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Prevenção a furtos sem discriminação passa por treinamento e tecnologia

Luis Alvarez/Getty Images
Imagem: Luis Alvarez/Getty Images

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo

20/10/2021 15h13

Casos sobre furto de alimentos têm gerado grande repercussão assim como medidas adotadas por estabelecimentos comercias para coibi-los, como revelou o colunista de Ecoa Rodrigo Ratier sobre clientes receberem tratamento diferenciado ao comprar carne em unidades do Extra na periferia ou na região central da capital paulista. A prática, que consistia em entregar bandejas vazias até o pagamento do produto, foi interrompida após contato da reportagem com a rede varejista.

"Quando um estabelecimento comercial estabelece padrões de atendimento diferenciado para seus clientes por considerar que sua cor, sua origem ou sua condição social é motivo de desconfiança ou que justifica um padrão de segurança diferente ao que submete aos demais, está não apenas violando as normas de defesa do consumidor, mas também ignorando direitos fundamentais de tratamento igualitário", explicou o advogado e diretor de relações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Igor Rodrigues Britto, à coluna.

Medidas de segurança podem ser adotadas, e com frequência são, mas não podem discriminar a população — isso inclui fazer com que clientes de determinadas unidades não tenham acesso livre a certos produtos ou ter seguranças seguindo pessoas negras durante suas compras, situações relatadas com frequência por consumidores.

Para entender o que pode ser feito para a "prevenção de perdas" (termo usado pelo mercado) sem que haja constrangimento, discriminação e racismo, Ecoa conversou com com Claudio Felisoni de Angelo, economista e presidente do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo), e com o presidente da Abrappe (Associação Brasileira de Prevenção de Perdas), Carlos Eduardo Santos. Atualmente, a associação está produzindo um material que poderá servir de protocolo de segurança a ser seguido em casos de tentativa ou furto consumado.

"Medidas discriminatórias e segregadoras devem ser evitadas a qualquer custo. Por isso, toda medida de prevenção deve ser pensada de forma muito serena e íntegra, respeitando o consumidor e, ao mesmo tempo, protegendo a empresa de eventuais problemas de perdas", diz Claudio.

Supermercado - iStock - iStock
Imagem: iStock

O primeiro passo

"Primeiro, vale dizer que toda vez que temos o crescimento do índice de desemprego, temos aumento em relação ao furto. Obviamente temos uma parcela de furtos ocasionais, que são aqueles realizados por pessoas que entram nas lojas e em momento de fraqueza furtam alguma coisa. Mas o principal furto é o de gangues que roubam para poder abastecer o mercado informal", explica.

Mas engana-se quem acha que os furtos são o principal motivo de perdas de mercados. Segundo dados da 21º Avaliação de perdas no varejo brasileiro de supermercados feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), é a chamada "quebra operacional" — ou seja, quando os produtos ou alimentos sofrem algum dano ou perdem a validade e não podem ser mais comercializados — que contribui para 48% das perdas. Os chamados "furtos externos" correspondem a 16% do total.

"O primeiro passo para prevenir perdas é justamente conhecer o quanto e onde você está perdendo. Grande parte do varejo hoje não sabe quanto perde", afirma Carlos.

Ele diz que como a maioria das empresas não tem avaliações mais precisas para identificar de onde vem o prejuízo, acabam por investir em processos que não apresentam soluções eficazes para diminuir essas perdas.

Muitas vezes a perda vem de produtos sem condição de venda, não tem absolutamente nada a ver com furto, e aí se combate com processos internos de gestão de estoque, controle de validade, armazenar o produto de forma adequada, entre outros.

Carlos Eduardo Santos, presidente da Abrappe

Prevenir de forma humanizada

Devido à crise econômica, alimentos como a carne (que sofreu um aumento de preço de 35,7% em 12 meses) têm recebido o mesmo tratamento de segurança reservado a produtos tidos como "de luxo" e comumente mais caros, como bebidas alcoólicas importadas. O que antes ficava disponível em geladeiras e açougues de supermercados, agora pode ser encontrado com sensores antifurtos.

Para os especialistas ouvidos por Ecoa, a tecnologia é uma das principais aliadas no combate aos furtos. "A mais utilizada e também mais tradicional é a etiqueta eletrônica, que são adesivos aplicados no produto e apitam caso alguém tente violá-la ou sair do estabelecimento sem pagar. No caso da carne, agora vemos o produto dentro de uma tela com alarme, que não é uma tecnologia cara, por exemplo."

Outras aliadas são as câmeras de segurança. Carlos conta que, além de monitorar o movimento nas lojas, também servem para tentar coibir ações ilícitas. Dessa forma, são colocadas em lugares mais expostos, onde os clientes têm conhecimento de que estão sendo monitorados.

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Imagem: iStock

Mas, como qualquer empresa é feita principalmente por pessoas, o presidente da Abrappe ressalta que um dos principais pontos para conseguir prevenir furtos sem que haja discriminação é cuidar para que os funcionários estejam preparados para agir de forma correta.

"A boa prática hoje diz que enquanto uma pessoa estiver dentro da loja, ela jamais pode ser acusada de ter furtado algo. O que se recomenda é fazer uma abordagem muito educada e cordial. Se o funcionário pegar alguém colocando um produto na bolsa, por exemplo, o ideal é chegar no cliente e oferecer uma sacola apropriada, oferecer ajuda", diz.

Para isso, os supermercados precisam investir no que Carlos denomina como "gestão de mudança", que envolve a conscientização e sensibilização de quem trabalham no local para garantir que toda e qualquer pessoa que pise na loja seja tratada com respeito e de forma igualitária, sem discriminação por cor de pele, gênero ou local onde o estabelecimento está.

"Treinamento e capacitação é o básico", diz o presidente da Abrappe. Segundo ele, é necessário engajar e motivar as pessoas para que haja uma mudança na cultura da empresa, fazendo com que os funcionários entendam "como tudo isso é importante não só para a reputação da empresa, como principalmente para a sociedade como um todo".

"O que queremos é uma gestão mais humanizada do conceito de segurança no varejo. Entendemos todas essas questões de discriminação, racismo, preconceito como importantes e que devem ser debatidas com profundidade maior, porque também entendemos que valores como a dignidade e a vida dos clientes e funcionários se sobrepõe ao valor de qualquer produto", finaliza Carlos.

Quando uma pessoa se sente vítima (ou é testemunha) de discriminação social, é importante que uma denúncia seja feita. Ecoa tem um guia prático para orientar como procurar reparação.

Ontem (19), o Procon-SP informou que iria multar a unidade do Jd. Ângela do supermercado Extra pelo tratamento discriminatório revelado por Ecoa.