri/2013. Primeiro, ele fez uma final em Estoril, na primeira semana em que trabalhamos juntos. Na segunda semana, em Madri, ele derrotou Tsonga, Berdych e fez a final, perdendo só para Rafa. Para mim, ali foi meio o divisor de águas. Nas semanas seguintes, ele também jogou muito bem em Roland Garros. Para mim, foi ali que as coisas começaram a acontecer a nosso favor. Ele começou a vencer, ganhar confiança e jogar muito bem.

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No geral, o que você gosta mais na função de técnico?

De ajudar outra pessoa.

Isso soa tão simples! E generoso!

É, mas é uma bela sensação. Algumas pessoas gostam de ajudar os outros. Gostam de dar em vez de receber. Eu gosto de ajudar os outros, de ajudar os meus jogadores, e também gosto de todo o processo, de quando se trabalha duro, sabe? Você se prepara para algo, trabalha muito em algo, e quando chega a partida, vêm os nervos, e ou você vence e todos ficam felizes ou você perde e tem que voltar a trabalhar. Gosto desses altos e baixos da vida, quando você ganha ou perde. Para mim, é simplesmente fantástico ajudar outra pessoa.

E qual é a parte mais difícil do seu trabalho?

Para mim, como pessoa, o mais difícil é ficar longe das minhas filhas por tanto tempo.

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Quantos filhos você tem?

Dois. Duas meninas. Elas têm 13 agora. Fica mais e mais complicado, e acho que essa é a parte dura. Elas tinham só 2 anos quando comecei a trabalhar com Stan, e elas passam tanto tempo com ele que Stan é quase parte da família quando conversamos. "Como está o Stan?" ou "Por que o Stan está perdendo?" ou "Quando você vai ajudar o Stan de novo?", então é quase como se Stan fosse parte da família. mas é difícil ficar longe por tanto tempo.

Você e Stan estão juntos pela terceira vez agora, não?

Sim, Sim.

Obviamente, é um momento diferente da carreira dele. Qual é o objetivo de vocês agora?

É tê-lo em boa forma tenisticamente, fisicamente e mentalmente para jogar o melhor tênis que ele é capar de jogar e competir com os melhores do mundo, desafiar os jovens em ascensão, tentar "roubar" a atenção um pouco. Não acho que seja realista pensar em top 10 ou top 15 agora, mas talvez fazer partidas duras com os melhores jogadores. Seria incrível conquistar mais um título de ATP. Seria mesmo incrível, mas não é sempre que você consegue encerrar sua carreira como Stan está fazendo agora: jogando tênis sem lesões. Seria um belo fim para sua carreira apenas jogar bem e se aposentar quando ele quiser, sabe? Quando ele disser "Este vai seu meu último torneio" ou "Esta vai ser minha última temporada". Isto seria fantástico.

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Vou lhe perguntar algo que Stan não quis dizer na coletiva de ontem (risos).

Sim, sim (Norman devolve um sorriso).

Perguntei se caso sua filha quisesse jogar tênis, se Stan ensinaria ela a fazer o backhand com uma ou duas mãos. Suas filhas jogam tênis?

Uma delas joga tênis (sorri). Ela está jogando com as duas mãos por enquanto. Se ela quiser jogar com uma mão, ela vai jogar com uma mão. Eu não tenho preferência. Hoje, não temos mais um top 10 que faça o backhand com uma só mão. O backhand de duas mãos está dominando cada vez mais. poder treinar alguém com o backhand como o do Stan... não sei se vou conseguir treinar outra pessoa depois disso porque... [Norman arregala os olhos mostrando admiração]... Às vezes, eu vejo e, mesmo agora, depois de dez anos juntos, ainda considero um privilégio ver aquele backhand.

Você tem um momento preferido de sua carreira como técnico?

Sim. A primeira vez que o Stan se classificou para o ATP Finals. Estávamos no Masters de Paris, e ele estava nervoso, querendo se classificar para Londres. Ele ganhou algumas partidas lá e, à noite, acho que alguém perdeu, e ainda estávamos no hotel. Aquele resultado classificou ele para Londres. E eu lembro que fui ao quarto dele, nos abraçamos. Estávamos sozinhos, foi um belo sentimento. Foi em 2013.

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Foi seu momento mais feliz no tênis - incluindo como jogador?

Esse episódio é o que eu lembro mais. Meu momento mais feliz foi talvez quando ele ganhou Roland Garros. Depois de perder a final como jogador [Norman perdeu a final de 2000 para Gustavo Kuerten], perder duas vezes com Robin [Soderling perdeu a final de 2009 para Federer e a de 2010 para Nadal], conseguir voltar e vencer com Stan foi algo incrível. Algo que eu nunca pensei que ele conseguiria fazer. Derrotando Djokovic naquele dia, jogando um tênis inacreditável. Foi o meu momento mais feliz, eu diria.

Eu não posso encerrar esta entrevista sem perguntar algo sobre Guga - acho que você já estava esperando...

Sim, sim (risos).

Qual a lembrança mais forte que você tem da rivalidade de vocês?

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Estar no vestiário depois de perder a final em Paris, e ele estava comemorando do lado de fora com sua torcida brasileira. Eu ouvi a comemoração. Foi meu momento mais difícil. Mas fiquei feliz por ele. Temos a mesma idade, crescemos juntos, fomos a Challengers juntos - lembro de uma vez na Itália com ele e Larri - e jogar uma final de Grand Slam foi inacreditável.

E aquele quarto set foi insano [Guga venceu a partida por 3 sets a 1, com parciais de 6/2, 6/3, 2/6 e 7/6(6), depois que Norman salvou dez match points]...

Foi insano, sim. Tantos match points... Eu não revi aquela partida até dois anos atrás, pela primeira vez. Não sei, ainda machucava um pouco, eu acho. Conseguir ver aquele quarto set foi bom, de um certo modo. Poder ver uma vez e pronto.

É sempre meio injusto falar desse jeito ou fazer esse tipo de pergunta, mas o que teria acontecido se você tivesse vencido o quarto set?

Sim. Pensei nisso muitas vezes, de verdade. Nunca se sabe. Ele tinha jogado cinco sets contra Juan Carlos Ferrero [na semifinal], e eu tinha jogado só três sets. Fisicamente, eu estava muito bem, mas nunca se sabe. Guga era fisicamente muito forte e conseguia fazer winners de backhand e forehand, então nunca se sabe o que teria acontecido no quinto set, mas eu estaria mentindo se dissesse que não pensei nisso. Pensei muito. Muitas vezes. Mudaria minha vida ser um campeão de slam, talvez número 1 do mundo. É claro que machucou.

Já que estamos falando de Guga, acho que você foi o primeiro tenista a ter uma lesão no quadril daquele tipo.

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Sim, sim. E alguns jogadores tiveram a mesma lesão depois.

Hoje a gente tem jogadores como Andy Murray competindo após uma lesão grave. A sua época foi a pior possível para ter aquele tipo de lesão...

Concordo. Nós fomos a primeira geração de jogadores que fazia uma grande rotação de quadril. Estou falando só por mim agora, mas o meu corpo não estava preparado para aquele tipo de impacto, não havia esse tipo de treinamento físico ou de prevenção de lesão que os caras de hoje fazem. Isso não existia naquela época. Nós fomos a primeira geração que fazia isso [mostra o movimento de corpo e o quadril direito absorvendo o peso do corpo], e o peso caía sempre aqui [aponta para o quadril]. Não acho que estávamos preparados para isso. Mas sim, foi duro para nós dois, com certeza.

Tivemos um Brasil x Suécia pela Copa Davis algumas semanas atrás, e eu me lembro de conversar com amigos jornalistas e perguntar algo do tipo "como é que somos favoritos contra um país que teve Borg, Wilander, você, Soderling, Enqvist, Johansson..."

E Edberg, Johansson, Enqvist, Larsson, Tillstrom, Gustafsson, Pernfors, Jarryd... (risos de ambos). Sim. É duro para todos que seguem o tênis sueco, mas acho que ficamos um pouco preguiçosos. Muitos países diferentes estavam trabalhando mais duro, e subestimamos isso. "Ah, vamos produzir jogadores, e isso vai continuar para sempre." Mas tudo parou, e ficamos correndo atrás. Agora, nos últimos dez anos, estamos vendo alguns talentos surgindo novamente. Ganhamos o Europeu de 16 anos feminino, podemos ter alguns bons jogadores de slam no juvenil. Está começando a voltar. As pessoas estão trabalhando mais duro. Mas houve uma queda grande, acho que chegamos ao fundo do poço e estamos no caminho certo novamente.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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