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Fora de Indian Wells, Djokovic e seu egoísmo sofrem novo baque revelador

Reuters
Imagem: Reuters

Colunista do UOL

10/03/2022 04h00

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Menos de um mês atrás, em uma entrevista para a BBC, Novak Djokovic se colocou na posição de mártir, dizendo estar disposto a não competir e pagar o preço pela escolha de não se vacinar. Isso significaria não entrar em países que exigem passaporte vacinal e ficar fora de torneios como, por exemplo, Indian Wells, Miami e Roland Garros (hoje a França já mudou suas regras, o que permitirá ao número 2 do mundo defender seu título no saibro de Paris).

Djokovic nunca se afirmou antivax, embora não tenha especificado os porquês de não ter se vacinado durante uma pandemia, onde o coletivo deveria vir acima do individual. Por outro lado, declarou, com todas letras, que "tomar decisões sobre meu corpo são mais importantes do que qualquer título ou qualquer outra coisa." Na prática, o que o tenista sérvio faz, no entanto, não vai 100% ao encontro de seu discurso.

O último episódio a desfazer a máscara de mártir e altruísta aconteceu esta semana, no Masters 1000 de Indian Wells. Inscrito automaticamente (entenda abaixo) no torneio, Djokovic resolveu esperar até a última hora na esperança de conseguir entrar nos Estados Unidos. E justamente por não ter retirado seu nome da lista até terça-feira, a organização teve de sortear a chave com Nole como cabeça de chave. O torneio ainda soltou um comunicado pouco específico, dizendo "estamos em comunicação com seu time; entretanto, não foi determinado se ele participará do evento conseguindo uma aprovação do CDC para entrar no país."

Não se sabe (ainda?) se Djokovic pediu uma autorização especial ao CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, autoridade máxima dos EUA) ou se apenas entrou em contato com o órgão buscando esclarecimento, mas o fato é que o torneio foi forçado a sortear a chave com o nome do sérvio, o que causou um punhado de situações indesejadas para muita gente. Até que nesta quinta, um dia depois do sorteio, Djokovic finalmente afirmou que não estará nem em Indian Wells nem no Miami Open.

As consequências disso? Primeiro, uma chave que ficou desequilibrada, com cabeças de chave fora de onde deveriam estar. Stefanos Tsitsipas, por exemplo, entrou como cabeça 5 (em vez de 4) e pode encarar Medvedev já nas oitavas de final, algo que nunca aconteceria. Além disso, Grigor Dimitrov entrou como cabeça 33, ocupando o lugar de Djokovic na chave. O búlgaro teria sido cabeça 32 e cairia em um lugar não tão nobre no quadro, podendo encarar um dos oito primeiros cabeças já na terceira rodada. Agora, Dimitrov só poderá enfrentar um dos oito cabeças principais se chegar às quartas de final. O que mais? O português João Sousa, que perdeu no qualifying, teria entrado direto na chave principal (ele, no fim das contas, conseguiu uma vaga como lucky loser). O russo Evgeny Donskoy, número 203 do mundo, teria conseguido uma vaga no quali.

Por que isso? Precisava tanto? Não, mas Djokovic decidiu ser egoísta por 24 horas a mais do que o necessário, pensando primeiro em sua mísera chance de entrar no torneio em vez e depois nos colegas de circuito. "Ah, mas Djokovic tinha o direito de esperar." Claro que tinha. Assim como o vestiário tem o direito de julgar essa espera. Se você, leitor, acha que mais este gesto de Djokovic será bem visto pelos colegas de profissão, engana-se. E logo Nole, que gosta de alimentar sua reputação de preocupado com os menos endinheirados do tênis... Será que o primeiro alternate (jogador à espera de uma desistência para entrar na chave) do quali ficou feliz? Será que os US$ 5 mil dólares que ele ganharia para entrar no quali não farão falta a alguém fora do top 200? Mais uma vez, o discurso de Djokovic não casa com a realidade.

Ao não conseguir entrar no país - as regras dos EUA eram conhecidas por todos no tênis - Djokovic sofre mais um baque que escancara seu lado narcisista. Primeiro, ele. Depois, os companheiros e o torneio. Depois, o discurso de liberdade de escolha e tudo mais. É bem possível que os países afrouxem seus requisitos de entrada em breve e Nole consiga fazer um calendário mais perto do ideal, mas, por enquanto, Djokovic quer apenas usufruir do melhor de um mundo para o qual nada contribuiu. Discursa contra as vacinas, mas quer frequentar e se beneficiar do ambiente de gente vacinada. Um ambiente que só beira o antigo normal justamente porque a vacinação reduziu os números de mortes. Seu egoísmo nunca foi tão escancarado.

Coisas que eu acho que acho:

- Importante observar porque ainda há muita confusão sobre isso: não há torneios obrigatórios no circuito. Ninguém paga multa por deixar de jogar um evento. O que existe são torneios que contam obrigatoriamente para o ranking se o atleta tiver ranking bom o bastante para disputá-los. Ou seja, um top 10 sempre terá em sua somatória no ranking quatro slams, oito masters 1000 e os sete melhores resultados em outros eventos (que podem ser ATPs 500, 250 e/ou ATP Cup). Quando um tenista desse patamar deixa de disputar um slam ou perde na primeira rodada, ele leva essa pontuação zerada por 52 semanas. No entanto, não há multa ou punição para quem opta por não competir. Nadal, por exemplo, já ficou fora de muitos slams durante a carreira e nunca foi multado por isso.

- Indian Wells e Miami contam necessariamente para Djokovic porque ele tem ranking para estar nos torneios. Fora dos dois eventos, ele levará esses zeros até março/abril de 2023. Não fará, contudo, muita diferença em relação à somatória atual do sérvio. Atualmente, Nole tem apenas 45 pontos que soma desde o Masters de Miami de 2019. Indian Wells não foi disputado em 2020, e Djokovic optou por não participar da edição do ano passado.

- Importante lembrar: no ano passado, o torneio de Indian Wells começou no dia 5 de outubro. Djokovic anunciou sua desistência no dia 29 de setembro, muito antes da formação das chaves. Na época, Nole vinha da dura derrota por 3 sets a 0 sofrida diante de Daniil Medvedev na final do US Open.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: "What You Say" (Cold War Kids feat. Zella Day) porque let's shake it up this time, be honest.

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