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Mesmo vulnerável, Santos é exemplo para litoral enfrentar crise do clima

Obra contra erosao e ressacas, na Ponta da Praia, em Santos, litoral sul de Sao Paulo. - Zanone Fraissat - Folhapress
Obra contra erosao e ressacas, na Ponta da Praia, em Santos, litoral sul de Sao Paulo. Imagem: Zanone Fraissat - Folhapress

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo

10/03/2020 04h00

Pode parecer maluquice, mas a história infantil dos "Três Porquinhos" tem muito mais a ver com mudanças climáticas do que você pode imaginar. No conto, os três animais decidem construir uma casa para cada um: uma de palha, outra de madeira e a terceira de tijolos. As duas primeiras construções logo foram derrubadas pelo sopro do grande perigo que se personificava na figura do lobo mau. Só a casa de tijolos se manteve em pé e foi suficiente para salvar a todos e garantir aquele famoso "felizes para sempre".

É exatamente essa a imagem que o economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Eduardo Young, pinta sobre o momento em que estamos em relação ao planejamento de adaptação do brasileiro à crise climática.

Quando pensamos em impacto econômico e no aumento da vulnerabilidade social em consequência dessa mudança, nós queremos construir casinha de palha ou de tijolos? Queremos soluções que serão eficazes a longo prazo ou só vamos tapar buracos?

Carlos Eduardo Young, economista

Acontece que as coisas estão mudando em todo território brasileiro: das queimadas da Amazônia às alterações de padrão de chuva no Sudeste. O fogo no coração do Brasil ardeu 30% mais entre 2018 e 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já a cidade de São Paulo viu aumento de 55% das chuvas intensas só neste século.

Esses fenômenos em diferentes partes do país têm duas coisas em comum: são causados pelo aquecimento global e afetam todo mundo em maior ou menor grau. E, apesar de já existirem soluções para tentar evitar que a situação se agrave, é preciso pensar também no que pode ser feito para reduzir os danos já feitos.

Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas

O Brasil, por exemplo, tem a lei de número 12.187, de 2009, que estabelece uma Política Nacional sobre Mudança do Clima, pensada para estabelecer a implantação de ações de mitigação e adaptação às consequências do aquecimento global. A partir dela, nasceu o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA ), em 2016. As duas políticas foram criadas pelo Ministério do Meio Ambiente à época.

Nele, são estabelecidos três objetivos: orientar e disseminar conhecimento e informação sobre o tema; promover e coordenar a cooperação entre órgãos públicos para lidar com os danos causados por mudanças climáticas, e propor medidas para reduzir risco.

"O PNA nasce como um plano federal, não nacional. Tinha muito mais o propósito de educar os servidores federais. Era um projeto muito tímido no começo. Até que, em 2014 o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em inglês] solta o quinto relatório e tudo muda," conta Natalie Unterstell, especialista em políticas públicas, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas e mestre em administração pública por Harvard.

Então, o PNA, que antes era formalizado mais como um projeto de estudo das vulnerabilidades brasileiras frente às consequências das mudanças climáticas, passa a ter outra dinâmica. Estimulada pelo relatório do IPCC, a abordagem voltou-se para a gestão de riscos de forma mais dinâmica, lidando mais diretamente com possíveis estratégias para reduzir desastres. "E isso influenciou, por exemplo, que parte da linguagem do plano fosse voltada para mudar mentalidade dos gestores de Estados e municípios para irem nessa linha," completa Natalie.

Falando em governos locais, a proposta de ter um Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas era também o de servir como uma espécie de guia para que Municípios e Estados criassem um plano para chamar de seu. Visando pensar em soluções mais eficientes e que contemplassem as peculiaridades de cada região.

Obra baixada santista - Zanone Fraissat - Folhapress - Zanone Fraissat - Folhapress
GeoBags, sacos de areia submersos, foram instalados em praias santistas para conter a ressaca do mar
Imagem: Zanone Fraissat - Folhapress

Santos como ponto fora da curva

A cidade de Santos foi a pioneira em desenvolver um plano municipal que tratasse do tema das adaptações necessárias para lidar com situação climática em que estamos. Se a PNA foi lançada em maio de 2016, o município litorâneo no final do mesmo ano já tinha estruturado o Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas de Santos.

A atitude positiva, porém, foi colocada em prática por motivos negativos. Segundo relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Santos aparece na lista de cidades brasileiras litorâneas com grau de vulnerabilidade elevado em relação às consequências do aquecimento global, junto com Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e Vitória. Municípios marítimos são, por si só, extremamente vulneráveis devido a elevação dos oceanos, que pode ser maior com o derretimento das calotas polares.

O litoral paulista concentra ecossistemas e populações com grande exposição e suscetibilidade a riscos ambientais resultantes das (ou intensificados pelas) mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar, tempestades, enchentes, deslizamentos de terra, escorregamento de encostas e proliferação de doenças por conta de vetores sensíveis à variação ou mudança climática.

Trecho relatório Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas, do PBMC

Geólogo pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Planejamento e Gestão do Território da Universidade Federal do ABC (UFABC), Fernando Nogueira diz que, na realidade, "Santos é uma conquista incrível da engenharia humana, por viabilizar a ocupação de um lugar que era completamente problemático na sua natureza, na sua origem."

Fernando explica que, após superar essa questão inicial de construção da cidade, um novo problema aparece: o alto número de pessoas que estão vivendo em regiões de linha de praia. Vale ressaltar que, antes mesmo de ter um Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas, Santos já possuía esforços de outro projeto para lidar com estes problemas.

Com o Projeto Metrópole, que iniciou em 2013 e acabou em 2017, um conjunto de cientistas e pesquisadores nacionais do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), da USP, da Universidade Estadual de Campinas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Geológico de São Paulo, da Prefeitura de Santos e outros grupos internacionais elaboraram possíveis futuros climáticos para os anos de 2050 e 2100 para testar a capacidade de resiliência e adaptação da cidade e sociedade civil.

União entre governo brasileiro e alemão

A escolha pela cidade da baixada santista deu-se pela quantidade e qualidade alta de dados sobre marés altas, chuvas, ressacas marítimas e temperatura. O mesmo motivo foi usado quando o Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente escolheu a cidade para ser piloto do projeto ProAdapta.

Em 2017, o Ministério do Meio Ambiente juntou forças — e dinheiro — com o governo alemão para promover o aumento da resistência do país por meio da aplicação mais efetiva dos objetivos presentes no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima.

O apoio financeiro foi de 5 milhões de euros (R$ 27 mi) para ser dividido entre Santos e, posteriormente, Salvador. "Nós também recebemos consultorias do que há de mais recente em relação à lente climática do mundo para aplicarmos nos trabalhos aqui em Santos," conta Eduardo Kimoto, da Comissão Municipal de Adaptação à Mudança do Clima de Santos (CMMC).

Além disso, ele cita outras ações que estão sendo implantadas por meio desse incentivo ao Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas de Santos, como os GeoBags, que são sacos de areia submersos instalados nas praias santistas.

"Nós também passamos a inserir a lente lente climática nos planos e projetos de Santos, como Plano Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Plano Municipal de Redução de Riscos, Plano de Contingência para Ressacas e Inundações, por exemplo."

Mais barato prevenir do que remediar

A proposta é que as práticas de Santos possam servir como exemplo para que outras cidades desenvolvam um plano próprio de adaptação e que seja colocado em prática da forma mais efetiva possível. É importante ressaltar que só a existência de documentos como o Plano Nacional de Adaptação em âmbito federal não garante boas práticas relacionadas à readequação de cidades e estados brasileiros.

"O principal valor de ter uma PNA é que esse tipo de plano serve para dar diretrizes comuns para governos locais e tenta arrumar recurso federal. O problema é que hoje os objetivos previstos lá não estão sendo colocados em prática, já que não existe um núcleo no governo federal voltado a isso. Só por ter elaborado esse plano, o país poderia, inclusive, solicitar recursos externos para aplicar nas adaptações, mas não chegou a fazer, " afirma Natalie Unterstell.

Para ela, o fato de não existir implantação da PNA mostra o posicionamento político de não priorizar questões climáticas. "Não há preocupação federal em ter uma agenda efetiva de adaptação. E isso significa que a bomba vai cair no colo de gestores estaduais e municipais. Inclusive economicamente, o que nos coloca em grande risco, já que estamos caminhando para um grande endividamento de administrações locais que não tem dinheiro suficiente para lidarem sozinhas com o problema", afirma o economista Carlos Eduardo Young, em concordância com Natalie.

Obras baixada santista - Zanone Fraissat - Folhapress - Zanone Fraissat - Folhapress
Santos foi a primeira cidade a criar um Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas
Imagem: Zanone Fraissat - Folhapress

O relatório final do Projeto Metrópole, de Santos, analisou que o custo com obras nas regiões da Ponta da Praia e na Zona Noroeste da cidade ficaria em torno de R$ 300 milhões, em 2017. Mas, caso o tempo passe sem que qualquer adaptação seja feita, o valor pode chegar a, no mínimo, R$ 1,5 bilhão.

"E, isso, estamos falando de custos relacionados ao bolso apenas, já que as perdas humanas são incontáveis. Ou seja, tudo significa que prever e prevenir os problemas é melhor que remediar", afirma o economista.