Lucro e preservação

Na contramão do desmatamento, negócios sustentáveis se multiplicam e ajudam a manter florestas em pé

Carlos Minuano Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP) Marcelo Martins/ISA

Desde que a apicultura comercial começou no Parque Indígena do Xingu, a venda do mel se tornou um importante gerador de renda para as comunidades que vivem na região. Com mais de 26 milhões de hectares, a reserva indígena localizada no norte de Mato Grosso é uma espécie de muralha contra o desmatamento.

Criado em 2001, com a marca Mel dos Índios do Xingu, o produto hoje faz parte da Origens Brasil, uma rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas de conservação.

Tudo com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético, observa Luiz Antonio Brasi Filho, coordenador da Origens Brasil no Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), responsável pela rede.

Desde 2016, a rede atua em 39 áreas protegidas da Amazônia, contribuindo para a conservação de 52,3 milhões de hectares de floresta em pé. "Esses territórios são corredores de áreas protegidas, que abrigam patrimônios culturais, ambientais e sociais, prestando serviços que beneficiam não só o Brasil, mas todo o planeta", afirma Filho.

A rede Origens é formada atualmente por 2.300 produtores de povos indígenas e populações tradicionais, 62 organizações locais e instituições de apoio e 35 empresas."Ao todo, são 51 produtos que valorizam a cultura e a história dos povos da floresta", conta o coordenador do Imaflora.

Ações como essa mostram que não é apenas o desmatamento de florestas que avança no Brasil. Iniciativas semelhantes se multiplicam e se espalham, consolidando focos de preservação pelo país.

Marcelo Martins/ISA Marcelo Martins/ISA

Nas sombras da Mata Atlântica

Depois de duas décadas trabalhando como produtora de TV em São Paulo, Cibele Cellini decidiu dar uma virada na carreira. Por acaso, ou não, no meio desse processo, ela conta ter experimentado o mel de cacau, um suco extraído a frio da polpa que envolve as amêndoas do fruto. Se apaixonou pela bebida em um nível que mudou a sua vida.

Junto com o sócio, o consultor de sustentabilidade Gustavo Aloe, ela resolveu investir no produto. A dupla arregaçou as mangas e criou a própria marca, a Oyya Natural Food, focada até o momento exclusivamente no mel de cacau natural, sem conservantes e orgânico.

"Sempre fui muito ligada em alimentos funcionais, orgânicos e em nutrição", justifica Cellini. Tomada a decisão de empreender no ramo da alimentação natural, o desafio inicial foi encontrar um produtor que trabalhasse com um mel de cacau puro, orgânico e certificado, cultivado de uma maneira que respeitasse a natureza.

Depois de muita pesquisa, a dupla viajou até o sul da Bahia e encontrou em Ilhéus um agricultor francês, radicado no Brasil, apaixonado por cacau, e membro de uma cooperativa de produtores. Em sua pequena propriedade, o plantio é feito sob as sombras da densa Mata Atlântica.

Lá, os cacaueiros são cultivados em harmonia com espécies da Mata Atlântica e outras como açaí, pupunha, banana, flores tropicais, baunilha, pimenta-do-reino, guaraná e urucum. A fazenda tem o seu manejo orgânico certificado desde 2002.

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Ética e sustentabilidade

A ideia por trás da pequena Oyyá, não é apenas vender mel de cacau natural, explica a empresária Cibele Cellini. "Queremos cuidar da natureza, da terra e do corpo através de uma empresa ética e sustentável". Segundo ela, enquanto o produtor está cultivando o cacau, a floresta está em pé e a Mata Atlântica preservada.

A explicação para isso está no modo como o cacau é cultivado. Um sistema chamado cabruca, um plantio tradicional sob a sombra das árvores da Mata Atlântica, utilizado na região por mais de 200 anos. Esse modelo é considerado um precursor dos atuais sistemas agroflorestais. "Você integra o produto ao meio, sem desmatar", explica Cellini.

Outro detalhe importante na comercialização do mel do cacau é que representa um uso integral e mais inteligente do fruto, porque esse suco quase sempre é desprezado pelos produtores. O interesse geralmente é na amêndoa para a fabricação de chocolates e outros itens. Ou seja, ajuda a evitar o desperdício.

Apesar de ser um produto novo e uma bebida artesanal, fatores que representam um gargalo nos planos de expansão da Oyyá, a dupla de empreendedores não se arrepende da escolha. "Sabemos que há um limite de produção para não afetar a qualidade do produto", observa Cellini.

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Sustentabilidade no cerrado

Em meio ao crescimento acelerado do desmatamento da Amazônia, destruição do Pantanal e o risco de extinção da Mata Atlântica, pouco se fala no cerrado. O bioma perdeu 8.531 km² de sua vegetação original em 2021, extensão que equivale a quase seis vezes a cidade de São Paulo. Felizmente, também encontramos por lá, importantes ações de preservação associadas à economia verde e negócios sustentáveis.

Apesar da expansão do agronegócio, a iniciativa bem sucedida de uma cooperativa do cerrado está mostrando que é possível usar em grande escala e de maneira sustentável um ecossistema vulnerável. Com uma rede formada por mais de 5 mil famílias de agricultores, o projeto melhorou a subsistência local para aproximadamente 26 mil pessoas.

"Desenvolvemos uma estratégia comunitária em rede que organiza toda a cadeia da produção, manejo e comercialização", conta Alessandra Karla da Silva, coordenadora de negócios sustentáveis da CoopCerrado (cooperativa mista de agricultores familiares, extrativistas, pescadores, assentados e guias turísticos do cerrado), com sede em Goiás.

A coordenadora explica que a rede trabalha com pequenos produtores para colher e processar de forma sustentável frutas, plantas e sementes do cerrado em uma área de 124 mil hectares. A comercialização de dezenas de produtos orgânicos é realizada pela marca Empório do Cerrado. O monitoramento da comunidade evita colheitas excessivas e promove a restauração de áreas degradadas.

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O poder do açaí

No município de Macapá, a organização da cadeia produtiva do açaí de forma sustentável, cultivado de forma natural, sem uso de agrotóxicos, tem gerado bons resultados econômicos e sociais. O primeiro passo para isso veio com a criação de uma cooperativa de extrativistas, a AmazonBai.

"Os produtores hoje são donos de toda a cadeia produtiva", comemora Amiraldo Picanço, presidente da AmazonBai. São eles que cuidam da floresta onde o açaí é plantado, do barco que faz o transporte para a cidade e da agroindústria para beneficiamento e produção de derivados do fruto, recentemente inaugurada em Macapá.

A fábrica tem capacidade para beneficiar 2 mil litros de açaí por dia e de produzir e armazenar mais de 60 mil toneladas. Todo o lucro da comercialização vai para os produtores, mais de 140 extrativistas cooperados, explica Picanço. Apesar do volume de produção, não há danos ao meio ambiente, garante o presidente da AmazonBai.

O manejo praticado pelos produtores é de mínimo impacto, argumenta Picanço. "Fazemos pequenas intervenções apenas para aumentar a produção, mas é um modelo que mantém a floresta em pé".

A qualidade do trabalho da cooperativa é reconhecida também por cinco certificações, entre elas o selo verde do FSC Brasil (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal), reconhecido globalmente e utilizado em mais de 70 países. "O grande desafio hoje é seguir fortalecendo a cadeia do produto e fazendo com que os territórios se desenvolvam."

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O sucesso da castanha orgânica

Em Juruena, no noroeste de Mato Grosso, outra cooperativa tem promovido negócios sustentáveis com um impacto positivo para produtores e para a natureza por meio do extrativismo da castanha orgânica.

Desde 2008, a Coopavam, cooperativa de agricultores familiares do Vale do Amanhecer, primeira reserva legal comunitária do país, trabalha em parceria com povos indígenas de diversas etnias de Mato Grosso.

"Cerca de 250 famílias coletam a castanha e mais de 400 pessoas são beneficiadas através da venda do produto para a cooperativa", diz Luzirene Lustosa, presidente da Coopavam. "São pessoas que vivem da floresta de forma justa e sustentável que não desmatam, que preservam."

A cooperativa compra a matéria-prima, beneficia e comercializa a castanha e derivados como o óleo e farinha, todos os produtos com certificação orgânica, conta Lustosa.

E a venda dos produtos anda muito bem, comemora a presidente da cooperativa. "Podemos citar como parceiros as empresas Natura e Carrefour, e no mercado internacional, hoje exportamos para a empresa Gebana BV na Holanda."

Lustosa diz que a receita do sucesso do negócio é ter uma floresta preservada, mostrando que é possível viver dela sem destruí-la. Outra dica é valorizar o produto e o coletor. "Pagamos um preço justo", detalha Lustosa.

As compras são realizadas com contratos assinados, o que passa uma segurança aos fornecedores, ressalta a presidente da cooperativa. "Em contrapartida recebemos produtos de qualidade e com valor agregado."

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