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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

FIA faz lambança e cria o GP da Krakozhia

Pérez com a Red Bull no segundo treino livre para o GP de Mônaco, quinta etapa do Mundial de F-1 - Andrej Isakovic/AFP
Pérez com a Red Bull no segundo treino livre para o GP de Mônaco, quinta etapa do Mundial de F-1 Imagem: Andrej Isakovic/AFP

Colunista do UOL

21/05/2021 13h00

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Vocês devem lembrar de "O Terminal", filme de 2004, em que Tom Hanks interpreta um viajante de uma nação fictícia, Krakozhia, que fica preso no aeroporto de Nova York porque seu país entra em guerra civil e deixa de existir. Ele não tem permissão para entrar nos EUA nem consegue voltar pra casa. Krakozhia, de uma hora pra outra, virou uma terra de ninguém.

Pois a FIA conseguiu produzir uma situação tão bizarra como essa. Criou uma zona cinzenta no regulamento que vai durar por mais dois GPs. E, assim, realizou a proeza de deixar todo mundo descontente.

No centro da discussão está o artigo 3.8 do Regulamento Técnico da F-1 que vira e mexe, há 20 anos, vem à tona. Em suma, a regra proíbe partes móveis ou flexíveis na carenagem dos carros. A única exceção, claro, é o DRS, que tem todo um capítulo dedicado a ele.

Ocorre que, neste ano, algumas equipes voltaram a usar asas traseiras flexíveis. Não é algo novo. Em 2016, por exemplo, Ferrari e Red Bull foram acusadas de adotarem a artimanha, mas passaram nas vistorias técnicas.

Agora, porém, a coisa tomou rumos diferentes.

Imagens de câmeras onboard nas últimas corridas mostraram os aerofólios traseiros da Red Bull, da AlfaRomeo, da Alpine e da Ferrari cedendo em trechos de alta velocidade. Isso confere uma vantagem importante para os carros, já que reduz o arrasto aerodinâmico nas retas. Nas curvas, o aerofólio volta à posição normal, facilitando o trabalho dos pilotos.

Este vídeo aqui, que compara os movimentos das asas de Verstappen e Bottas na Espanha, não deixa dúvidas...

Houve protestos, claro. Muita gente chiou, Mercedes à frente.

"As Red Bulls estão muito rápidas na reta. Eles têm aquelas asas flexíveis e conseguem pelo menos 3 décimos de segundo por causa delas", disse Hamilton, após a sessão classificatória de Barcelona.

Então a FIA resolveu agir. Da pior maneira possível. A entidade anunciou que vai aplicar testes mais rigorosos nos aerofólios. Mas só a partir do GP da França, sétima etapa do campeonato, em 20 de junho. Alega que precisará desse prazo para preparar o novo protocolo.

Assim, criou uma zona cinzenta por dois GPs: Mônaco, neste fim de semana, e Azerbaijão, no dia 6 de junho. Institucionalizou o vale tudo.

A lambança pode levar a questão para onde o esporte jamais deveria ser decidido: aos tribunais.

wolff asas - Andrej Isakovic/AFP - Andrej Isakovic/AFP
Wolff, da Mercedes, que ameaça protestar contra as asas flexíveis
Imagem: Andrej Isakovic/AFP

"É incompreensível. Adiar o início dos testes por qualquer razão cria um vácuo de legalidade e abre as portas para todo tipo de protesto. Não apenas nós, mas outras equipes que se sentirem prejudicadas podem ir à Corte de Apelações da FIA", afirmou Wolff, o chefe da Mercedes, em Mônaco. "Discordamos fortemente desse cronograma da FIA. É inaceitável que a FIA faça vistas grossas a uma infração do regulamento", completou Seidl, da McLaren.

No principado, diga-se, a vantagem de usar asa flexível é inexistente. Trata-se de um circuito travado, com retas muito curtas, em que a aerodinâmica perde protagonismo.

Mas em Baku, etapa seguinte do campeonato, a situação é outra. É um circuito com uma reta de 2,2 km e que registra algumas das maiores velocidades da temporada. Será uma prova sem lei. O GP do Azerbaijão poderia mudar de nome: a FIA criou o GP da Krakozhia.

Um esporte como a F-1, que movimenta fortunas, e um campeonato tão legal como o que estamos acompanhando mereciam tratamento melhor.