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Blog do Juca Kfouri

REPORTAGEM

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Raí: por que votar em Lula

                                 O ex-jogador de futebol Raí                              -                                 (Reprodução/Facebook)
O ex-jogador de futebol Raí Imagem: (Reprodução/Facebook)

01/10/2022 08h38

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Entrevista de Raí ao jornal francês L'Equipe, por ERIC FROSIO

Rai, há quatro anos você estava "triste e assustado" depois que Jair Bolsonaro assumiu o poder. Hoje, poucos dias antes da primeira rodada, que sentimentos predominam em sua mente? Esperança, medo, alívio?

Meu sentimento hoje é de esperança, e crença de estar perto do final de um pesadelo. De um aprendizado cruel, destruidor e bárbaro, à imagem dos que ainda estão no poder. O Brasil desperta, e tem tudo pra voltar aos bons trilhos, que nos levará a ter um papel primordial pro futuro da humanidade. Acreditem no Brasil, um dia vamos cumprir nosso destino. O país da miscigenação, tem que voltar a acreditar na sua maior riqueza: seu povo e suas relações humanas calorosas. O dia que aprendermos a ser uma sociedade mais justa, mais humana, vencermos nossa história de exploração e racismo, o Brasil será inevitável, como diz Caetano Veloso, para o bem da vida na terra. Até mesmo nossa natureza é exuberante, temos que vencer este complexo. Nos fazer felizes, dignos de nós mesmos, dos nossos horizontes, do DNA escondido atrás do muro vergonhoso da injustiça extrema, e assim propagar o respeito, o amor, através da nossa espontânea alegria de viver, da vida!

O caminho é longo, tortuoso, turbulento, desafiador, mas a luta por ele, pode e deve ser corajosa, resistente, empolgante e inspiradora.

A sociedade brasileira mudou nesses quatro anos? Que grandes mudanças você viu?

A porção perversa e violenta, que todos nós temos em alguma proporção, na sociedade brasileira ganhou legitimidade, sociopatas. Muitos míopes ficaram cegos e desatentos a autodestruição. Viver em uma sociedade onde a lógica do sistema é desumana e agride cotidianamente a maioria do seu povo, nunca poderá dar frutos saudáveis!

Apesar de seus deslizes, gestão desastrosa da pandemia e um histórico catastrófico em termos de meio ambiente ou respeito às minorias, Bolsonaro manteve quase tantos apoiadores quanto há quatro anos. Como isso é possível ?

Tenho dificuldades em entender. Minha razão, meu espírito, meu amor pela vida e pelas pessoas, me fazem incapaz de compreender ao certo. Mas me arrisco a dizer, que temos que combater, mas para isso assumir, nossa tendência a autodestruição, por vezes, e nossa porção irracional. Por isso um bom nível de "educação para todos", é fundamental!(o que não temos no Brasil). Porém, a boa notícia, é que nosso instinto de sobrevivência será sempre muito mais poderoso. Mesmo sabendo que vamos morrer um dia, viver menos egoístas e trabalhar também para as próximas gerações, é o que nos tornará eternos? Eternos enquanto existirmos!

O país nunca esteve tão polarizado e o diálogo entre os dois campos degenerou muitas vezes. Você acha que o Brasil pode se "reconciliar"?

Esta não é uma exclusividade do Brasil, estar polarizado. O Brasil tem que se reconciliar primeiro com seu passado. Com politicas inteligentes, afirmativas e compensatórias. A começar pelos indígenas, quilombolas, com as pessoa simples do campo e os descendentes de uma escravidão ainda viva. Tudo que temos de melhor na nossa cultura tem a base em nossos povos originários e na África, com contribuições importantes de imigrantes, que se sentiram em casa em um terra com histórico acolhedor. A reconciliação, ou ao menos, uma melhor harmonia, e certamente um país mais pacífico, virá com resistência contra opressores e justiça nas oportunidades!

Você pediu publicamente ao presidente Bolsonaro que renuncie durante a pandemia. Suas posições corajosas tiveram consequências no seu trabalho (ex-diretor de futebol do São Paulo) ou no seu dia a dia?

Para mim, ainda nada de muito perturbador. Mas para muitos outros, sim. Uma espécie de terrorismo moral e uma incitação à ações violentas contra os "inimigos" do Bolsonarismo. Eu me manifesto muito mais por meios de comunicação tradicionais, não sou muito ativo em redes sociais. Hoje, a extrema direta, foca muito em algoritmos das redes, fake news e meios digitais, talvez por isso não me priorizem como inimigo. Porém é sempre bom eu ficar atento, mas nunca calado!

Em caso de revés de Bolsonaro, você teme um cenário ao estilo americano (quando Trump recusou sua derrota e empurrou seus apoiadores para invadir o Capitólio)? Uma derrota pode representar "uma ameaça à democracia", como aponta The Economist?

Ele passou todo seu mandato ameaçando a democracia. Ele sempre fez questão de testar os limites das instituições. Muitas vezes ultrapassou limites do aceitável. Sim, ele vai tentar algo, mas na minha opinião, sem nenhuma chance de sucesso. O Brasil de Bolsonaro representa o retrocesso, mas, apesar de nossas muitas mazelas, avançamos em pontos importantes, sem retorno, dentre eles a democracia. Instituições nem sempre republicanas, porém estabelecidas. E nunca aceitaremos, brasileiros, algo parecido com que ele possa tentar.

Há quatro anos, você convidou a esquerda a fazer "autocrítica e se reinventar". Com a candidatura de Lula, temos a sensação de que nada mudou no final... Está decepcionado com a falta de alternativa?

Contra Bolsonaro, hoje, tudo representa avanço e reconstrução! O Brasil é um país continental, difícil construir maioria em torno de nomes consistentes. Às vezes é até mais fácil construir ilusões de um salvador, desconhecido, da pátria, como foi Bolsonaro.

Lula terá sua última chance de mandato, já passou por tudo na vida, até perda de esposa e neto, por isso acredito em um grande esforço de acerto, de quem já é experiente. E reparação de alguns erros. Hoje o Brasil tá precisando do básico: comida, habitação, nisso ele é muito bom. Educação, cultura, tecnologia, tudo isso o PT e seus aliados também cuidarão bem. Economia já vai melhorar com a volta da confiança no Brasil. Existem novas lideranças surgindo, não só do PT, frutos dos anos Fernando Henrique Cardoso e principalmente do primeiro mandato do Lula. Teremos 4 anos para a esquerda restabelecer um ambiente propício para a confirmação desta nova geração que, espero eu, consiga reinventar a política brasileira.

Por que nenhum jogador de futebol ousou se posicionar contra Bolsonaro nesses quatro anos? Onde está o legado de seu irmão mais velho Sócrates?

O Brasil e muitos brasileiros ficamos estarrecidos com tudo que aconteceu. Outros acreditaram em mentiras, e negaram até a ciência. E outra parte apoia este governo que, a meu ver e segundo meus valores básicos, é inaceitável. Temo que mais do que silêncio, grande parte dos atletas de futebol estejam nestas duas últimas opções. E os que se calam, nesse caso, talvez não saibam, mas estão de um lado. Ainda bem que Sócrates é eterno, e ainda influenciará muitas e muitas gerações futuras.

Você mora mais em Paris agora, isso é uma maneira de se distanciar de um país que o decepcionou?

Seguramente me decepcionou! Mas não irá nos decepcionar desta vez! Estou na França porque amo Paris, e faço um mestrado em Políticas Públicas para respirar, me reciclar, e implantar tudo que estou aprendendo e construindo aqui, no Brasil! Porque amo o Brasil e meu povo! E amo ainda mais o Brasil que sonhamos.