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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lição que o skate deixa: o rolê vale mais do que a medalha

Pedro Barros (ao centro) comemora a prata olímpica com Pedro Quintas, Luizinho e a delegação de skate nas Olimpíadas de Tóquio - Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB
Pedro Barros (ao centro) comemora a prata olímpica com Pedro Quintas, Luizinho e a delegação de skate nas Olimpíadas de Tóquio Imagem: Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB

05/08/2021 16h11

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A adição do skate ao programa olímpico (assim como do surfe e da escalada esportiva) tinha um objetivo primordial: rejuvenescer os Jogos. A liderança do Comitê Olímpico Internacional estava vendo seu público envelhecer junto consigo.

Criado em 2016, o Olympic Channel foi concebido para alcançar o público de 14 a 30 anos, com um conteúdo "dinâmico, interativo e inovador" (não exatamente os termos associados a este universo até ali). A média de idade do espectador até então estava batendo nos 50 anos.

O skate certamente aproximará o COI de seus sonhos mais loucos - especialmente com as estrelas adolescentes do feminino -, mas seu legado será muito maior do que isso.

Os exemplos de descontração e camaradagem testemunhados desde o street feminino (as dancinhas de Rayssa Leal, sozinha e com as colegas, ficarão na história) mostraram ao mundo o que a galera do skate sempre soube: o esporte só existe em comunhão. Só é legal se geral acertar as manobras. A competição entre atletas foi apenas a maneira encontrada para viabilizá-lo comercialmente. Em seu cerne, ele é quase um esporte coletivo.

O skate estraçalha também o teimoso mito da competitividade ferina feminina. As atletas torceram juntas, vibraram, se abraçaram. Comemoraram muito a vitória de Sky Brown, a menina de 13 anos que levou o bronze, depois de aos 11 sofrer um acidente assustador, que lhe causou fraturas no crânio, braço e mão, além de lacerações nos pulmões e estômago (medo!).

Ontem, na categoria park, a cena se repetiu entre os homens. Uns claramente torcendo pelos outros, acolhendo nos momentos ruins. E esta é uma palavra-chave aqui. O acolhimento que cada skatista encontra nas pistas pelo mundo, o senso de pertencimento, de saber que alguém quer o seu melhor.

Pedro Barros, grande estrela do park masculino, nossa prata mais recente em Tóquio, fechou a participação da modalidade nos Jogos distribuindo lição de vida. "No skate, você está sempre caindo no chão, sempre se quebrando, mas você tem as pessoas ao seu lado, os skatistas, as pessoas que carregam amor, para trazer você de volta e te reerguer. Esse é o exemplo, sabe? Podemos ser muito mais fortes se estivermos juntos."

Sempre me incomodou a glorificação do sofrimento de atletas, a vitória a qualquer custo, a sensação de isolamento e pressão de grandes competições. Sempre pensei: amo e vivo do esporte, mas não sei se colocaria meu filho para passar por isso aí. Ontem, Pedro me fez reconsiderar.

Perguntado sobre o que achava da performance do australiano que levou o ouro, com a fenomenal nota de 95,83 (o brasileiro recebeu 86,14), respondeu: "O que ele estava fazendo era coisa de outro mundo. Elevou para outro patamar e nem sei se ele fez tudo o que poderia fazer. É assim que a gente evolui, né? Vê pessoas que se esforçam muito, se superam e a gente também corre para dar o nosso melhor. Deveria ser um reflexo para vida. Ao sermos seres humanos melhores, podemos inspirar outras pessoas. Essa é a mensagem que esse evento me passou, e é essa a mensagem que quero passar a partir de então".

Além da aula sobre competitividade saudável, Pedro espetou (provavelmente, sem querer) a aristocracia do COI, para quem nada de mais superior pode existir a uma medalha olímpica. De fato, o skate ganhou um espaço que nunca teria com os mundiais do esporte ou mesmo os X Games. O skate ganhou o mundo graças aos Jogos Olímpicos. Porém...

"Essa medalha foi simplesmente um detalhe, um souvenir, essa experiência que a gente leva para a vida é muito maior e muito melhor do que qualquer objeto material. Essa medalha aqui não deixa de ser um objeto material, expectativas que as pessoas criam. Estou aqui como um atleta olímpico, mas estou vivendo como um skatista, um ser humano, cativando coisas maravilhosas e colecionando momentos maravilhosos para a minha vida."

É isso, a jornada acima do destino.

Está decidido. Assim que puder, vou colocar o meu moleque no skate. E culpar diariamente a Rayssa Leal e o Pedro Barros, por me fazerem sofrer com uma criança toda ralada. Ralada, acolhida e feliz.