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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Abel Ferreira me lembrou Michael Schumacher

Abel Ferreira se seca do banho que recebeu dos jogadores em coletiva após título Paulista - Diego Iwata Lima/UOL Esporte
Abel Ferreira se seca do banho que recebeu dos jogadores em coletiva após título Paulista Imagem: Diego Iwata Lima/UOL Esporte

04/04/2022 13h05

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Depois de nove finais e cinco títulos em 16 meses, Abel Ferreira deveria ter ganho ontem o respeito de quem faltava.

Não só pelos números impressionantes e porque sua equipe reverteu um placar dificílimo contra um grande rival, mas porque, novamente, deu uma aula de comunicação e liderança. O homem é diferenciado e, sinceramente, quem não notou até agora provavelmente não notará jamais. Por motivos que me escapam.

Se não bastassem as duas Libertadores, a Copa do Brasil, a Recopa e agora um Paulista, que ganha importância pela goleada, o português vem há muito tempo dando sinais de que inaugura uma nova escola de treinadores no Brasil.

Uma gente preparada, estudiosa, rigorosa, convicta, confiante, rebelde com causa. Uma gente que vive de apresentações estruturadas, análises de vídeo, estratégia e planejamento. Uma gente nerd. E talvez o que mais incomode: uma gente que sabe falar. (Recomendo fortemente a leitura do livro "Cabeça fria, coração quente", que ilustra o nível de comprometimento da equipe técnica portuguesa do Palmeiras.)

Vendo a coletiva de imprensa do treinador, após a acachapante vitória sobre o São Paulo por 4 a 0, eu só conseguia pensar em Michael Schumacher. Meu cérebro acendeu um alerta e eu nem sabia bem o motivo. O alemão não me saía da cabeça.

Abel disse que estuda muito, especialmente os melhores em suas funções, mas que tinha basicamente assistido à partida, que o mérito era todo dos atletas. Depois, corrigiu-se: o mérito pertencia, na verdade, à torcida. Sem ela, o resultado histórico teria sido impossível. Nunca na vida, como jogador ou técnico, ele vira algo assim. A música ressuscitada era a mais bela do universo. Danilo era especial? Não, Danilo era tão importante quanto todos os outros.

A arbitragem? Hoje, foi top top top. Deve servir de espelho para os demais. Alfinetou a chefe da comissão de arbitragem com a audácia de quem está, ele próprio, no topo. Criticou elogiando. Defendeu o adversário, Rogério Ceni. Disse que não sabia como iam suportar a enorme "densidade competitiva" brasileira, mas que fariam o seu melhor.

Deveria ter pedido desculpas pelo comentário infeliz de que o Campeonato Paulista estaria inquinado, manchado, com cartas marcadas. Faltou-lhe essa humildade.

Fez enorme carinho naqueles de quem mais precisa para seguir vencendo (jogadores, presidente, clube, torcida) e bateu com elegância em quem precisa ouvir umas verdades (donos do calendário, arbitragem, cartolagem).

E o que o Schumacher tem que ver com isso? Fui caçar a resposta à minha inquietação em "A Máquina: Michael Schumacher, o melhor de todos os tempos", biografia que escrevi sobre ele em 2008 (cujo título Hamilton atropelou, aliás). Perdoem o jabá acidental.

"Jean Todt disse certa vez que, para se ter um longo sucesso, é preciso saber por que você tem sucesso. Confrontado com a afirmação do colega francês, Schumacher garantiu conhecer as razões de suas glórias:

'Em primeiro lugar e sempre, respeito pelo trabalho do menor adversário. Assisto a todas as corridas em um telão e analiso não só a luta pela ponta, mas também o que se passa lá atrás. Lá acontecem erros, mas também coisas positivas das quais posso aprender. Perfeição e disciplina são duas outras coisas a se observar. E devemos procurar nossos pontos fracos mais até nas vitórias do que nos fracassos. Por último, nunca acreditar que o sucesso depende somente do seu trabalho. Quem começa a escutar somente a si e a resolver tudo sozinho dá um passo atrás. As flores de um campeão pertencem a muitos vasos.'"

Abel é, quase que indiscutivelmente, mais carismático e sorridente do que o heptacampeão alemão. Já seu estilo de vencer e sua dedicação incansável se assemelham assombrosamente.

Enquanto insistirmos que resultado é acaso, não entenderemos o caminho para replicá-lo. Abel Ferreira não é acidente. Ele é escola.