Topo

Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pílulas do Dia Seguinte: É preciso lembrar do olhar de Leclerc

Charles Leclerc em entrevista após conquistar o segundo lugar na corrida de classificação do GP da Áustria - Reprodução/F1TV
Charles Leclerc em entrevista após conquistar o segundo lugar na corrida de classificação do GP da Áustria Imagem: Reprodução/F1TV

Colunista do UOL

11/07/2022 10h25

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Piloto bom é bicho matreiro, observador, detalhista. Passa a vida acelerando carros, buscando milésimos de segundo, aguçando os sentidos para isso. Não fala publicamente sobre seus planos. Mas quando percebe uma chance, não tem jeito, os olhos entregam. Brilham;

Para entender o que aconteceu no domingo em Spielberg é preciso voltar ao sábado. É preciso analisar o comportamento dos pneus de Verstappen e Leclerc na corrida sprint. É preciso reler as entrevistas dos dois ao deixar os carros. É preciso lembrar do olhar do ferrarista;

Verstappen largou bem no sábado e resolveu apertar o ritmo de início. Sua ideia era escapar do DRS de Leclerc e fazer uma prova tranquila. Ao fim da primeira volta, já tinha 1s023 de vantagem. Na segunda, 1s862. A diferença chegou ao pico na nona volta: 2s949. É muita coisa. Enquanto isso, o monegasco tinha outra preocupação: defender-se dos ataques de Sainz. Nas voltas finais, a folga do holandês começou a baixar. Venceu por 1s675;

Foi aí que Leclerc enxergou sua grande oportunidade do fim de semana. Foi aí que seus olhos brilharam. "O ritmo está lá. E, sim, estou animado. Perdi um pouco de tempo na luta com o Carlos na primeira parte da corrida, tentando poupar pneus e depois forçar no fim. Quando forcei, senti que o carro e os pneus responderam bem, estão estou otimista", disse, esboçando um sorriso;

Verstappen é um cara mais contido, menos expressivo. Mas, no sábado, preferiu a cautela mesmo após uma vitória tão tranquila: "Não foi ruim. As primeiras voltas foram muito importantes para abrir a vantagem. Depois, é claro, me beneficiei com a briga entre eles. Mas eles foram muito rápidos nas últimas voltas, então espero uma luta apertada na corrida";

max1 - Joerg Mitter/Red Bull - Joerg Mitter/Red Bull
Max Verstappen e Charles Leclerc se cumprimentam ao fim do GP da Áustria, em Spielberg
Imagem: Joerg Mitter/Red Bull

Foi isso. Depois de 23 voltas no sábado ninguém queria mostrar seu jogo, mas as cartas estavam distribuídas. E foram colocadas na mesa logo no início do GP. Desde sábado, Leclerc sabia que teria vantagem no uso dos pneus. Percebeu que, numa sequência maior de voltas, sem ser atrapalhado por ninguém, teria condições de lutar pela vitória. Deu certo;

Mas por que os pneus de Verstappen sofreram tanto em Spielberg? No paddock de Spielberg, Marko, o conselheiro da equipe, disse que ainda buscava entender. "Foi muito estranho. Os três primeiros jogos de pneus ficaram muito degradados. E o engraçado é que o último jogo funcionou bem, voltamos a ser rápidos. Não tem explicação." Já Horner, chefe da equipe, surgiu com três suspeitas: "A queda de temperatura. O tanque de combustível. Ou a chuva que caiu na madrugada e acabou com a aderência da pista. Esses carros são muito sensíveis";

A "Auto, Motor und Sport", da Alemanha, sempre bem informada, defende outra tese: o desgaste de pneus é consequência de ganho de peso após as últimas atualizações. O RB18, hoje, estaria 10 quilos mais pesado do que a Ferrari. Quando Horner fala em "tanque de combustível", talvez seja isso. Faz sentido. Em 23 voltas, com os pilotos de trás se enroscando, Verstappen conseguiu se manter à frente. Em 71, com Leclerc livre para atacar, foi impossível;

maxpit - Reprodução/F1TV - Reprodução/F1TV
Max Verstappen, da Red Bull, faz o primeiro dos seus três pit stops no GP da Áustria
Imagem: Reprodução/F1TV

Caso a informação esteja correta, a Red Bull vai ter muito trabalho nas próximas semanas. A Ferrari hoje está muito próxima do limite mínimo de peso, 798 kg. Chegar lá não é fácil;

A FIA divulgou uma nota após o GP defendendo-se das críticas dos pilotos aos "limites de pista" em Spielberg. Diz que o monitoramento dos limites "seguiu o critério das últimas corridas" e que "a linha branca foi implementada após discussões que envolveram os pilotos, com o objetivo de deixar as corridas mais claras para os competidores e os torcedores";

A nota é patética, a visão da FIA sobre o assunto é ridícula. Foram 43 advertências durante a corrida. Quatro pilotos foram punidos: Vettel, Gasly, Zhou e Norris. Verstappen chamou o rigor da FIA de "piada" e tem razão. Ele lembrou um ponto importante: as corridas da F2 e da F3 também foram submetidas a isso. Que tipo de piloto a FIA quer formar? Já escrevi isso no ano passado, repito agora: já passou da hora de a F1 simplesmente seguir um velho lema do automobilismo: "If it's grey, it's OK!" Algo como "se é cinza, se é asfalto, tá valendo";

batalha1 - Reprodução/F1TV - Reprodução/F1TV
Kevin Magnussen, Fernando Alonso, Lando Norris, Guanyu Zhou e Mick Schumacher disputam posições no GP
Imagem: Reprodução/F1TV

Por outro lado, Spielberg mostrou o melhor do novo Regulamento Técnico da F1. Foram 67 ultrapassagens! Em 2021, as duas etapas de Spielberg somadas tiveram 62. A batalha entre Norris, Magnussen, Schumacher, Alonso e Zhou na primeira metade da prova é a melhor ilustração para o acerto das mudanças. Até o ano passado, aqueles carros simplesmente não conseguiriam se aproximar uns dos outros sem enfrentar turbulência;

Outras duas estatísticas curiosas: foi a primeira vez que Leclerc venceu uma prova sem largar da pole, e Hamilton é o único piloto do grid a fechar a primeira parte do Mundial sem um abandono. Sobre o primeiro, já escrevi bastante aqui. Sobre o segundo: ainda sem carro para duelar lá na frente, a Mercedes adotou uma estratégia inteligente. Apostou na consistência. Russell hoje está a apenas cinco pontos de Sainz no campeonato, e o heptacampeão, que chegou a ser sétimo, já deixou Norris bem pra trás;

Colton Herta foi escalado pela McLaren para rodar com o carro de 2021 hoje e amanhã em Portimão. Will Stevens, piloto de testes da equipe, também estará em ação. Brown, chefe da equipe, negou no fim de semana que esteja pensando em mandar Ricciardo para a Indy. Este teste certamente não ajuda a abafar a história;

Escrevi ontem, aqui, sobre as manifestações racistas, sexistas e homofóbicas das arquibancadas de Spielberg. Pilotos e dirigentes fizeram duras críticas após a corrida. E o Flavio Gomes arrematou o assunto na sua newsletter desta segunda-feira. "Passou da hora de exigir que os agressores se desculpem e paguem pelo que fizeram", escreveu o amigo. Quem já esteve numa arquibancada de Interlagos sabe do que estamos falando. Que os episódios lamentáveis de Spielberg façam os promotores do GP de São Paulo se movimentarem para ações preventivas e punitivas;

Onze corridas já foram disputadas, há onze à frente. Verstappen ainda é o favorito. Mas Spielberg nos mandou uma mensagem. É preciso saber lê-la, como fez Leclerc.