Milly Lacombe

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Felipe Melo, Pedrinho e a prova de que existe acerto mesmo dentro de erros

Felipe Melo falou sobre Robinho e Daniel Alves. Falou como até agora ninguém falou. Disse que não vai passar a mão na cabeça e que se tivesse acontecido com a filha dele ele não estaria ali para dar a entrevista, sugerindo, pelo que captei, que estaria preso por ter se vingado.

Felipe Melo fez o que ninguém até aqui fez: falou duro, falou sem atenuantes e falou sem medo.

Acho que todos entendemos o que disse Felipe Melo. É um sentimento comum a muitos de nós. Eu passei uma vida imaginando que mataria um de meus abusadores, aquele que abusou de mim quando eu tinha 11 anos. Nunca fiz nada e ele morreu, sabe o diabo do quê. Mas sim: é um sentimento que quase todo homem alcança: o de se vingar do estuprador de uma mulher de seu círculo.

E está aí o problema. Só somos reconhecidas enquanto existimos dentro de algum grau de parentesco. Filhas, mães, mulher, irmã. Não existimos como sujeitos plenos. Somos santas ou somos putas. E por mais que eu queira elogiar o que disse Felipe Melo eu preciso fazer aqui essa ressalva: se existirmos apenas como parentes então, nos bares, as ruas e no trabalho, nada vai mudar. Porque somos mais do que parentes: somos artistas, poetas, atletas, colegas, faxineiras, entregadoras - seres humanos. A santa de uma é sempre a puta do outro.

E, claro, não custa repetir duas coisas importantes: a maioria dos casos de violência contra a mulher acontecem dentro das nossas casas, o que mostra que essa proteção conquistada pelo parentesco não se sustenta nem por três minutos. Outra coisa fundamental: não há nada de errado em sermos putas desde que nós mesmas nos definamos assim. Posso ser santa pela manhã e puta à noite. E posso ser tudo o que quiser entre um e outro.

Vamos sair desse lugar de violência quando deixarmos de ser as santas, as que precisam de proteção, de um vingador, de um proprietário. Quem protege, cobra. Quem protege, exige. Quem protege também se sente autorizado a estabelecer as regras. Proteção vem com hierarquia.

E com isso chegamos a Pedrinho e a sua posição dentro da SAF do Vasco; posição que me pareceu quase sufocante.

Em uma coletiva dada no dia 27 de março Pedrinho, o presidente do clube, disse algumas vezes a frase: sobre isso não posso falar. O contrato da SAF não permite que alguns assuntos sejam abordados por ele. Que tipo de relação é essa que impede que um dos maiores ídolos do clube que hoje é presidente não possa elaborar temas de interesse geral da torcida?

A impressão é a de que Pedrinho está dentro de uma arapuca. Venho argumentando que as SAF são uma solução catastrófica para um problema real. Quem assistir a entrevista de Pedrinho vai compreender o tamanho da catástrofe.

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Usar a lógica empresarial para tratar clubes de futebol é caminho cruel com o torcedor e a torcedora, a cada dia mais alienados de suas paixões por ingressos caros, pela exigência de comprar algum tipo de pacote que o defina como sócio, por gestores que acreditam ser donos de um escudo - o que são de fato e de direito a partir do momento que um time de futebol se vende para uma pessoa ou uma empresa. No caso do Vasco, uma empresa do ramo financeiro com sede em Miami que está tão distante do futebol quanto eu da galáxia de andrômeda. Quem poderia imaginar que daria errado?

Pedrinho está certo nas coisas que disse a respeito do Vasco, do sentimento que é ser vascaíno e de sua luta para representar a torcida, mas vai ter que segurar o rojão que é ter lidar com o erro que são as SAF e seus contratos leoninos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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