Sem vaga na escola, criança é alfabetizada por ONG na periferia de Maceió

"Quando crescer, quero ser professora", diz, empolgada, Laura Sofia Oliveira, de 6 anos. Ela mora no Residencial Jorge Quintella, no bairro Benedito Bentes, na periferia de Maceió, em Alagoas. Em outro momento da nossa conversa, com uma voz tímida e angelical, ela fala "Quero aprender a ler."

Mas esse sonho pode estar ameaçado porque, há mais de seis meses, Laura está fora da escola regular por falta de vaga. Quando precisou deixar o local onde estudava, ela estava no fim do primeiro semestre do Jardim II, último ano da pré-escola.

Laura vive com a mãe e a avó Silvania Oliveira da Silva, de 44 anos, Ela conta que entristeceu quando viu que a neta poderia ficar sem estudar. "Ela estava tão animada com o que estava aprendendo", recorda.

Com medo de que a menina regredisse, a avó matriculou-a nas aulas de reforço do Instituto Amigos da Periferia, uma ONG que apoia pessoas em condição de pobreza e extrema pobreza, e em situação de rua na comunidade Benedito Bentes.

Sem dinheiro e sem vaga

Até o mês de junho deste ano, Laura estudava em uma escola privada. A avó pagava a mensalidade de R$ 165 com a renda que a neta recebia agregada ao Bolsa Família pela sua participação nas políticas de assistência social da Secretaria de Estado Extraordinária da Primeira Infância (Cria).

Somados, os valores do Bolsa Família e do Cria chegavam a R$ 900. "Não sei porque, em junho, foi cortado o Cria, aí eu tive que tirar ela da escola porque não tive mais como pagar", relembra a avó.

Silvania conta que tentou, então, matriculá-la na Escola Municipal Paulo Henrique Costa Bandeira e em outras duas unidades próximas, localizadas na própria comunidade, mas não encontrou vaga.

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Imagem: Arquivo pessoal

Quando ela saiu da escola sabia fazer o primeiro nome e escrever algumas letras. No reforço, aprendeu a copiar as palavras.
Silvania Oliveira, avó de Laura

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Laura demonstra estar feliz com as aulas na ONG. "No reforço, eu gosto mais de escrever", diz. Agora, que já escreve sem olhar para o quadro, ela traça planos. "Quero aprender a ler'.

Silvania conta que Laura vibra com cada novidade que descobre no mundo das letras. "Voínha, a tia do reforço me ensinou a fazer o meu nome!", diz ela enquanto exibe orgulhosa o aprendizado, escrevendo o próprio nome diante da avó.

180 mil crianças fora da pré-escola

Infelizmente, o caso de Laura não é isolado. Estimativas da Organização Todos Pela Educação, baseadas no Censo Escolar 2022, mostram que cerca de 180 mil crianças estão fora da pré-escola. Em grande parte, as razões são falta de vagas, de transporte e até por opção dos pais, que não veem a escola como um lugar seguro ou acreditam que os filhos estejam muito pequenos para aprender.

A pré-escola é obrigatória e interfere no desenvolvimento integral e no desempenho do estudante ao longo de toda a sua trajetória escolar. O estudo "A relação entre educação pré-primária, salários, escolaridade e proficiência escolar no Brasil", do Instituto de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), afirma que estudantes que frequentaram toda a pré-escola tiveram melhor desempenho da 4ª a 8ª série do Fundamental e da 3ª série do Ensino médio.

Os Amigos da Periferia oferecem reforço escolar justamente para as crianças excluídas da pré-escola por falta de acesso, além dos moradoras do Residencial em condição de pobreza e extrema pobreza e em situação de rua.

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A gente recebe alunos que ficaram de fora da escola por falta de vaga e que nunca foram para a escola. Fazemos parcerias com as escolas e conseguimos vaga para eles. Já conseguimos cinco vagas. Quando não dá, ficam no reforço.
Erivânia Gato, do instituto Amigos da Periferia

As aulas acontecem, nas segundas, quartas e sextas, entre 8h e 11h e à tarde, entre 14h e 16h.

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Imagem: Arquivo pessoal

ONG depende de doações

Para manter a estrutura física da ONG, que funciona no salão de festa do Residencial Benedito Bentes, e viabilizar as demais atividades, a equipe depende de doações de pessoas físicas e jurídicas.

Erivânia conta que o contato direto com os estudantes faz com que a equipe conheça cada um deles individualmente. "A gente sabe quem vem alimentado e quem não vem. Então, às vezes, a gente consegue doações de alimentos e oferece uma merenda."

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Os Amigos da Periferia surgiram em 2018, inicialmente, com uma ação de doação de sopa para pessoas em situação de rua. O bairro Benedito Bentes, onde o Instituto está localizado, tem 88 mil habitantes, muitos vivem em residenciais públicos construídos pela Prefeitura de Maceió.

Aulas mantêm a esperança

É neste cenário que os sonhos de Laura quase sucumbiam. Mas as aulas de reforço estão mantendo acesa a sua esperança de um dia poder ser professora. A avó diz que está de olho no início do período de reserva de vagas para 2024. "No começo do ano vou procurar a vaga dela, pois agora é online. Em abril ela vai estar com sete anos, não pode ficar fora da escola."

O outro lado

A reportagem de Ecoa entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Maceió. Por meio de nota, o órgão reconheceu que "a falta de vagas na educação infantil não apenas em Benedito Bentes, é histórica e persiste há anos."

Ainda segundo a nota, a secretaria estabeleceu "uma meta de oferecer, até 2024, 10 mil novas vagas no ensino infantil." O órgão informou que em comparação com 2022, este ano de 2023, foi registrado um pequeno aumento no número de matrículas de 10.613 para 11.603, o que corresponde a 4,2%.

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