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Tempo, Thiem e bolas 'anti-Nadal': obstáculos para Rafa em Roland Garros

Nicolas Gouhier/FFT
Imagem: Nicolas Gouhier/FFT

Colunista do UOL

25/09/2020 04h00

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É bem provável que Rafael Nadal seja favorito ao título de Roland Garros até o fim da carreira. Seu estilo de jogo, seus golpes e suas características, combinados com as condições e o saibro da capital francesa, formam um pacote peculiar e raramente glorioso que, não por acaso, chegou a obscenos 12 títulos no torneio.

Ainda assim, Roland Garros se apresenta em 2020 com uma série de obstáculos inéditos e nada simples para o espanhol. Do agora-campeão Dominic Thiem às novas bolas usadas no torneio, para chegar à 13ª conquista no solo parisiense, Rafa pode ter pela frente um caminho muito mais duro do que na maioria de suas campanhas anteriores.

Tempo x ritmo de jogo

O primeiro "adversário incomum" de Rafael Nadal nesta edição de Roland Garros é ele mesmo. O espanhol quase sempre desembarcou em Paris vindo de belas atuações e levando na bagagem um ritmo de jogo invejável adquirido em uma sequência de torneios no saibro. Um calendário normal para Rafa incluiria Monte Carlo, Barcelona, Madri e Roma. Em 2020, por conta da pandemia e de datas alteradas, o número 2 do mundo jogou só em Roma, onde ficou nítida sua falta de ritmo de competição.

Embora uma consequência natural para quem ficou mais de seis meses sem disputar um torneio oficial, trata-se, neste momento, de algo mais do que um leve desconforto. Desta vez, não há tempo para adquirir confiança e calibrar os golpes aos poucos. Nadal teve pouco mais de uma semana entre sua eliminação na Itália até a data de sua estreia na França. Paris será apenas seu segundo torneio pós-paralisação. Enquanto isso, a maioria de seus adversários vem competindo desde o fim do mês passado, seja no combo Cincinnati-US Open, seja nos ATPs de Kitzbuhel e Hamburgo, seja no circuito Challenger.

Dominic Thiem, o campeão

Nos últimos três anos, Nadal precisou passar por Dominic Thiem para chegar ao título. Em 2017, o encontro aconteceu nas semifinais, Em 2018 e 2019, espanhol e austríaco fizeram as finais. Este ano, o sorteio jogou contra Rafa, e um eventual quarto duelo seguido com o rival será nas semifinais (o que deixa Djokovic "sozinho" do outro lado da chave).

Além disso, Nadal sempre teve a vantagem de ter em Thiem um rival que ainda precisava quebrar a barreira do primeiro slam. Agora, no entanto, Dominic tem no currículo o título do US Open. Roland Garros marcará sua estreia como campeão de slam. A experiência e a confiança podem fazer a diferença em um eventual duelo com o espanhol.

E se não bastasse tudo isso, Thiem tem outros dois elementos favoráveis nessa equação: a memória do triunfo recente no Australian Open, onde eliminou Nadal nas quartas de final em quatro sets, e o ritmo de competição. Enquanto o número 2 do mundo vai tentar buscar seu melhor tênis durante a primeira semana de Roland Garros, Thiem foi quem mais passou tempo em quadra durante a pandemia. Foi quem mais jogou exibições e, claro, foi quem mais (e melhor) jogou no US Open.

As bolas anti-Nadal

Uma das peculiaridades de Roland Garros que jogaram a favor de Nadal nos últimos anos foi o tipo de bola usado pelo torneio. O evento era disputado com amarelinhas feitas Babolat que eram macias e quicavam bastante alto. Rafa, sabidamente, gosta de condições assim porque consegue gerar muito top spin e empurrar os adversários para trás ou forçá-los a rebaterem bolas mais altas, fora de suas zonas de conforto.

Este ano, Roland Garros terá bolas fabricadas pela Wilson, e as primeiras impressões registradas nos treinos e no qualifying é que as amarelinhas deste ano são mais duras e quicam menos. Os tenistas andam encontrando mais dificuldade para gerar top spin. Resumindo? Condições que não são nada favoráveis ao estilo do espanhol. Já há até quem chame as bolas de 2020 de "anti-Nadal" - como os jornalistas espanhóis do Punto de Break (veja acima).

Ainda que seja necessário usar um velho ditado para lembrar que "jogador top joga bem em qualquer condição", é também verdade inquestionável no tênis que pequenas mudanças fazem diferença a favor de um ou outro tenista, dependendo dos estilos de jogo. Nadal, aqui, sai perdendo, especialmente porque pesará ainda tudo escrito acima: a falta de tempo para alcançar seu melhor nível e um caminho que pode ser mais duro do que o habitual.

Coisas que eu acho que acho:

- Fora a grande "derrota" que é ter Thiem em seu lado da chave, Nadal não teve um sorteio tão pavoroso assim. Contudo, vale prestar atenção nas oitavas de final, quando ele pode ter pela frente John Isner ou Fabio Fognini. O americano foi um dos dois únicos tenistas a levar Nadal a um quinto set em Roland Garros (2011), enquanto o italiano já tem no currículo três vitórias sobre Rafa no saibro (em nove duelos). É bem verdade que Fognini não faz um grande "pós-paralisação", mas se encontrar seu melhor tênis durante as três primeiras rodadas em Paris, pode ser um teste e tanto para um Rafa que, lembremos, também busca sua forma ideal.

- O grande "campeão" do sorteio foi Novak Djokovic. Além de ver Thiem, seu algoz em 2017 e 2019, do outro lado da chave, o número 1 do mundo tem como rival mais bem ranqueado em seu quadrante o italiano Matteo Berrettini. Os cabeças mais altos nessa parte de cima da chave são o russo Daniil Medvedev - que não é tão perigoso no saibro quanto na quadra dura - e o grego Stefanos Tsitsipas, que ainda precisa mostrar nos slams a mesma capacidade de derrubar rivais de peso que exibe no resto do circuito.

- É preciso considerar, apesar do que ponderei acima, que o título de slam pode jogar contra Thiem. A primeira conquista pode tanto tirar peso dos ombros de um atleta quanto adicionar uma bigorna sobre a cabeça. Tudo depende de como o tenista lida com isso. Só após as primeiras rodadas é que saberemos melhor como o austríaco vai lidar com, digamos, o novo rótulo.