Topo

Comunidade do Facebook vira escola de capacitação para pessoas negras

Alunos nas aulas presenciais do projeto, realizadas antes da pandemia - Divulgação
Alunos nas aulas presenciais do projeto, realizadas antes da pandemia Imagem: Divulgação

Carmen Lúcia

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro

05/05/2022 06h00

Nathalia Santos, de São Paulo, queria aprender inglês, mas precisava quebrar a barreira do medo que a impedia de se aventurar em uma nova língua. Até que ela começou o curso de inglês na Escola da Ponte Para Pretxs. "Comecei no ano passado e está sendo incrível. Duas coisas que apendi e foram valiosas foram não ter vergonha de falar inglês (mesmo errando) e não ter medo de perguntar. Já me arrisco a entrar em reuniões em inglês da empresa onde trabalho e montei uma apresentação simples sobre mim para me preparar e me arriscar a colocar o inglês em prática no meu dia a dia", comemora.

A Escola da Ponte Para Pretxs é um movimento de capacitação educacional e atualização profissional para pessoas negras e indígenas. Criada em 2016 pelo cientista social e ativista carioca Vitor Del Rey, ela nasceu como uma comunidade no Facebook onde pessoas negras divulgavam oportunidades de emprego, estágios e bolsas de estudo nacionais e internacionais entre si.

"A partir da percepção de que boa parte da população negra encontra dificuldades para candidatar-se a vagas de emprego com bons salários — porque estas, muitas vezes, requerem domínio de outros idiomas ou conhecimentos em tecnologia, por exemplo —, a Ponte criou sua própria escola", explica Elaine Rosa, head da instituição.

A escola é uma das frentes do Instituto GUETTO, que busca combater iniquidades raciais e de gênero no ambiente institucional, e oferece cursos gratuitos que geram habilidades importantes para que os alunos cresçam profissionalmente.

"Ensinamos Informática, língua estrangeira, educação corporativa e empreendedorismo", afirma Elaine. Ao todo, cerca de 6 mil pessoas já foram impactadas. Para o curso de inglês — o mais concorrido —, há uma fila de espera com quase 5 mil nomes.

Inicialmente, as aulas aconteciam na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, que emprestava as salas. Mas, desde que a pandemia começou, tudo passou a acontecer remotamente. A fórmula deu certo e a instituição ampliou o seu alcance, democratizando o ensino para alunos em todo o Brasil. "Até pessoas no continente africano passaram a ser beneficiadas", completa.

Voluntariado

Para funcionar, a escola conta com professores voluntários. "Todos os mediadores de conhecimento são pessoas interessadas em compartilhar saberes. Em sua maioria, eles destinam duas horas semanais de suas vidas para atividades em que planejam e promovem a transmissão de ensinamentos", explica Elaine.

Em 2018, a carioca Ramona Samuel, de 46 anos, resolveu retomar a vida profissional na área de comunicação. Por questões pessoais e familiares, ela havia deixado a carreira de lado para se dedicar a outras coisas. "Mas naquele ano decidi voltar", conta.

Nessa época, ela conheceu a Escola da Ponte Para Pretxs, que acabou sendo fundamental para essa reinserção no mercado. "Eles ofereciam diversos cursos gratuitos. Fiz o curso de Excel Avançado, pois precisava fazer essa reciclagem, e de Design Thinking, para quem precisa trabalhar em projetos", lembra.

Ao término dos cursos, em gratidão ao projeto, Ramona se ofereceu como professora voluntária de espanhol por já ter trabalhado com tradução. Seu trabalho foi bem recebido e seu talento com línguas lhe rendeu freelas como tradutora simultânea para a imprensa alemã. "A partir desse trabalho, me tornei correspondente, escrevendo artigos e produzindo matérias. Acredito que a escola se fez fundamental no momento de construção e de reestruturação da minha carreira", afirma.

Essas trajetórias de desenvolvimento profissional são justamente o que o projeto busca proporcionar, como explica Elaine: "Acreditamos que o ensino e a aprendizagem de qualidade, inclusiva e respeitosa são pilares para as mudanças sociais efetivas. Na escola nos esforçamos para ensinar habilidades que não façam a manutenção do status quo de pobreza, por isso ensinamos de línguas a linguagens de forma gratuita, com didática racializada, para que as populações preta e indígena tenham oportunidade de concorrer a vagas em estado de equidade" finaliza Elaine.