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Comer como um "climatariano" é usar a lógica da roça para ajudar o planeta

Keiny Andrade/FolhaPress
Imagem: Keiny Andrade/FolhaPress

Rodrigo Bertolloto

De Ecoa, em São Paulo

13/08/2020 04h00

O termo foi criado em 2010 pelo ativista norte-americano Mike Tidwell. Em 2015, entrou na lista de novas palavras sobre alimentação no jornal "New York Times. Agora", já é registrado como verbete no tradicional dicionário Cambridge, com a seguinte definição: "é aquele que ajuda a salvar o planeta com suas escolhas alimentares". "Climatarian" (pronuncia-se claimaterian) virou em português "climatariano" e está cada vez mais na ordem do dia com o aquecimento global.

Comer a produção local, os vegetais da estação, aproveitar cascas e talos, evitar alimentos processados e ingerir pouca carne são as recomendações desse grupo. A educadora Raquel Ornellas adotou essa dieta muito antes dessa nomenclatura surgir. "É como se come na roça. Minha família é do campo, e consumir o que é da região e da época sempre foi uma questão em casa", conta a moradora do bairro paulistano do Butantã.

A lógica para os climatarianos é comer alimentos com o mínimo possível de pegada de carbono, ou seja, que em seu processo de produção, transporte e comércio tenham emitido pouco dos chamados gases do efeito estufa, substâncias que na atmosfera aceleram o aumento da temperatura que está levando a Terra a mudanças climáticas drásticas.

Em primeiro lugar, é melhor evitar ao máximo carne bovina, afinal, a pecuária é responsável por 17% das emissões desses gases no Brasil. Mas também é preciso cortar a cota de frutas importadas, como peras portuguesas ou kiwis neozelandeses, afinal, a viagem deles até a sua boca deixou um rastro de dióxido de carbono em seu caminho.

O ato de comer para um climatariano se transforma em algo mais complexo do que simplesmente abolir animais do seu regime, como fazem vegetarianos e veganos. É preciso levar em conta que a quinoa exportada está inflacionando o preço no Peru, onde essa semente é base da alimentação da população. Também é preciso estar informado que o avocado vindo do México foi colhido em fazendas tomadas dos agricultores por cartéis da droga, afinal, a fruta que caiu no gosto da "galera fitness" virou um negócio muito lucrativo.

Abacate - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Raquel, por exemplo, compra a maior parte de sua comida de um agricultor de Caucaia do Alto, região rural na Grande São Paulo, que semanalmente traz sua produção para vender no Jardim Rizzo e no Morro do Querosene (zona Oeste da cidade). Ela faz isso há 25 anos, chegou a frequentar o sítio dele com a família e acompanhou o processo de certificação de sua plantação com um selo orgânico.

"Uma vizinha me apresentou o seu Joaquim. No começo, comprava o que ele oferecia na cesta. Fui aos poucos fazendo pedidos e encomendas, e ele foi diversificando. Depois, eu que fazia a propaganda dele, e ele conseguiu muita clientela comigo", lembra.

Sazonal e local

Raquel também compra em mercados de orgânicos ligados a associações sem fins lucrativos da região, que respeitam normas ambientais e trabalhistas. Na contabilidade climática, os orgânicos saem favorecidos porque não utilizam fertilizantes químicos nem defensivos agrícolas, vindos das poluidoras atividades de extração mineral e industrialização.

"Para mim, o alimento sazonal tem mais sabor e tem preço melhor. Também gosto de me adaptar aos ciclos da natureza, saber que é época de determinada fruta. As pessoas se acostumaram aos supermercados oferecerem tudo o ano todo e perderam a noção das estações."

Raquel compra manga no início do verão, quando elas se penduram dos pés em São Paulo. E procura não consumir as diversas safras que vem das mangueiras de Petrolina (PE), área que é grande exportadora da fruta. Também evita a superprodução de melões de Mossoró (RN) e de mamões de Eunápolis (BA). "As grandes cadeias de comércio trabalham para saciar o desejo do consumidor, que é o centro desse sistema. Vão buscar onde seja", argumenta a educadora.

Goji berry - iStock - iStock
Goji berry é um dos alimentos da moda que tem grande impacto por ser importado
Imagem: iStock

E os desejos, como bem sabem os publicitários, podem ser moldados por estratégias mercadológicas. Um exemplo revelador disso são os "superalimentos" que invadem publicações, posts e prateleiras de um ano para o outro com muito alarde e sem muita comprovação científica. Então, vale importar goji berry da China ou mirtilo do Canadá atrás de nutrientes supostamente milagrosos. O próprio açaí entrou em uma dessas ondas e virou moda global, inflacionando o preço da fruta comum nos pratos da região amazônica.

"Vario muito o cardápio. Capricho na combinação de ingredientes. E invento pratos, como farofa de almeirão. Minha filha é que não gosta muito das minhas comidas e não dispensa sua maçã argentina", confessa Raquel, que também comete seus deslizes climáticos em nome da gula: adora tâmaras, molho de gergelim e castanha de caju, mas só come em dias especiais. Compensa isso com sua produção domiciliar, saída da horta com temperos, verduras e frutas em seu quintal.

Indigestos para o clima

Os bifões são, de longe, o alimento que mais prejudica o clima terrestre - e olha que nessa conta não entra a fumaça da churrasqueira. A pecuária polui mais, por exemplo, que todos os meios de transporte do mundo somados. Apenas 100 gramas de proteína bovina é responsável pela emissão de 35 quilos de dióxido de carbono em sua produção, o dobro do usado na criação de carneiros e mais de cinco vezes da de frangos.

Alimentos muito processados também estão ajudando ao aquecimento global, porque passam por muitos passos industriais, fora usarem embalagens plásticas. Assim como veganos e vegetarianos que se prezem, os climatarianos gostam de comprar produtos a granel, levando de casa o vasilhame onde vai ser pesado o alimento.

Há estudos para que os produtos tenham rótulos que contenham a pegada de carbono como uma informação a ser avaliada pelo consumidor. O cálculo é bem complicado, afinal, requer muitos detalhes e variáveis, mas é possível estabelecer um valor médio aproximado das emissões.

Escolher os alimentos locais e sazonais é uma forma prática de optar por um futuro que queremos, com a vantagem de poder ser feito, pelo menos, três vezes por dia. Mas, a não ser que você more no campo e seja autossuficiente, é preciso ter tempo (e algum dinheiro) para ser climatariano nas cidades.

Para quem come em pé e corre para não perder os compromissos nas grandes metrópoles, esse parece um mundo impensável. Mas para quem pode parar para pensar é o único mundo viável.

O que come um climatarian?

  • Tudo orgânico, vindo de feiras, mercados ou hortas
  • De preferência, alimentos do cinturão verde das cidades
  • Fruta da estação (manga no verão, caqui no outono, tangerina no inverno e pitanga na primavera)
  • Legumes da safra (abóbora no verão, inhame a partir do outono, batata doce no inverno e alcachofra na primavera)
  • Verduras, as mais frescas possíveis
  • Quase nada de produtos importados ou alimentos de outros climas
  • Produtos de pequenos produtores locais, como queijos e embutidos artesanais
  • Carne bovina, no máximo duas vezes por mês, quando é indispensável na receita
  • Carnes brancas, uma vez por semana, de preferência de animais criados de forma extensiva, como frango caipira, em fazendas das redondezas