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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crédito ou débito? Há 25 anos, F-1 conhecia seu maior fracasso

O brasileiro Ricardo Rosset na equipe Lola em 1997 - Divulgação/Lola
O brasileiro Ricardo Rosset na equipe Lola em 1997 Imagem: Divulgação/Lola

Colunista do UOL

11/04/2022 04h00

Esta é parte da versão online da edição deste domingo (10/4) da newsletter de Flavio Gomes. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Essa aqui é da série "Efemérides que ninguém lembra (e nem se importa)". Mas como fez 25 anos, resolvi contar.

(Sim, eu sei que a Ferrari ganhou em Melbourne, que Leclerc virou favorito ao título, que Verstappen está trincando os dentes de raiva depois do segundo abandono em três corridas e que a Mercedes segue com seu calvário para transformar um carro mal nascido em algo minimamente competitivo. Mas você também sabe, o GP da Austrália disputado na madrugada de domingo já é notícia velha e, cá entre nós, a corrida nem foi tudo isso.)

Assim, vamos voltar no tempo.

Vivíamos o Ano da Graça de 1997, Damon Hill havia conquistado o título na temporada anterior e, mesmo assim, fora demitido pela Williams. Sem que ninguém muito interessante se apresentasse para contratá-lo, acabou assinando com a pequena Arrows, para onde levaria o número 1 do campeão. Assumiria um dos carros que tinha sido pilotado em 1996 por um brasileiro, o paulista Ricardo Rosset.

Vice-campeão da F-3000 em 1995, Rosset fez uma temporada de estreia apagada na F-1 pelo time, que desde 1991 vinha sendo inscrito no Mundial como Footwork — nome de seu principal patrocinador, uma empresa de logística pertencente ao milionário japonês Wataru Ohashi; comprada pelo escocês Tom Walkinshaw em 1996, recuperou o nome original em 1997 e passou a se chamar TWR Arrows. Voltando a Rosset, seu melhor resultado foi um oitavo lugar na Hungria e a melhor posição de grid, um 17º em Portugal.

O piloto não ficou na Arrows para 1997 e estava sem equipe a pouco mais de um mês do início do campeonato. Foi quando surgiram em sua vida a Lola e a MasterCard.

Fundada em 1958 por Eric Broadley, a Lola tinha excelente reputação no automobilismo internacional como construtora de chassis e carros de corrida sortidos. A sede ficava em Huntingdon, na Inglaterra, empregava 110 funcionários e seu centro tecnológico fora inaugurado em 1991 com a presença do primeiro-ministro britânico John Major. A lista de sucessos de seus carros era imensa, com vitórias na Indy, na F-3000 japonesa (a F-Nippon), na Can-Am, participações em Le Mans e tudo mais. Era uma marca de respeito.

A MasterCard, como se diz, dispensa apresentações. "Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras existe MasterCard". Lembram? Em 1997, colocava-se como "uma companhia de meios de pagamento com uma das marcas mais reconhecidas em todo o mundo", tinha uma carteira de 370 milhões de cartões de crédito aceitos em 13 milhões de estabelecimentos ao redor do planeta e faturara, em 1995, US$ 500 bilhões.

Uau. Lola e MasterCard resolveram se juntar para formar uma equipe de Fórmula 1.

O brasileiro Ricardo Rosset e o italiano Vincenzo Sospiri na apresentação da Lola - Divulgação/Lola - Divulgação/Lola
O brasileiro Ricardo Rosset e o italiano Vincenzo Sospiri na apresentação da Lola
Imagem: Divulgação/Lola

"Com um conceito pioneiro de marketing, a MasterCard está colocando, pela primeira vez, os consumidores — portadores de cartões — como parceiros e sócios do patrocínio de uma equipe", dizia o press release distribuído aos jornalistas brasileiros na apresentação do projeto.

A ideia era criar um cartão chamado F1 Club vinculado à MasterCard Lola F1 Racing Team, e com as anuidades pagas por seus usuários, financiar o time. O plano previa, para o primeiro ano, 100 mil associados que poderiam se inscrever em três categorias em troca de "vantagens e prêmios". Entre eles, kit com camiseta e pin da equipe, descontos em assinaturas de revistas especializadas em automobilismo, "acesso ao website dos pilotos, com quem poderão conversar pela internet", jaquetas, relógios, chaveiros, "acesso a festas exclusivas em 'sports bars' para assistir às corridas", entradas para paddocks de GPs e até jantares privativos com a dupla escalada para guiar seus carros.

Uau de novo. Não tinha como dar errado, tinha? Muito dinheiro de patrocínio, um desenho comercial infalível lastreado nos milhões de usuários potenciais de um cartão de crédito personalizado, uma fábrica como a Lola para fazer os chassis, olha... que coisa mais supimpa! Rosset foi convidado para ser um dos pilotos. O outro seria o italiano Vincenzo Sospiri, campeão da F-3000 em 1995 e piloto de testes da Benetton.

Tudo pronto, então?

Bom, mais ou menos. A parceria foi anunciada em janeiro. O Mundial de 1997 começaria na Austrália em 9 de março. E não havia ainda um carro. Que, em se tratando de uma equipe de Fórmula 1, é objeto de alguma relevância.

Com a grana da MasterCard pingando na área, Broadley, o dono da Lola, entendeu que tinha de chutar de qualquer jeito. Às pressas, catou um chassi concebido para a Indy, foi atrás do espólio da risível Forti Corse — que fechara as portas no ano anterior — para conseguir motores (pegou uns Ford-Zetec V8 de segunda mão), mandou pintar a carenagem com as cores do cartão de crédito e, no dia 20 de fevereiro, apresentou à imprensa o carro batizado como T97/30. Depois, fez um "shakedown" na pista de arrancadas de Santa Pod, um teste fajuto em Silverstone (o carro de Sospiri pegou fogo e mal andou), encaixotou tudo e colocou num avião rumo à Austrália para a abertura do campeonato.

Em Melbourne, no mesmo Albert Park onde 25 anos depois Charles Leclerc venceria pela segunda vez na temporada, a Lola deixou os boxes se arrastando e a melhor volta de Rosset no primeiro treino livre foi 8s6 pior que a do primeiro colocado. Sospiri ficou 10s atrás.

O italiano Vincenzo Sospiri pilotando o seu Lola em 1997 - Divulgação/Lola - Divulgação/Lola
O italiano Vincenzo Sospiri pilotando o seu Lola em 1997
Imagem: Divulgação/Lola

"Nada funcionava. O câmbio eletrônico não trocava as marchas. Chegamos a cogitar a colocação de uma alavanca manual", contou o brasileiro anos depois. Na classificação, Jacques Villeneuve, então na Williams, fez a pole com uma volta em 1min29s369. Pela regra dos 107%, o tempo máximo para obter uma vaga no grid era de 1min35s625. Sospiri fez sua melhor volta em 1min40s972, 11s603 acima da pole. O tempo de Rosset foi ainda pior: 1min42s086, 12s717 mais lento que o canadense. Nenhum deles, claro, largou.

Três semanas depois, no dia 30 de março, seria realizado o GP do Brasil. Quando se apresentou em Interlagos para o início dos trabalhos, no meio da semana, Rosset encontrou os boxes da Lola fechados. Nenhum carro tinha sido montado. Os equipamentos estavam fechados nas caixas e não havia viv'alma na garagem para explicar a ele o que estava acontecendo. Sospiri telefonou do hotel e pediu para o colega salvar o macacão e seu capacete.

Tinha sido informado que a MasterCard decidira cancelar o patrocínio, os cartões personalizados, os jantares privados, as jaquetas, os bonés e as camisetas. Não ia colocar mais nenhum tostão naquela aventura. O time faliu. Da apresentação do carro ao encerramento das atividades, passaram-se 34 dias. As dívidas, na época, foram calculadas em 6 milhões de libras.

Naquele ano, além da Lola, outra pequena equipe faria sua estreia na categoria, a Stewart Grand Prix. Um de seus pilotos era Rubens Barrichello. O outro, Jan Magnussen — pai de Kevin Magnussen, hoje na Haas. No fim de 1999, a Ford comprou o time e o renomeou como Jaguar a partir da temporada de 2000. Em 2004, a montadora norte-americana resolveu encerrar suas operações na F-1 e colocou a equipe à venda. Ela foi comprada por uma fabricante de bebidas energéticas austríaca. Virou Red Bull.

Quebrado, Broadley vendeu a Lola em 1998 ao ex-piloto e empresário irlandês Martin Birrane. A fábrica fechou as portas em 2012. Broadley morreu em 2017. Birrane, em 2018. Rosset ainda faria uma temporada pela Tyrrell, em 1998. Sospiri nunca disputou um GP de F-1. A MasterCard segue fazendo cartões de crédito e desde 2016 se chama Mastercard, com "c" minúsculo.

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