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O melhor do título na Austrália é o destaque merecido a Rafael Matos

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

02/02/2023 04h00

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Sexta-feira, 17h, e pipoca no celular uma mensagem de texto de um colega jornalista: "Dado o histórico recente do tênis masculino do Brasil, uma dúvida importante: Rafa Matos é alguém por quem vale torcer?"

É uma pergunta que cabe mais do que nunca em um meio que inclui gente banida do esporte por manipulação de resultado, quase uma dúzia punida por doping, um denunciado pelo Ministério Público por violência doméstica e até voyeur de vandalismo — sem contar o pessoal daquele grupo de WhatsApp de ilustres, onde se pede golpe militar, entre outras medidas antidemocráticas.

Mas eu divago. Minha resposta? "Muito!" Rafael Matos, gaúcho de 27 anos, nascido em Porto Alegre, faz parte de uma bela minoria no meio do tênis brasileiro. Bom garoto, de ótimo caráter, cumprimenta todos que conhece. Nunca vi de cara amarrada, sem querer falar com ninguém, mesmo depois de derrotas. E, no caso específico do autor deste texto, Matos ainda tem a vantagem de não tratar jornalistas como adversários.

Dito isso, não é só o caráter de Matos que faz dele um acima da média no esporte. Rafa tem uma inteligência tática que a maioria dos jogadores não tem. Ainda que não possua um saque devastador ou um golpe destruidor do fundo de quadra, o gaúcho tem um tênis completo. Sabe o que fazer do fundo de quadra tanto quanto junto à rede.

Além disso, Matos tem uma qualidade rara: um ótimo processo de construção de pontos. O que isso significa? Trocando em miúdos, Rafa sempre escolhe bem o que fazer com a bola para dificultar a vida do adversário, e isso fica ainda mais fácil de notar nas duplas do que nas simples. Quando não tem à disposição uma bola de alta porcentagem para matar o ponto, na grande maioria das vezes Rafa dificulta o próximo golpe do oponente para, talvez, definir na bola seguinte. Algo que um certo homônimo espanhol faz à perfeição.

Um exemplo simples? Vejam o ponto acima. Rafa identifica que a troca no fundo lhe favorece e insiste no rali com Mirza, tentando bolas fundas e altas e fazendo a indiana se mover. Sania muda o ponto com um lob e consegue deslocar o brasileiro. Em dificuldade, Matos faz o que pode. Joga uma bola com spin que cai ali pertinho da rede, dificultando o voleio de Bopanna, que não consegue matar o ponto. O gaúcho, então, volta a trocar bolas com a indiana até que acha um bom momento para tentar a paralela. E quando arriscou, fez com boa margem de segurança e potência suficiente para evitar que Bopanna chegasse inteiro na bola e voleasse com facilidade. O indiano alcança a bola, mas erra o golpe. Um ponto perfeito que vale uma quebra de saque importantíssima no segundo set da final.

Possivelmente, a consequência mais bacana do título brasileiro no Australian Open será essa "descoberta" de Matos pelo fã de tênis. Luisa Stefani é bem conhecida desde os Jogos de Tóquio. Todos sabem do seu talento e da sua capacidade. A paulista já é uma das melhores do mundo e só não tem um ranking para "comprovar" isso por causa da lesão no joelho que lhe tirou de ação por um ano.

Não é o caso de Matos. Apesar de ser duplista número 1 do Brasil, #27 do ranking mundial e dono de seis títulos de nível ATP, o gaúcho ainda é (ou era?) um relativo desconhecido fora do nicho dos clubes de tênis do país — e a ATP, que "esconde" as duplas, tem sua parcela de culpa por isso.

Felizmente, o Brasil terá uma chance boa para vê-lo em ação em breve. Nesta fim de semana, por aquela competição-sem-pai-nem-mãe-que-ainda-se-chama-Copa-Davis (aquela mesma que Piqué comprou e largou depois de tomar um prejuízo monstruoso), o time de Matos, Thiago Monteiro, Felipe Meligeni, Matheus Pucinelli e Gustavo Heide, vai enfrentar a China em Florianópolis. O duelo vale pelo Grupo Mundial I, que é uma espécie de segunda divisão da Davis, e o Brasil é favoritíssimo, até porque a China não terá nenhum top 500 (nem em simples nem em duplas) no time.

Ainda que seja fácil, vale ver Matos em quadra nas duplas. Vale prestar atenção nas suas escolhas dentro de quadra, no seu processo de construção de pontos e até na energia boa e leve que o gaúcho passa a seu parceiro — não por acaso, ele e Luisa, outra carregada de bons fluidos, casaram tão bem em quadra. O confronto tem transmissão do SporTV3.

Coisas que eu acho que acho:

- Será a terceira partida de Matos pelo Brasil. Em sua estreia, em 2021, jogou ao lado de Demoliner na vitória sobre a fraca equipe do Líbano. No ano passado, junto a Felipe Meligeni, superou a forte parceria dos portugueses Nuno Borges e Francisco Cabral. Foi o único ponto brasileiro naquele confronto.

- Antes, em março, o capitão Jaime Oncins deixou Matos fora do time e escalou Bruno Soares e Felipe Meligeni contra a Alemanha. Krawietz e Puetz venceram o jogo de duplas, praticamente decidindo o duelo a favor do time germânico. Foi aquele momento do emoji postado por Daniel Melo. Marcelo, o irmão de Daniel, estava convocado, mas não saiu do banco.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: Think About the Way (Ice MC) - não ousem perguntar por quê.

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