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André Rocha

Não é difícil entender o que acontece com o Cruzeiro de Felipão

Felipão, durante a partida entre Cruzeiro e Cuiabá - Fernando Moreno/AGIF
Felipão, durante a partida entre Cruzeiro e Cuiabá Imagem: Fernando Moreno/AGIF

Colunista do UOL Esporte

30/12/2020 09h17

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Luiz Felipe Scolari surpreendeu e arriscou um dos currículos mais vitoriosos da história do futebol brasileiro ao assumir o comando técnico do Cruzeiro na Série B em outubro, sucedendo Ney Franco.

Diante do buraco financeiro em que o clube mineiro se enfiou, o treinador já chegou propondo uma meta baixa, ou realista: evitar o rebaixamento e preparar o time para tentar subir em 2021. A irregularidade e o déficit de seis pontos na competição por punição da FIFA pesavam para um planejamento tão modesto para um gigante nacional.

Mas Felipão começou bem: vitória na estreia, na 17ª rodada, contra o Operário, fora de casa, e mais seis jogos invictos - três vitórias e três empates, com o ápice no triunfo fora de casa contra a líder Chapecoense por 1 a 0.

O time mineiro ainda teve outro fator de mudança com a volta de Rafael Sóbis. Estreia contra o Figueirense na 22ª rodada e o atacante veterano já é o artilheiro da equipe, com cinco gols em dez partidas.

Ajudando a recuperar a consistência da campanha, mesmo depois da derrota por 2 a 1 para o Confiança, que surpreendeu no Mineirão e tirou a invencibilidade de Scolari. Mas com resposta imediata logo na rodada seguinte, superando o América, time de Lisca que é a "zebra" na Copa do Brasil, por 2 a 1 no Independência. Depois a goleada por 4 a 1 sobre o Brasil de Pelotas.

Nas últimas partidas, porém, surgiu a oscilação que diminui o sonho do acesso: uma única vitória, no Barradão sobre o Vitória por 1 a 0, e depois empates com CSA e Avaí por 1 a 1, derrota para a Ponte Preta por 2 a 1 e, por último, empate sem gols em casa contra o Cuiabá. Ficando a oito pontos do Juventude, quarto colocado, que ainda joga na rodada, em casa contra a Ponte Preta. Reduzindo a possibilidade de ascender ao G-4 a chances matemáticas. Remotíssimas.

O que aconteceu com o Cruzeiro? Na coletiva depois do último jogo, no Independência, ao ser questionado sobre a queda de produção da equipe, foi simples e direto: "Não sei explicar".

Mas não é difícil de entender. Felipão chegou e, com o simbolismo de sua presença, já mudou as perspectivas. Um tremendo "fato novo" na segunda divisão nacional. E o treinador fez o de sempre em suas equipes: transforma o ambiente, simplifica processos, trabalha um jogo mais direto, correndo menos riscos.

Com o tempo, porém, o repertório fica "manjado" pelos rivais e, dentro de uma Série B em que o Cruzeiro entra como protagonista em todas as partidas, pela camisa e história, é preciso criar mais soluções. E aí entra o grande limitador de Felipão nos últimos trabalhos: a dificuldade de se impor como favorito.

No título brasileiro do Palmeiras há dois anos, os méritos inegáveis, porém um contexto único: o clube priorizou as competições de mata-mata e uma equipe mista, mais leve por não carregar tantas responsabilidades, cresceu no vácuo dos concorrentes Flamengo, Internacional e São Paulo e alcançou a liderança. Com as eliminações na Libertadores e na Copa do Brasil, o "sprint" final que garantiu a conquista.

Agora é diferente. E ainda há os problemas financeiros assombrando o tempo todo. Em campo, William Pottker, outra contratação recente, é mais um que oscila depois de um início até promissor. Felipão não pode ser criticado por falta de trabalho. Ele tenta melhorar a produção ofensiva. No último jogo mexeu no quarteto da frente no 4-2-3-1 mantendo Sóbis e Pottker, mas trocando Jadsom Silva por Giovanni e Airton por Arthur Caíke. Sem sucesso, apesar dos 65% de posse e as 16 finalizações, com seis no alvo.

Foram 38 cruzamentos e 68 bolas longas. Por mais que o futebol atual seja da intensidade e do volume, é preciso gerar espaços. Com movimentação e criatividade para facilitar a infiltração decisiva. Felipão sofre para fazer acontecer, como ocorreu tantas vezes no Palmeiras. Mais ainda quando ganhou status de favorito.

O retorno à Série A provavelmente será adiado. Compreensível por tudo que ocorreu. Com os seis pontos o acesso seria bem mais viável. E os 58% de aproveitamento com Felipão em 16 partidas seriam mais que suficientes para se garantir no G-4 - o Cuiabá, quarto colocado, tem 53% nas 32 rodadas.

Mas o fato é que o Cruzeiro será o primeiro gigante que cai e não sobe no ano seguinte, com a Série B disputada em pontos corridos. Um tremendo problema para quem precisa arrecadar mais para sobreviver e sofre, já no primeiro ano, com a queda brusca da cota de TV, sem a proteção que existia anteriormente.

Felipão ensaiou a arrancada, mas esbarrou nas limitações de seus últimos trabalhos para entregar algo acima do mediano. Fica para o ano que vem.

(Estatísticas: SofaScore)