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André Rocha

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Não é tão simples mexer no quarteto ofensivo histórico do Flamengo

Arrascaeta, Gabigol, Bruno Henrique e Everton Ribeiro foram o quarteto ofensivo do Flamengo - Alexandre Vidal/Flamengo
Arrascaeta, Gabigol, Bruno Henrique e Everton Ribeiro foram o quarteto ofensivo do Flamengo Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Colunista do UOL Esporte

02/05/2021 08h00

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Jorge Jesus chegou ao Flamengo em junho de 2019 com um modelo de ataque na cabeça. Partindo da presença de um centroavante mais típico como referência, um padrão em suas equipes. Não só para receber cruzamentos, mas também distribuir os demais jogadores dentro do 4-1-3-2 que é a base tática do treinador português.

Como a diretoria rubro-negra não conseguiu viabilizar a contratação de um "nove", Jesus resolveu trabalhar com o que tinha e descobriu um quarteto ofensivo de encaixe quase perfeito: Everton Ribeiro era o "ponta armador" canhoto partindo da direita para articular, atuando em uma faixa próxima do volante mais adiantado (Gerson) e também mais solidário e participativo sem bola; Arrascaeta, um "dez" jogando pela esquerda, mas também centralizando e circulando para, na zona de decisão, desequilibrar com gols e assistências.

Na frente, uma dupla que trazia entrosamento do Santos e carregava características parecidas, porém complementares: Gabigol e Bruno Henrique são rápidos, bons finalizadores e móveis. Podem jogar de fora para dentro ou vice-versa, embora o camisa nove, canhoto, renda mais vindo da direita para o meio e o 27, destro, o mesmo da esquerda para dentro.

A versatilidade permite variações muito exploradas por Jesus. Como o 4-2-3-1 com Arrascaeta pela direita, Everton Ribeiro por dentro e Bruno Henrique à esquerda no início da final da Libertadores em Lima. Ou o 4-2-2-2 que tinha Gabigol e Bruno Henrique abertos e os meias por dentro, alternando como "falso nove" dos 3 a 0 sobre o Athletico na Supercopa do Brasil 2020.

Corte para o início desta temporada. Everton Ribeiro e Bruno Henrique tiveram uma sensível queda de desempenho desde a reta final do Brasileiro. Ambos na faixa dos 30 anos, com temporadas desgastantes e pouco descanso. Natural a oscilação. As trocas de treinador também não ajudaram e as características exigem plena forma.

Everton Ribeiro é meia de condução de bola, drible e do passe diferente. A tendência de qualquer jogador quando não vive um bom momento é arriscar menos, jogar simples. Ele não consegue. Erra e segue tentando, mesmo sem confiança. Acaba mais exposto e, num time ofensivo, algumas bolas perdidas significam contra-ataques do adversário.

Bruno Henrique é atacante de velocidade. Precisa de campo para acelerar porque não é de explosão imediata. Não dá um "tapa" e dispara. Por isso tem que se mexer e receber em profundidade. Domènec Torrent e Rogério Ceni são adeptos de um ataque mais posicional. Com isso, Bruno acaba na maior parte do tempo se fixando do lado esquerdo e tendo seu potencial subaproveitado. Desperdício.

Nos últimos jogos, especialmente nos 3 a 0 sobre o Volta Redonda no Raulino de Oliveira pela ida da semifinal do Carioca, o trio ofensivo reserva tem obtido relativo destaque: Vitinho cresceu atuando mais centralizado, como funcionava melhor com Dome. Mais perto da área adversária, onde seus dribles e suas finalizações podem ser decisivos.

Michael está voando pela esquerda, embora também apareça pela direita, e já entregou seis assistências. Pedro está mais forte e, com o primeiro "triplete" no Flamengo, chegou a seis gols no estadual. Sete na temporada contando a obra-prima contra o Uníon La Calera. O maior reserva de luxo do país.

Cresce a pressão para Ceni mexer na equipe, porém não é tão fácil. Trocar Everton Ribeiro por Vitinho significa adicionar mais um atacante e perder a conexão com os meio-campistas, com e sem bola. Michael não parece pronto para substituir Bruno Henrique no mais alto nível. Até pela fragilidade física que em jogos grandes faz o ponteiro contratado ao Goiás parecer uma criança no meio dos adultos. O ataque também perderia força no jogo aéreo e Filipe Luís um companheiro que auxilia mais na recomposição.

Por fim, Pedro. Talvez a troca mais viável. No lugar de Everton ou Bruno Henrique. Nos dois casos, Gabigol teria que se movimentar ainda mais e ser mais participativo sem bola. Possível em alguns jogos, porém de difícil adaptação em outros.

E uma curiosidade: até sair em julho do ano passado, Jorge Jesus trabalhava com Pedro para que ele jogasse dentro de uma dinâmica de dupla de ataque, não como a referência. Justamente pelo encaixe das demais peças. Mesmo com oscilações, o setor ofensivo só era modificado por necessidade - lesões, suspensões ou convocações.

Ceni pode mudar. Futebol é dinâmico e sempre é possível, e até saudável, encontrar novas soluções. Mas não é simples mexer em um quarteto histórico. Requer tempo e treino, sem improviso ou "mágica". Mesmo com qualidade na reserva, a margem de manobra não é tão grande. Ainda vale mais investir na recuperação dos titulares.