Topo

Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

2021: O ano em que skate virou esporte olímpico e skatistas viraram atletas

Rayssa Leal Medalhista Olímpica de Skate - Julio  Detefon/CBSK
Rayssa Leal Medalhista Olímpica de Skate Imagem: Julio Detefon/CBSK

Colunista do UOL

30/12/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Nunca na história do skate o Brasil teve tantas conquistas e pódios em competições quanto em 2021, ano em que o skatista virou atleta e a modalidade se transformou em esporte olímpico.

Em 25 de fevereiro, o skate entrou finalmente para a Classificação Brasileira de Ocupações, na qual agora é reconhecida a profissão de "Atleta de Skate", o que permite ao praticante ser um contribuinte junto ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).

Uma grande conquista da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), que completou 22 anos de fundação no início do ano.

O mercado publicitário também se agarrou ao lifestyle dos skatistas e criou um boom midiático nunca experimentado antes.

O estilo de vida urbano, rebelde, transgressor e moderno dos skatistas foi associado a juventude, criatividade, legitimidade e atitude e foi utilizado como veículo de propaganda para vender joias, perfumes, artigos de luxo, carros, celulares, macarrão instantâneo, achocolatados, cerveja, bebidas energéticas, produtos para cabelos, relógios, imóveis, serviços bancários, tênis, filmes e, principalmente, sonhos.

Nossos skatistas encheram as estantes de troféus e engordaram as contas bancárias ao mesmo tempo que viravam destaque na mídia e tiveram reconhecimento internacional por suas façanhas.

Com a garantia de permanência do skate nas Olimpíadas da França, em 2024, e em Los Angeles, em 2028, o Brasil pode ser um grande beneficiário nesta modalidade que vem conquistando audiência e credibilidade.

O skate sai do estigma da marginalidade e entra para o "mainstream" esportivo, se tornando uma modalidade de alto rendimento, enquanto o Brasil entra para o hall das nações mais poderosas do skate mundial.

Nossa bandeira tremulou nos principais eventos

Apesar das restrições da covid-19, dos 10 maiores eventos internacionais realizados este ano, o skate brasileiro subiu no pódio de todos, sendo a maioria no street feminino, no paraskate e também em alguns no masculino.

O Dew Tour, nos Estados Unidos, foi o primeiro evento da série conquistado por Pâmela Rosa. A prata ficou nas mãos de Rayssa Leal, o quarto lugar com Letícia Bufoni e ainda teve a brilhante vitória de Felipe Nunes no paraskate.

No Mundial de Street da World Skate, em Roma, Rayssa Leal carimbou o passaporte para as Olimpíadas com o terceiro lugar.

Na sequência, o mais tradicional festival de esportes radicais do planeta, o X Games, na Califórnia, teve de se curvar para o talento brasileiro.

Leticia Bufoni levou mais um ouro para sua coleção, totalizando seis medalhas douradas da competição, mas foi o jovem Gui Khury de apenas 12 anos que conseguiu um feito inédito: surpreendeu a todos ao ser o primeiro skatista do mundo a realizar com perfeição um aéreo de três giros consecutivos, chamado de 1.080 graus.

Gui se tornou o mais jovem medalhista de ouro da competição. E vinha mais por aí...

O skate olímpico virou realidade e lançou o fenômeno Rayssa Leal

A entrada oficial do skate nas Olimpíadas de Tóquio foi um divisor de águas e principal marco histórico que foi bem-vindo por todos.

Inicialmente visto com ceticismo e curiosidade, o skate conquistou multidões e atraiu milhões de novos entusiastas da modalidade, que ficaram hipnotizados com o ritmo frenético e arriscado das manobras e com o talento individual desses atletas.

Marcou também o espanto da queda dos maiores ídolos do esporte que ficaram fora das finais. Foi caso do norte-americano Nyjah Huston —um dos maiores skatistas de street de todos os tempos— e das brasileiras Pâmela Rosa e Letícia Bufoni, campeãs mundiais que não conseguiram um lugar no pódio.

Mesmo assim, a delegação brasileira de skate pode se honrar em trazer três medalhas prateadas para casa. A primeira com Kelvin Hoefler, de 28 anos, no street, a segunda com Pedro Barros, de 26 anos, no park, e a terceira com a revelação Rayssa Leal, a "Fadinha do Skate", de apenas 13 anos de idade.

Rayssa se tornou a mais jovem medalhista olímpica da história do Brasil e se transformou em fenômeno global e instantâneo após a conquista.

Descontraída, ao mesmo tempo em que muito centrada em momentos tão importantes, mostrou foco apesar da grande pressão.

Rayssa com seu jeito de criança inovou com suas dancinhas na pista e sempre mostrou simpatia, consideração e solidariedade com suas adversárias, o que lhe valeu a conquista do Prêmio Visa Award pelos melhores valores olímpicos —o respeito, a amizade e a excelência.

Ela doou o cachê de 50 mil dólares (cerca de R$ 280 mil) para uma entidade brasileira, a ONG Social Skate, de São Paulo.

Rayssa, se tornou a queridinha dos Jogos e das estrelas da música, da TV, das artes e do esporte mundial que prestaram homenagens em posts emocionados em sua conta no Instagram. Na rede, ela pulou de 500 mil seguidores para quase mais de 6 milhões em menos de uma semana.

De Lewis Hamilton, a Juliette, passando por Ronaldo Fenômeno, Xuxa e até mesmo o "rei" Pelé se encantaram com a pequena Rayssa. Muitos disseram que se encheram de orgulho pela conquista, e a "Fadinha do Skate", se tornou um símbolo nacional de sucesso e de resiliência.

O ano em que o skate "xerecou" na TV, e o verde amarelo prevaleceu nos pódios

A entrada do skate nas Olimpíadas também experimentou ares mais descontraídos, muito próprio dos skatistas. Uma fala inusitada da tetra campeã mundial dos X Games, Karen Jonz, na função de comentarista do Sportv ao vivo durante a transmissão das Olimpíadas, divertiu muita gente e chocou alguns ao exclamar que uma skatista "xerecou", ao narrar a queda de uma menina com as pernas abertas em um corrimão.

A frase "sincerona" viralizou, virou "memes" e pontuou claramente o espírito despojado e legítimo dos skatistas, abrindo uma nova fase de transmissões esportivas.

Passada a fase olímpica, a temporada internacional do skate premiou em larga escala o talento individual dos nossos skatistas, como se fosse uma verdadeira invasão verde e amarela.

No Mystic Skate Cup, Copa do Mundo da República Tcheca, o brasileiro Ivan Monteiro levou o título. Na semana seguinte, na Dinamarca, Marina Gabriela e Lucas Rabelo venceram o CPH Open.

Em outubro, Kelvin Hoefler voltou das férias olímpicas e levou mais uma prata, dessa vez no Tampa Pro, competição da qual também participou Pâmela Rosa como única mulher convidada a competir entre os homens.

Na Europa, outra revelação foi a jovem Virginia Fortes Águas, de 15 anos, mais uma brasileira a fazer história ao vencer sete etapas, entre elas o Urban World Series, o Marisquiño, na Espanha, além de se tornar campeã da Liga Pro Skate de Portugal.

Em novembro, a supremacia continental do skate brasileiro foi comprovada na primeira edição dos Jogos Pan-Americanos Júnior, para skatistas com menos de 22 anos, em Cali, na Colômbia, com a dobradinha Pâmela Rosa e Lucas Rabelo.

Também em novembro, em Jacksonville, na Flórida, Pâmela Rosa confirma sua excelente fase, e venceu a Tríplice Coroa da Street League. A prata ficou com Rayssa Leal.

Já em dezembro, no Rio de Janeiro, Rayssa Leal deu o troco e deixou a prata do Oi Stu Open para Pâmela Rosa, fechando 2021 com chave de ouro, que se concretizou com mais três prêmios.

Rayssa fechou a temporada escolhida como skatista do ano pelo Comitê Olímpico Brasileiro, ganhou o Prêmio Inspire, por inspirar novos talentos, e foi skatista do ano no Troféu Cemporcento Skate, além de ter sido indicada, junto com Felipe Nunes, para o Prêmio Skatista do Ano, só que dessa vez pela revista americana Thrasher.