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Zaidan: Centenário da Portuguesa, história e a luta pela sobrevivência

26/01/2020 09h05

A Portuguesa fará cem anos. Certamente, no próximo agosto, reaparecerá na TV, avançará por longos minutos no rádio, será esmiuçada em portais, provocará compridas linhas nos jornais. Contarão sua história, seus caminhos, e irão cobri-la com as três fitas azuis, e lançarão elogios aos títulos no Rio-Sao Paulo.

Como chegará aos ventos de agosto? Em que estado será encontrada pelo centenário?

Faz poucos dias, o repórter Lucas Herrero, da rádio Bandeirantes, se embrenhou na situação da Portuguesa, ouviu o presidente, o ex-presidente, o torcedor que ajudou na recuperação do refeitório; descobriu o tamanho da dívida, soube dos recursos que chegam e não ficam, pois são imediatamente bloqueados; relatou a demolição do parque aquático, a derrubada de esperanças, os meios que o clube inventa para resistir e sobreviver.

Trabalho de primeira linha do Herrero, que ouviu também João Carlos Martins, extraordinário intérprete da obra de Bach. Martins, que, golpeado por incidentes da vida, desafiou as dificuldades inesperadas e tratou de reger. O maestro torce para a Portuguesa, foi designado embaixador do clube nestes tempos de centenário e deve ser tomado no Canindé como exemplo, um pioneiro nas trilhas improváveis.

O dia da fundação não foi coisa aleatória ou escolha forjada por circunstância. Gente de cinco agremiações da colônia portuguesa resolveu se unir em uma só associação, um só clube representativo deles todos, de sua cultura, de sua história. A data, 14 de agosto, é notória referência à decisiva batalha de Aljubarrota, disputada em 1385, quando Portugal venceu a Espanha, conquistou independência e firmou seu reino.

A Portuguesa é vivência única. Há clubes que brilham de repente, arrumam inesperadamente um bom time e, às vezes, ganham títulos; em seguida, voltam ao seu lugar. A história da Portuguesa é outra: seus craques e seus grandes times se espalham pelos tempos, distribuídos pela existência centenária.

Uma ala direita com Djalma Santos e Julinho Botelho já bastaria para marcar um clube, revelar sua importância. E a camisa da Portuguesa também vestiu Filó, brasileiro campeão do Mundo com a Itália em 1934. E foi vestida por Carioca, Nininho, Batatais, Noronha, Brandãosinho, Nena, Simão, Brandão, Muca, Cabeção, Sílvio Major e Pinga; e por Orlando, Ditão, Henrique Frade, Servílio e Pampolini; e pelos extraordinários Dida e Ipojucan.

Ivair foi emblemático: conseguiu ser memorável nos embates contra o formidável Santos de Pelé, ou contra a academia palmeirense de Ademir. E chegaram Félix, Zé Maria, Marinho Peres e Leivinha. Surgiu Enéas, inventando fintas, fazendo gols notáveis, abrindo o caminho até ao jogo decisivo contra o Santos; ao fim, a conta errada de Armando Marques, a taça compartilhada, o registro histórico: o título paulista em 73 foi o último de Pelé e também, até estes dias, o derradeiro da Portuguesa.

O Canindé foi casa de Badeco, Cabinho, Basílio, Wisinho; foi berço de Dener, atacante de talentos raros. Em 96, Zé Roberto, Emerson, Fabri e aquele bom time dirigido pelo Candinho estiveram muito próximos do troféu nacional e daquela que teria sido a principal conquista do clube.

Notem, são décadas e décadas formando times bons, juntando jogadores de alto nível — alguns deles, craques de primeira categoria. É uma grande história, espalhada pelos tempos, repleta de talentos excepcionais, mas desafiada pelos acontecimentos dos últimos anos: tombos, dramas, aridez, magrém.

Amarfanhada, tocada pelo cansaço, sobrevivente de lutas duras, a Portuguesa vai chegando aos cem anos. E cá estamos nós, esperando, torcendo pela recuperação completa de um clube especial. Que a restauração nos surpreenda como os milagres que nos são contados, sem palavras, na inigualável música de Bach.

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