Brasileiro ganha prêmio por investigação que ligou carne a desmatamento

O jornalista brasileiro Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil, tornou-se o quinto brasileiro a receber o Prêmio Goldman de Meio Ambiente.

Ele é um dos seis vencedores da honraria em 2024 por ter planejado e coordenado uma investigação jornalística internacional que vinculou a carne vendida em supermercados europeus ao desmatamento ilegal na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.

"É um reconhecimento da técnica jornalística, do papel do jornalismo na sociedade e de seu potencial transformador", disse Gomes, destacando que não são muitos os jornalistas premiados com o Goldman, o mais importante prêmio de meio ambiente no mundo.

Após a publicação da investigação, seis grandes redes de supermercados europeus (Sainsbury's no Reino Unido, Albert Heijn e Lidl na Holanda, Carrefour e Delhaize na Bélgica e Auchan na França) suspenderam a venda de carne bovina do Brasil devido aos laços com o desmatamento.

A Repórter Brasil, uma ONG fundada por jornalistas, cientistas sociais e educadores, busca fomentar a reflexão e a ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. "A base de nosso trabalho é a investigação jornalística e a produção de conteúdos de alta qualidade", pontua Gomes. "Nosso papel é gerar repercussão e transformação".

Para Leonardo Sakamoto, presidente da organização e colunista do UOL, "é significativo que o mais importante prêmio ambiental do mundo tenha sido dado a Marcel Gomes neste ano. Pois é o reconhecimento não apenas de sua extraordinária carreira e do impacto causado pela Repórter Brasil nos últimos 23 anos, mas também da qualidade do jornalismo investigativo que vem sendo realizado no país para denunciar problemas socioambientais e discutir novos caminhos".

História de uma investigação

Gado em área desmatada da Amazônia perto de Porto Velho, em Rondônia
Gado em área desmatada da Amazônia perto de Porto Velho, em Rondônia Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

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Em 2008, Gomes montou uma equipe que incluía comunidades indígenas, ONGs locais e sindicatos agrícolas para desenvolver um sistema de rastreamento da cadeia de suprimentos na agricultura brasileira. Com a pecuária se destacando no desmatamento, a equipe se concentrou na cadeia de carne bovina.

Em 2020, a ONG Mighty Earth procurou o jornalista para uma campanha sobre carne brasileira em supermercados europeus, e uma investigação conjunta foi iniciada. Durante seis meses, Gomes coordenou a investigação nos dois continentes, identificando produtos da JBS em supermercados europeus e rastreando-os até as fazendas de origem, revelando o desmatamento ilegal.

"A grande sacada da investigação foi olhar para os supermercados de vários países que vendiam a carne brasileira", explica. Integrantes da equipe foram até os supermercados coletar dados dos pacotes de carne brasileira. "A partir do selo da embalagem, você consegue identificar exatamente o frigorífico de origem daquele pacote de carne".

Para fazer o cruzamento dos dados, o time construiu softwares específicos. "Isso permitiu que a gente identificasse quais são as fazendas com problemas sociais e ambientais que forneciam para os frigoríficos que exportavam para aqueles mercados que a gente visitou. Então a gente fechou a cadeia de cima para baixo."

Em 2022, a empresa varejista alemã Metro Germany, com mais de US$ 20 bilhões em vendas anuais, vetou todos os produtos de carne de origem brasileira em resposta à investigação.

Gomes e sua equipe continuam pressionando por transparência nas cadeias de suprimentos. Uma investigação de 2022 sobre lavagem de gado levou a JBS a admitir publicamente que havia comprado quase 9 mil cabeças de gado criadas em áreas desmatadas ilegalmente de 2018 a 2022.

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A JBS afirma que está buscando eliminar o desmatamento ilegal de sua cadeia de fornecimento de gado na Amazônia até 2025, e até 2030 em todos os outros biomas brasileiros.

Sobre o prêmio

O prêmio, que é conhecido como o "Nobel verde", homenageia anualmente seis defensores ambientais de diferentes regiões do mundo. Os outros vencedores são Nonhle Mbuthuma e Sinegugu Zukulu, da África do Sul, Alok Shukla, da Índia, Teresa Vicente, da Espanha, Murrawah Maroochy Johnson, da Austrália, e Andrea Vidaurre, dos EUA. Em 2023, a líder indígena brasileira Alessandra Munduruku foi reconhecida pela sua luta contra a mineração em territórios indígenas.

A cerimônia de premiação acontece nesta segunda-feira (29) em São Francisco, nos EUA.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que foi inicialmente publicado, A decisão da varejista alemã Metro Germany de suspender a comercialização de carne brasileira foi consequência do relatório em parceria com a Mighty Earth, e não da reportagem sobre a lavagem de 9 mil bois em Rondônia. Além disso, o bloqueio não foi apenas a produtos da JBS, mas de carnes do Brasil em geral, em resposta à investigação que indentificou links deles com a Marfrig. Os erros foram corrigidos.

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