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Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

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Skate vive pressão entre comercialização e esportificação após Olimpíadas

Luiz Francisco, skatista da seleção olímpica brasileira - Alexandre Schneider/Getty Images
Luiz Francisco, skatista da seleção olímpica brasileira Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

Colunista do UOL

20/05/2022 04h00

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Estariam as feras do skate domesticadas após as Olimpíadas?

Conhecidos por sua rebeldia e transgressão, o sucesso dos skatistas nos pódios olímpicos trouxe, além de visibilidade, medalhas e muito dinheiro, uma mudança de visão da opinião pública e dos próprios skatistas, que depois de décadas em um processo entre comercialização e "esportificação" da modalidade, agora têm de se equilibrar em um pináculo de uma nova fase.

Esse tema já vinha sendo debatido por especialistas antes mesmo dos Jogos Olímpicos no ano passado, que previam o acontecimento desta situação.

No livro Skateboarding Between Subculture and the Olympics: A Youth Culture under Pressure from Commercialization and Sportification (O Skate Entre a Subcultura e as Olimpíadas: Uma Cultura Juvenil Sob Pressão entre Comercialização e Esportificação, em tradução livre), dos editores alemães Veith Kilberth e Jurgen Schwier, lançado em janeiro de 2020, contextualiza bem esse debate.

Skateboarding between Subculture and the Olympics - Reprodução - Reprodução
Capa do Livro Skateboarding Beteween Subculture and The Olympics, editora Transcript 2020
Imagem: Reprodução

Dividido em 11 capítulos, esta antologia de 220 páginas da editora Transcript se aprofunda sobre temas como o mundo das skateparks, inclusão de gênero, resiliência dos skatistas, o papel da mídia online, skate como produção pedagógica, subcultura e Jogos Olímpicos, e apresenta ainda uma cronologia comentada sobre os estágios de 50 anos de evolução do skate, das escadarias até o pódio.

Baseado em trabalhos científicos de 12 autores internacionais de áreas tão distintas como arquitetura, filosofia, sociologia, ciência esportiva e estudo de gêneros, esses estudos traçam um panorama atualizado deste cenário normalmente ignorado pela grande mídia.

De fato, o mercado do skate tem se ampliado exponencialmente indo além dos produtos esportivos (tênis, roupas, skates e equipamentos) para competições, patrocínios, eventos, produtos midiáticos, plataformas de economia digital, serviços sociais e até mesmo educação e treinamento.

Agora, nessa nova fase, os skatistas precisam lidar com questões éticas, profissionais, esportivas e comerciais, enquanto os canais midiáticos elevam a modalidade para outro patamar.

Estariam as feras do skate sendo "domesticadas?"

Em 1992, a conceituada revista Thrasher publicou um manifesto chamado "Contests Suck" (campeonatos são uma m...), e posteriormente considerado como anti-disciplina pelo antropologista alemão Horst Ehni (1998). Hoje, o skate é analisado por olhares de skatistas científicos, como o doutor em História e autor do livro "Para Além do Esporte: Uma História do Skate no Brasil", Leonardo Brandão de 45 anos.

Dr. Leonardo Brandao - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O historiador Dr. Leonardo Brandão, autor do livro Uma História do Skate no Brasil
Imagem: Arquivo Pessoal

"Falar de skate é entender que se trata de uma atividade complexa, onde há uma dimensão ortodoxa e outra heterodoxa. A ortodoxa é aquela que se adapta melhor as exigências do esporte moderno, gerida por regras, rankings, medalhas e usa pistas de Park e Street", prossegue.

"Na dimensão heterodoxa, ligada às origens do skate como prática de diversão, lazer e criatividade e representada pelo skate urbano em áreas conquistadas pelos próprios skatistas nas ruas, é mais focada em uma esfera mais social e menos competitiva", explica.

"A realização das Olimpíadas popularizou o skate ortodoxo em detrimento do skate heterodoxo; mas não significa pensar que este último perdeu protagonismo na cena do skate de rua. Prova disso, por exemplo, é o lançamento do último vídeo do coletivo Flanantes, intitulado 'PROVOS', nome que remete a 'Provocadores' e faz referência a um grupo de contestação à ordem vigente que atuou em Amsterdam durante a década de 1960", o que mantém a chama da rebeldia do skate acesa, de acordo com o doutor.

Para Monique de Souza Sant'Anna Fogliatto, doutoranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação da Unesp, em Bauru, "mesmo diante desta maior visibilidade, é possível dizer que o skate olímpico não representou a 'domesticação' da modalidade. As competições olímpicas mostraram a irreverência, o espírito livre e a busca constante pela radicalidade", considera.

"Se, antes, o medo era de que os carrinhos perdessem a sua essência, o que se pôde observar foi um jogo repleto de brechas e resistências que foram sendo mostradas no decorrer das competições de skate park e street em Tóquio", analisa.

Giancarlo Machado, doutor em Antropologia Social pela USP, considera que "apesar destes direcionamentos, as mesmas condições que têm levado o skate ao mainstream também têm fomentado, a reboque, seu lado underground. Em vista disso, a captura do skate nunca é completa. Os próprios skatistas têm criado linhas de fuga para mantê-lo imprevisível e transgressor, pautados em valores coletivos que fazem da sociabilidade e das vivências urbanas algo a ser investigado. O skate vive seu melhor momento, equilibrando-se diante todas as possibilidades", finaliza.