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"O olimpismo está virando pão e circo", diz pesquisadora

Principal referência em estudos olímpicos no Brasil e uma das pesquisadoras mais proficientes sobre o tema no mundo todo, Katia Rubio é crítica à iniciativa da World Athletics, que ontem (10) anunciou que vai pagar premiação em dinheiro aos campeões das Olimpíadas de Paris.

Será a primeira vez, na história dos Jogos Olímpicos, que os organizadores oferecerão prêmio financeiro. "É a consagração do fim do espírito olímpico. O adjetivo olímpico é trocado por um PIX", diz ela.

"O olimpismo está virando pão e circo, só faltava o pão. No meu entendimento, se existe ainda alguma condição de os Jogos Olímpicos não perderem a conexão com o passado é exatamente a manutenção da ideia de celebração. No momento em que isso se perder para a comercialização de forma tão escancarada, quando deixar de ser o maior de todos os desejos de atletas que chegam ao topo da performance e o dinheiro se tornar o atrativo, Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais ou qualquer torneio são a mesma coisa. Vira a casa da mãe Joana", critica.

Há anos as federações internacionais, abastecidas com dinheiro repassado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) têm recursos para, se quisessem, oferecerem premiações em dinheiro pelos resultados das Olimpíadas, como já fazem em Campeonatos Mundiais. Não faziam isso por respeito ao que se entende, ou entendia, como espírito olímpico.

"Quando os Jogos Olímpicos [da era moderna] foram inventados, a Europa não passava menos que 10 anos sem um grande conflito armado e isso desestabilizava o sistema social. Refazer os Jogos Olímpicos era dar a oportunidade de pessoas conviverem com todas as diferenças, tendo no esporte uma linguagem universal. Os Jogos Olímpicos não nasceram para ser uma competição, mas sim uma celebração. E celebração não se paga", argumenta.

Ela continua: "Quando fazemos um paralelo, perigoso, dos Jogos da Antiguidade com o atual, é possível observar que o atleta da Antiguidade era um cidadão, destacado por suas habilidades físicas, que representava sua cidade nas celebrações míticas, em honra aos deuses. A preparação integral desse homem envolvi o corpo, o espírito e a oratória. A ideia era ir aos Jogos Públicos, entre eles os Olímpicos, para se provar e o adversário era a pessoa que participava dessa manifestação para provocar no outro a sua excelência. A ideia não ir para para vencer alguém, mas para dar tudo o que tenho para ser o melhor. Quando Pierre de Coubertin recriou os Jogos ele buscava formar esse tipo de cidadão para o mundo contemporâneo, pessoas valorosas na busca do melhor de si mesmas."

Katia Rubio, que é professora associada na USP e autora de diversas publicações sobre olimpismo, lembra que Jogos Olímpicos e esporte não são sinônimos. As Olimpíadas carregam um simbolismo, que vem se perdendo com o tempo, ao longo das últimas décadas do século passado.

"O que tem nos Jogos Olímpicos de especial? Tem todo o imaginário simbólico atrelado a algo mítico. O que mobiliza os atletas olímpicos é viver o imaginário mítico do herói, e isso diferencia essa competição de outras. Uma atleta como a Shelda, sete vezes campeã mundial, relata que mesmo tendo conquistado tantas vitórias, mesmo tendo sido medalhista olímpica, ainda assim lhe faltou a medalha de ouro olímpica. É esse o título que garante a imortalização. O prêmio em dinheiro reforça o vazio simbólico que o Olimpismo contemporâneo vive, ou seja, temos diante de nós a substituição do adjetivo olímpico por um PIX. Já não importa mais o adjetivo que ilustra o papel carta ou o cartão de visitas de um atleta olímpico, mas quanto está na conta bancária. Não é à toa que se vê a pouca importância que os Jogos têm para o golfe, que tinha para o tênis. São modalidades com inúmeros prêmios em dinheiro, prêmios vultuosos em cada torneio. A lógica que move a roda dessas modalidades é o prêmio em dinheiro, e que não estão atrelados a esse imaginário heroico, porque o heroísmo é a conta bancária."

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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