Topo

Maranhense de 12 anos cria escolinha com materiais encontrados em lixão

Érica criou a Escola da Esperança aos 12 anos no interior de Maranhão - Neyara Pinheiro
Érica criou a Escola da Esperança aos 12 anos no interior de Maranhão Imagem: Neyara Pinheiro

Carol Fiacadori Lima

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

10/06/2021 06h00

"Uma menina de 12 anos querendo educar outras crianças". A fala é de orgulho e foi dita por Maria Donizete, 59, sobre a filha Érica, que colocou de pé a Escolinha da Esperança, em Coelho Neto, vilarejo no interior do Maranhão, a 400km de São Luís.

Érica é daquelas crianças que impressionam logo de cara. Sagaz e cheia de iniciativa, decidiu usar o que tem a seu alcance em prol da comunidade. No ano passado, a menina, que hoje cursa o 6º ano do ensino fundamental, decidiu ajudar os colegas que sofriam com as paralisações escolares devido à pandemia. Com retalhos encontrados no lixo, como lona e papelão, improvisaram um espaço para receber os alunos.

"Ela me dizia assim: 'mãe, eu quero construir uma escolinha, porque as crianças estão andando para cima e para baixo", conta Donizete, que apesar de trabalhar como catadora com materiais recicláveis, no início, desconfiou da ideia. Porém a união de mãe e filha foi fundamental para que a ideia desse certo. "Nós pegávamos lixo no lixão; eu pegava os livros, cadernos com folhas limpas e trazia pra casa. Foi através disso que a minha filha começou a escolinha", se orgulha Donizete.

A Escolinha da Esperança criada por Érica, de 12 anos, em Coelho Neto (MA) - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A Escolinha da Esperança criada por Érica, de 12 anos, em Coelho Neto (MA)
Imagem: Arquivo Pessoal

A Escolinha da Esperança recebeu esse nome, porque, no fundo, há uma esperança das aulas voltarem ao normal em um mundo pós-pandemia. O funcionamento completou nove meses e, hoje em dia, educa 19 alunos, aos sábados e domingos, principalmente em disciplinas como português e matemática. "Nunca sonhei em ser professora, mas, no ano passado, minhas aulas tinham parado e eu resolvi ajudar os meus colegas e criei um espaço na base da brincadeira, mas foi mais do que eu imaginava", conta Érica, com brilho nos olhos.

Ao lado das irmãs de 23 e 26 anos, Érica recebe os alunos e ensina regras gramaticais, faz leitura e os ajuda a escrever. Ela também não abre mão da matemática: "Eu acho que é uma matéria importante, porque tem muitos números e ensinamentos".

O primeiro contato de Érica com o ambiente escolar foi aos cinco anos e, desde então, é motivo de orgulho para Donizete, que não sabe ler ou escrever. "Ela chegou onde chegou, porque a gente catou coisinhas no lixo", conta. O talento e empenho da filha aparecem nos boletins escolares e, principalmente, quando a função professora entra em cena. Ela observa os colegas e faz elogios - percebe quais são as facilidades e dificuldades. "Alfabetizar crianças não é muito complicado. Tem criança de cinco anos que impressiona; assim como tem criança de seis que já sabe escrever o nome".

Apesar da pouca idade, ela já entende sobre os efeitos da precarização do sistema público de ensino. "É muito estranho, porque também tem outras crianças que a gente precisa se esforçar mais. Uma criança de seis anos que, às vezes, só estudou em escola pública já sabe ler e escrever, mas tem criança de nove anos, também aluna da rede pública, que não escreve o próprio nome", afirma a jovem, que é crítica aprovação automática no ensino.

Érica gosta de compartilhar a história de outros alunos. "Fabíola tem apenas seis anos e já impressiona todo mundo. Todos querem ser jogadores de futebol, mas ela quer ser médica. Ela já sabe o alfabeto todo, mas não sabe ler, mesmo que já saiba todas as vogais. A letra, escrita em formato de imprensa, é linda". "Já Arthur tem sete anos de idade e sabe quase tudo: o alfabeto, as vogais, sabe ler e escrever e também sabe porcentagem e multiplicação", diz.

Érica também tem aproveitado o projeto para ajudar a alfabetizar a mãe e, quem sabe, ajudá-la a ter mais oportunidades no futuro, além de conseguir acompanhar mais de perto a evolução escolar da filha.

Sala da escolinha criada por Érica - Neyara Pinheiro - Neyara Pinheiro
Sala da escolinha criada por Érica
Imagem: Neyara Pinheiro

Próximos passos da Escolinha da Esperança

Atualmente, a Escolinha da Esperança já ganhou apoio de outras entidades para que Érica continue seu trabalho. No ano passado, quando foi inaugurada, a escola ocupava um espaço ao lado de sua casa, improvisado, em um barraco feito de barro e com retalhos de lixo.

A escola movimentou as redes sociais e conseguiu levantar R$ 150 mil em um financiamento coletivo. Com a história ganhando força na cidade, a prefeitura de Coelho Neto decidiu investir no espaço educacional. Hoje em dia, uma nova casa está sendo construída, de concreto e com a estrutura de que os alunos precisam.

Atualmente, Érica também conta com o apoio do Rotary Club do Maranhão, que auxilia em questões financeiras e burocráticas. "Eles ajudam a entender como usar o dinheiro arrecadado e, além disso, vão ajudar a rebocar, pintar e decorar nossa casa, do jeitinho que a gente sempre sonhou", diz.

O futuro profissional

A dedicação e potencial de Érica chamaram atenção também de escolas particulares da região. "Ganhei uma bolsa na escola particular e poderei estudar até o 9º ano", conta ela.

A mudança trouxe novos desafios para a jovem. "Sempre fui boa aluna na escola pública, sim, mas agora, na escola particular, nem tanto, porque é a primeira vez que tenho provas e ainda não sei como funcionam direitinho", revela.

Apesar de estar feliz à frente da Escolinha Esperança, Érica quer poder ajudar as pessoas de outra maneira no futuro. "Ser advogada é um sonho que vem comigo desde quando eu era pequena. Gosto de ver as pessoas sendo julgadas de uma forma que elas não sejam incriminadas por injusta causa. Hoje em dia, muita gente vai para a prisão por ser julgado injustamente", afirma.

Ela espera também prestar auxílio jurídico a pessoas em situação de vulnerabilidade que não tem recursos para se defender. "Quero ser advogada para lutar por essas pessoas!"