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André Rocha

Ceni estreia no Flamengo com missão de salvar "herança maldita" de Jesus

Gustavo Henrique e Pedro Rocha com a camisa do Flamengo - Thiago Ribeiro/ Agif
Gustavo Henrique e Pedro Rocha com a camisa do Flamengo Imagem: Thiago Ribeiro/ Agif

Colunista do UOL Esporte

11/11/2020 09h29

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Jorge Jesus chegou ao Flamengo em junho de 2019. Treinou durante a Copa América e estreou no mês seguinte, também num jogo de ida de quartas de final de Copa do Brasil. Ganhou Brasileiro e Libertadores em novembro, encerrou a temporada com vice-mundial perto do Natal.

Voltou de férias em janeiro, com uma semana de treinos já colocou a equipe em campo, venceu Supercopa do Brasil e Recopa Sul-Americana, além da Taça Guanabara, em fevereiro. O futebol parou em março pela pandemia, o Carioca voltou em junho, o Flamengo foi campeão no dia 15 de julho e Jesus se despediu rumo ao Benfica dois dias depois.

Parece que foi uma vida, mas durou pouco mais de um ano. E com cinco títulos e apenas quatro derrotas, o português entrou para a história e ganhou uma aura de infalibilidade, perfeição. Até porque os momentos vitoriosos foram bem mais frequentes que as frustrações em um clube que ajustou as finanças, mas não conseguia traduzir a capacidade de investir em conquistas.

Mas nem todas as ações de Jesus foram certeiras no Flamengo. Há uma "herança maldita" pouco comentada que tem o dedo do português, estourou em cima de Domènec Torrent e agora cai no colo de Rogério Ceni, que estreia contra o São Paulo no Maracanã.

Gustavo Henrique, Léo Pereira, Michael e Pedro Rocha. Quatro das seis contratações no início de 2020 para encorpar o elenco. Ou seja, jogadores que seriam soluções e entregariam qualidade mais próxima dos titulares na ausência destes.

A responsabilidade de Léo Pereira era um pouco maior: repor a saída de Pablo Marí para o Arsenal. Zagueiro canhoto, campeão da Sul-Americana e da Copa do Brasil pelo Athletico e que custou 32,4 milhões de reais ao Flamengo.

Jorge Jesus nunca prometeu titularidade a nenhum deles, nem a Pedro e Thiago Maia, que justificaram o investimento e hoje o clube trabalha para contratá-los em definitivo. Mas tinha a ideia de desenvolver esses jogadores dentro do modelo de jogo para que evoluíssem e fossem cada vez mais úteis o treinador.

Gustavo Henrique, uma oportunidade de mercado depois do contrato encerrado com o Santos, só se adaptou a jogar com defesa adiantada nas mãos de Jorge Sampaoli. No Flamengo nunca se encaixou totalmente e falhou seguidas vezes, sendo duramente criticado por Jesus à beira do campo em vários momentos. Com Domènec os problemas viraram desastre e a insistência do catalão na escalação do defensor foi uma das causas da demissão.

Léo Pereira sofreu um pouco menos, jogou um pouco mais com Jesus, como parceiro de Rodrigo Caio. Mas nunca foi totalmente confiável, a ponto da boa impressão que Natan causou na emergência do surto de Covid-19 tenha alçado rapidamente o jovem formado no clube à condição de titular com Dome.

Já Michael custou 7,5 milhões de euros. Jesus ficou impressionado com o desempenho do atacante no Goiás e viu nele um talento bruto, sem desenvolvimento nas categorias de base, que merecia lapidação. Sem contar a história de vida comovente e o perfil simples e carismático. Mas, a rigor, é um "peladeiro".

Jesus sabia que a melhor maneira de aproveitá-lo enquanto o instruía aos poucos era com espaços para acelerar e driblar em velocidade. De preferência em diagonal da esquerda para dentro. Deu certo no Carioca e contra Barcelona e Junior, os adversários mais fracos do grupo na Libertadores.

Com Domènec, pouco tempo para treinar, maior utilização pelo lado direito e oponentes mais fortes, Michael expõe todas as suas limitações. Técnicas, táticas e cognitivas, com tomadas de decisão erradas quase sempre. Mas tem o mérito de nunca desistir, sempre arriscar e eventualmente alguma tentativa funciona. Mas é muito, muito pouco para tamanho investimento.

Por fim, Pedro Rocha. Emprestado pelo Spartak Moscou, veio para ser reserva de Bruno Henrique, por conta do estilo semelhante. Mas ganhou pouquíssimas oportunidades, justamente porque qualquer brecha no ataque era preenchida quase sempre por Pedro, Vitinho ou Michael. Para o perfil de Jesus, que não era adepto do rodízio e mexia pouco no time, ficou a impressão de exagero, um preciosismo a contratação.

A chegada de Dome, que gosta de pontas em um 4-3-3, deu a impressão de que mudaria essa tendência. Mas uma séria lesão, inclusive com necessidade de voltar da transição para o campo e ajustar a parte física, fez o atacante perder espaço até para Lincoln entre as opções na frente.

Rogério Ceni começa sua trajetória no Flamengo já com jogo decisivo e muitos desfalques - Isla, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Diego Ribas, Everton Ribeiro, Pedro e talvez De Arrascaeta inicie no banco de reservas.. Ainda assim, em todas as prévias nenhum dos citados, e todos liberados para jogar, está na provável formação que irá a campo. A zaga deve ser formada por Thuler e Natan e o ataque provavelmente terá Vitinho, Gabigol e Bruno Henrique.

Mas é certo que uma das missões do novo treinador é tentar salvar esse investimento que, entre direitos econômicos e salários, ultrapassa os 70 milhões de reais. Com retorno técnico ou em uma possível venda, nos casos de Léo Pereira e Michael.

Porque nem tudo foi poesia na passagem de Jorge Jesus. A saída repentina, com contrato renovado, deixou algumas questões mal resolvidas além das taças. Sobrou para Ceni.