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Marília Ruiz

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Marília Ruiz: Direto dos EUA, a guerra fria das medalhas

Evgeny Rylov (dir), da Rússia, fica com o ouro, e Ryan Murphy, dos EUA, com a prata nos 200 m costas das Olimpíadas de Tóquio - Xinhua/Du Yu
Evgeny Rylov (dir), da Rússia, fica com o ouro, e Ryan Murphy, dos EUA, com a prata nos 200 m costas das Olimpíadas de Tóquio Imagem: Xinhua/Du Yu

30/07/2021 12h38

Acompanho a Olimpíada aqui nos EUA como comentarista do "Bandsports". Resumo a experiência como a de ser comentarista brasileira em qualquer Copa do Mundo: tudo que não é uma vitória contundente, é (quase) fracasso. Dominantes (quase sempre), os norte-americanos trabalham com a ideia de que recordes múltiplos, super estrelas e vitórias massivas têm de ser dos nascidos na "Land of the Free and Home of the Brave", como termina o hino dos EUA que tanto temos ouvido nestes dias

Vale até uma matemática "amiga", que transforme um quadro de medalhas desfavorável em algo maravilhoso (explico: atrás no ranking de ouros conquistados até aqui, o "TEAM USA" agora apenas soma as medalhas conquistadas e assim goleia a concorrência).

Depois da frustração causada pela desistência de Simone Biles, a estrela em que se apostava tudo, outros fantasmas começam a aparecer...

Os atletas russos disputando os Jogos de Tóquio sob a bandeira de seu Comitê Olímpico tinham sido tratados com quase desdém até aqui pela imprensa americana. Nem a perda da hegemonia da equipe feminina de ginástica para as russas havia reaberto o debate do doping com força, já que os holofotes (e a "culpa" pela prata) haviam ficado na ausência de Biles na disputa da final.

Mas as derrotas do nadador Ryan Murphy para dois russos foram demais...

Há três dias ele ficou com o bronze (atrás de Evgeny Rylov e Kliment Kolesnikov) nos 100 metros costas e saiu só bravinho, mas já claramente contrariado. Nesta madrugada (fuso americano), depois de ser derrotado mais uma vez por Rylov e ficar com a prata nos 200 m costas, Murphy atacou em censura:

"É um grande esgotamento mental saber que estou em uma corrida que provavelmente não é limpa", disse em entrevista logo após a prova.

Na coletiva de imprensa, ao lado do russo, voltou atrás. Fez uma ginástica verbal para dizer que não havia dito o que disse claramente.

O russo, elegantemente, respondeu apenas que estava limpo e que não se sentia atingido pela forte declaração, que está nas manchetes do New York Times, do Washington Post, do Chicago Tribune, que foi reverberado em todos os canais de TV.

Na esteira do caso, voltou-se a falar da presença dos russos sem bandeira, sem hino, sem lenço e sem documento. Quase párias. Todo o estoque de matérias antigas sob o banimento de atletas, sobre o esquema estatal russo de fabricação "pouco ortodoxa" de super-atletas, até as controvérsias Putin x Casa Branca foram lembradas.

O supermegaultra campeão Michael Phelps, que está em Tóquio como comentarista da NBC, foi o mais sereno e elegante. Comentou a prova e exaltou o fato de o russo Rylov ser bicampeão mundial da prova.

A fagulha da teoria da conspiração, entretanto, já se alastrou.

Se nós brasileiros estamos cansados dos "roubos" dos juízes japoneses, os americanos entraram na guerra fria das medalhas...