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Como o cacau está ajudando a salvar a cidade que mais polui no Brasil

São Félix do Xingu: Cacau ajuda a ?sequestrar? carbono de município que mais polui no Brasil - Ana Lee/Divulgação
São Félix do Xingu: Cacau ajuda a ?sequestrar? carbono de município que mais polui no Brasil Imagem: Ana Lee/Divulgação

Camilla Freitas

De Ecoa, em São Paulo (SP)

06/10/2022 06h00

Raimundo Freires dos Santos sempre viveu da terra. No pedaço de chão que comprou ao lado do pai, hoje, cultiva cacau. Só que nem sempre foi assim.

Antes, sem muitas opções, sua família vivia da criação de alguns animais, apesar disso, a vontade do pai de Raimundo era de se tornar agricultor. Depois de viver no interior de Mato Grosso e em Conceição do Araguaia, no Pará, a família se estabeleceu em São Félix do Xingu, no mesmo estado. E foi ali que tudo mudou.

No começo, Raimundo e sua família plantavam e vendiam mandioca, arroz, feijão, milho, tudo para o comércio local. Mas o desejo do menino que desde os 17 anos passou a ajudar o pai na roça era de fazer com que a agricultura familiar crescesse.

Ao entrar na Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (Camppax), em 1992, Raimundo percebeu que o pouco incentivo financeiro que tinham era para plantar e fazer crescer na região o cacaueiro de onde é extraída a matéria-prima para o chocolate.

No entanto, a vida de plantar cacau não era nada doce. As sementes eram buscadas bem longe de São Félix do Xingu e o incentivo financeiro era baixo. Foi com o apoio de organizações não governamentais como o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, o Imaflora, que isso mudou.

Cacau ajuda a 'sequestrar' carbono

Em 2011, o projeto Florestas de Valor, do Imaflora, chegou a São Félix do Xingu. A ideia não era inventar a roda, mas apoiar os produtores locais que sofriam com a pressão da pecuária contra a produção de cacau já existente na região. Sem a ajuda financeira que precisavam, muitos agricultores vendiam suas terras para criadores de gado ou eles mesmo passavam a desmatar para criar os animais.

"Com o projeto, você cria alternativas para que esses produtores não enxerguem na pecuária a única fonte de renda viável", diz Leo Eduardo de Campos Ferreira, um dos gestores do projeto Florestas de Valor.

Projeto Florestas de Valor do Imaflora - Reprodução - Reprodução
O programa Florestas de Valor estimula atividades produtivas sustentáveis em São Félix do Xingu
Imagem: Reprodução

O Florestas de Valor, então, atua por meio da valorização da floresta em pé. É por meio da agroecologia que o cacau orgânico é cultivado, ou seja, não há a monocultura do cacaueiro, mas seu plantio junto a outras culturas. Isso tudo sem precisar diminuir as terras destinadas ao gado. Esse sistema é chamado de silvipastoril.

"O sistema silvipastoril faz com que a gente tenha uma boa conservação do solo, uma pastagem de boa qualidade de vegetação para que a gente consiga ter sombra para o gado, além de outros benefícios, como o cacau sendo produzido de forma orgânica", explica Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora.

De acordo com o projeto Florestas de Valor, esse sistema junto às agroflorestas geraram taxas de sequestro de carbono o que reduz a emissão de gases de efeito estufa por hectare em cerca de 66% quando comparado com práticas mais convencionais de criação de gado.

O trabalho do Imaflora junto aos agricultores familiares como Raimundo é, assim, ministrar cursos e treinamentos de boas práticas para que o cacau tenha maior qualidade e mais valor.

Cacau in natura - Getty Images/Aldo Pavan - Getty Images/Aldo Pavan
Cacau ajuda a 'sequestrar' carbono
Imagem: Getty Images/Aldo Pavan

"Eu queria que o município de São Félix do Xingu fosse um município modelo e hoje o cacau é um carro-chefe da economia do município depois da pecuária", diz Raimundo que atualmente, com 58 anos, é diretor-presidente da Camppax.

São Félix do Xingu: a cidade que mais polui no Brasil

A pecuária é uma grande questão em São Félix do Xingu. O município tem o maior rebanho bovino do Brasil, são 2,5 milhões de cabeças de gado ou 19 bois por habitante.

Isso coloca São Félix do Xingu como o segundo município do Brasil que mais emite gases de efeito estufa (GEE) e o que mais emite apenas no setor da agropecuária de acordo com a segunda edição SEEG Municípios, do Observatório do Clima. Somente em 2019, dados mais atualizados do órgão, foram 4,51 milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas.

Agropecuária: os 10 municípios que mais poluem - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

A atividade que mais contribui para as emissões é o desmatamento e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que São Félix do Xingu lidera no Pará o ranking de desmatamento em 2021.

Depois, vem o setor agropecuário. Nele, as principais fontes de GEE são os gases que bois e vacas emitem, o manejo de dejetos desses animais de pasto, o manejo dos solos e a queima de resíduos.

"Quando a gente olha para São Félix do Xingu, o Seeg estima que 84% das emissões vem do setor de mudança de uso da terra e 15,6% das emissões vem do setor agropecuário. Ou seja, as emissões estão muito relacionadas ao rebanho bovino", diz Renata Potenza.

Contudo, o município paraense não é o único que se encontra nessa situação. Entre os 10 com mais emissões de gases de efeito estufa, quatro estão no Pará, sendo que o maior emissor é Altamira, também ao sul do estado. E tudo isso está ligado à pecuária.

Os 10 municípios Municípios que mais poluem - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Há quem pense, contudo, que a criação de animais de forma extensiva como é praticada na região é importante para o desenvolvimento econômico local e, quem sabe, até mesmo do país. Mas não é isso que mostra a pesquisa do Seeg Municípios.

De acordo com o Observatório do Clima, os 10 municípios mais emissores em 2019 não estão entre os que possuem maior PIB Agropecuário, ou seja, as emissões geradas pelos sistemas produtivos agropecuários não demonstraram agregar tanto valor.

O Pará é um estado-chave para que a gente possa promover ações que conciliem conservação dos remanescentes de floresta com o desenvolvimento econômico. E acho que o Floresta de Valor vem nessa perspectiva de trazer alternativas que possam equilibrar isso.

Leo Eduardo de Campos Ferreira, um dos gestores do projeto Florestas de Valor