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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pílulas do Dia Seguinte: Leclerc tem toda a razão em estar indignado

Carlos Sainz é abraçado por integrantes da Ferrari após sua primeira vitória na F1, em Silverstone  - Ferrari
Carlos Sainz é abraçado por integrantes da Ferrari após sua primeira vitória na F1, em Silverstone Imagem: Ferrari

Colunista do UOL

04/07/2022 08h18

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"A quantidade de tempo que perdemos nessa corrida... Puta merda. A única coisa boa é que Carlos ganhou. Mas, caras... Bom... Que aproveitem a vitória." Esta foi a mensagem de Leclerc pelo rádio ao cruzar a linha de chegada e explica o dedo em riste de Binotto para o monegasco assim que ele saiu do carro. Não foi preciso ouvir a conversa, o gestual entregou tudo;

Aí houve a repetição de um fenômeno antigo na F1 quando envolve pilotos da Ferrari. O discurso para a imprensa em geral é um, as declarações para a imprensa italiana são outras. Até porque as perguntas que partem dos italianos são mais incisivas, em tom de cobrança. Ler o que Leclerc disse aqui e ali é curioso. Não parece ser a mesma pessoa;

Na "Autosport", inglesa: "Não quero comentar agora, quero conversar com a equipe e ter uma visão completa dos motivos. Eu estava muito forte no começo e depois perdemos tempo. Não sei se mudaria o resultado, acho que não, mas precisamos checar essas coisas". Questionado se discutiu com a equipe sobre a estratégia do final do GP, respondeu assim: "Não, porque eu já estava muito próximo da entrada dos boxes e me disseram pra não entrar. Obviamente não dá para fazer algo assim sem estar alinhado com a equipe";

Na "Gazzetta dello Sport", italiana: "É mais uma corrida que termina sem o resultado que queríamos. Eu estava na liderança durante o safety car, mas foi decidido que o carro que entraria para a troca de pneus seria o do Carlos. Obviamente para mim não essa não foi uma decisão justa. Dei tudo até o fim, mas foi o Carlos que ficou bem na batalha contra Pérez e Hamilton. Não sou ninguém para pedir esclarecimentos à equipe, não quero que minha decepção ofusque a felicidade pela primeira vitória do Carlos... Mas é frustrante";

Prefiro acreditar nesta versão sem verniz, que vai na mesma linha de indignação da sua mensagem pelo rádio, ainda no calor do momento. E Leclerc tem toda a razão. A Ferrari, GP após GP, vem jogando pontos pela janela. Uma coisa é o poderio da Red Bull e a fase exuberante de Verstappen. Outra são os tropeços da Ferrari nas próprias pernas;

Em Mônaco, os italianos se embananaram na troca de pneus. Foi o dia em que o monegasco ouviu: "Box para pneus duros, box para pneus duros... Continue na pista!". Após aquela prova, Binotto lançou: "Temos que admitir que erramos. Erramos nos nossos julgamentos e nas nossas decisões." Em Montréal, Sainz poderia ter vencido se tivesse colocado pneus macios no final. Em Silverstone a vitória ficou em casa, é verdade, mas e a disputa do título? Leclerc está 43 pontos atrás de Verstappen. Seriam 17 se ele tivesse vencido as duas corridas;

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Mattia Binotto, chefe da Ferrari, conversa com Charles Leclerc ao fim do GP da Inglaterra
Imagem: F1TV/Reprodução

A explicação de Binotto ontem: "Nossos carros estavam muito próximos para um pit stop duplo. Então tivemos que escolher. Charles estava liderando, então ele continuaria na ponta. E os pneus dele eram mais novos que os do Carlos... Esperávamos que ele pudesse proteger Charles naquelas voltas. Também esperávamos que os pneus macios degradassem mais rapidamente. Charles teria algumas voltas difíceis, mas depois se recuperaria". Tudo errado;

O gráfico abaixo, divulgado pela Pirelli antes do GP da Inglaterra, escancara o tamanho do prejuízo de Leclerc naquelas dez voltas finais. Em Silverstone, os pneus duros eram 2s2 mais lentos que os macios. No fim da prova, ele tinha os duros. Sainz, Hamilton, Pérez, Alonso, Norris, Verstappen estavam todos com compostos macios. Não tinha como segurar...;

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Gráfico da Pirelli mostra as diferenças entre os tipos de pneus à disposição dos pilotos em Silverstone
Imagem: Pirelli

Noves fora o erro com Leclerc, é sempre legal ver um novo vencedor na F1. Ao longo da história, 885 homens e mulheres participaram de fins de semana na categoria. Sainz tornou-se o 112º a vencer um GP. Do grid atual, 11 dos 20 pilotos agora têm ao menos uma vitória;

Horner descreveu os danos ao assoalho de Verstappen como um "ataque de tubarão". A triste ironia para a empresa de energéticos: o problema foi causado por um pedaço de um AlphaTauri que ficou pela pista após o choque entre Tsunoda e Gasly. "Este pedaço ficou preso no assoalho até o fim da corrida. Toda a aerodinâmica do carro foi modificada", explicou;

A Mercedes está de volta? Está, mas não é aquela Mercedes dominadora dos últimos anos. É, na sua nova versão 2022, uma equipe capaz de lutar por poles e vitórias eventuais. Com Hamilton no cockpit, é bem capaz que esta vitória venha logo. Mas não irá muito além disso;

Largando em 19º, Schumacher terminou em oitavo e enfim marcou seus primeiros pontos na F1. Falamos tanto de Leclerc, de Pérez, de Sainz... Mas será que o "piloto do dia" não foi o alemão? Tanto como o espanhol da Ferrari, ele tirou ontem um caminhão de peso dos ombros. "Ajuda muito no Mundial de Construtores, mas para mim é ótimo para afastar as perguntas sobre me futuro e focar no que realmente importa, que é correr", disse;

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A Alfa Romeo de Guanyu Zhou atravessa a pista de Silverstone antes de capotar e ficar presa no alambrado
Imagem: Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images

Não dá para terminar sem falar do halo. Só ontem aquela proteção ao redor do cockpit salvou duas vidas: a de Roy Nissany, piloto israelense da F2, e da Guanyu Zhou, o primeiro chinês a correr na F1. É a melhor invenção do automobilismo nas últimas décadas. Tudo muito bom, tudo muito bem, todos felizes no fim da história. Mas a F1 precisa olhar para Silverstone com o mesmo rigor com que vistoria outros circuitos mundo afora. Suas áreas de escape e suas "zebras salsicha" precisam ser revistas.