Batalha Naval

Fundador do Greenpeace, o capitão Paul Watson hoje afunda navios de pesca ilegal para salvar baleias

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo (SP) Rex Weyler/Greenpeace

"As baleias, os tubarões, os plânctons são nossos clientes. São eles quem representamos. É pelo direito deles que nós lutamos e, cada vez mais, é uma luta por todos nós. Se o oceano morre, nós morremos.

Cada um dos navios que afundamos estava operando ilegalmente. Nós não somos o juiz. Nós simplesmente estamos forçando as leis internacionais sobre a preservação das baleias.

Eu não me sinto deprimido ou pessimista sobre o futuro. Sempre pensei que devemos focar no presente. O presente é o foco. Não se preocupe sobre o futuro."

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Paul Watson realmente se parece com um capitão, ou com aquele tipo que está no nosso imaginário de desbravadores dos mares. Aos 71 anos, tem a barba e os cabelos brancos, a voz grave, está sempre vestido em roupas escuras, costuma narrar grandes aventuras e tem uma longa reputação. Já foi chamado de pirata, fora-da-lei, ecoterrorista. Embora jure não dar a mínima para o que falam, não esquece o nome de cada detrator dos quase 50 anos de trabalho no oceano. É um tipo de capitão Ahab de Moby Dick às avessas: em vez de sair pelo mar para caçar baleias, utiliza de métodos radicais para salvá-las.

Paul é um dos fundadores do Greenpeace, mas abandonou a instituição em uma saída hostil para criar a própria organização no final dos anos 70: a Sea Shepherd. A instituição do capitão estuda espécies marinhas, aciona a Justiça contra a pesca ilegal, promove a limpeza de oceanos e praias e campanhas. Mas o ingrediente principal, claro, são as famosas batalhas navais.

A Sea Shepherd afunda ou danifica navios baleeiros e barcos de pesca ilegal ou excessiva. Orgulhoso, o capitão lembra o nome de cada uma das onze embarcações afundadas, como se apresentasse suas medalhas: o Sierra na Espanha, em 1979; o Susan e o Theresa no litoral da África do Sul, em 1980, três navios noruegueses entre a década de 90 e 2000 e tantos outros afundados ou danificados. As ações, claro, tiveram consequências graves.

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Em 2012, Paul se tornou procurado pela Interpol a pedido do governo japonês, após uma ação em 2010. Desde 2002, trava uma longa briga nos tribunais da Costa Rica, que o acusaram de tentativa de homicídio (a acusação foi derrubada após um vídeo provar que não houve feridos). Em 2012, cumpriu um mês em prisão domiciliar na Alemanha a pedido de um promotor costarriquenho. Na ocasião, teve os passaportes canadense e norte-americano confiscados e recebeu asilo na França. Com a ajuda do ex-secretário de estado norte-americano John Kerry, atualmente à frente da agenda climática de Joe Biden, pôde retornar aos Estados Unidos em 2017. Até hoje, não voltou para o Canadá, sua terra natal, para evitar a extradição para o Japão. "Nós não nos importamos", diz em entrevista a Ecoa. "Encontre uma baleia que discorde de nós e nunca mais iremos trabalhar", ironiza.

As batalhas navais e judiciais da Sea Shepherd têm um objetivo: causar burburinho para incentivar a investigação e a punição da pesca predatória. Ao contrário do que pode parecer, Paul não é persona non grata em todos os países. A instituição é aliada de forças nos Estados Unidos, México, Austrália, Peru, Panamá, Namíbia. No Brasil, onde está presente desde os ano 1990, uniu-se com o respeitado Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) em uma expedição de 30 dias em outubro de 2021 para mapear tucuxis e botos que, embora protegidos por lei, são vítimas da pesca criminosa.

Tony Mcdonough/EFE Tony Mcdonough/EFE

A vigilância das águas costuma ser precária no planeta. Durante as expedições, a ONG encontra violações de direitos humanos, como trabalho escravizado, caça de espécies ameaçadas, como baleias, golfinhos, lulas e que, consequentemente, agridem o fitoplâncton — algas que são alimento marinho e responsáveis, estima-se, por ao menos 70% do oxigênio terrestre. "O oceano é como um faroeste. Existem regras, mas não existem regras", diz Paul.

Em alguns casos, a instituição também deflagra intervenções mais diretas: lança arpões, jatos d'água ou provoca colisões para danificar ou afundar embarcações. As cenas fazem sucesso na televisão norte-americana, cinema, YouTube, palestras e livros. Em uma delas, no México, dezenas de pedras e coquetéis molotov eram lançados de barcos e rebatidos contra jatos d'água da Sea Shepherd.

A controvérsia virou sensação. Dezenas de artigos e discursos o tacham como terrorista dos mares, especialmente em países onde a pesca é um dos pilares econômicos e tradicionais, como Noruega, Dinamarca, Japão e Canadá. Evidentemente, a alcunha malfadada atraiu admiradores e recrutas. Entre os famosos estão Anthony Kiedis e Flea, do Red Hot Chilli Peppers, os atores Christian Bale e Orlando Bloom, Steven Tyler e Joe Perry, da banda Aerosmith, a modelo Pamela Anderson e o rolling stone Mick Jagger. Uma das primeiras apoiadoras é a atriz Brigitte Bardot. Em 2009, Paul foi retratado em "South Park".

Instituto de Pesquisas de Cetáceos/AFP Instituto de Pesquisas de Cetáceos/AFP

Um conjunto de princípios defendidos por Paul também explica a fama da instituição, como o veganismo e a não-violência. O símbolo da Sea Shepherd também ajuda entre os mais jovens e é, como muitos dos apoiadores, indiscutivelmente rock n'roll: um crânio com duas baleias em um fundo preto é cruzado por um tridente e um cajado. Segundo Paul, o preto significa a iminente extinção dos oceanos; o crânio, a humanidade; o tridente, a não-violência; o cajado, a proteção; e a duas baleias, em forma de yin-yang, a harmonia. Os navios são estampados pelo símbolo e pintados em cores militares que lembram piratas ou um encouraçado desarmado. "Nós conseguimos 2 milhões de dólares por ano com a venda de nossas peças de merchandising, o que ajuda na manutenção bastante cara dos navios", acrescenta.

O capitão costuma dizer que o "pacifismo de Gandhi" não funciona no oceano desde os anos 70, quando foi atacado por baleeiros soviéticos ainda no Greenpeace. Por outro lado, defende que os únicos alvos são os equipamentos ilegais - é proibido ferir ou permitir que pessoas sejam feridas. A prática da não-violência é inspirada em uma recomendação redigida após um encontro com Dalai Lama no fim dos anos 90. (Cerca de dez anos depois, o chefe de estado e líder espiritual do Tibete se mostrou reticente com os rumos da organização em discurso para japoneses).

Nas contas de Paul, 6.500 baleias foram salvas em uma década de operações no Japão. Nas Ilhas Faroe, na Dinamarca, onde um evento de caça golfinhos banha o mar com sangue, estima ter diminuído em 30% o número de espécies sacrificadas. "Nada vem do dia para noite e sempre toma uma quantidade enorme de paciência", diz.

Sempre pergunto para os voluntários se eles estão dispostos a arriscar a vida por uma baleia. Muita gente diz que isso é insensato. Eu digo que não. Nós não vivemos em um mundo onde pedimos pros jovens arriscarem a vida pela propriedade, por bandeiras, por estados, religiões? Acho muito mais nobre arriscar a vida para proteger uma espécie ou habitat ameaçado.

Paul Watson, ativista à frente da Sea Shepherd

Há três anos, a brasileira Natalie Gil largou o trabalho como consultora de sustentabilidade em empresas que chama de "status quo", em que que seus relatórios nem sempre eram lidos e levados a sério. Ela pediu demissão de um emprego em Londres e, após um ano em período sabático, estava a bordo de um barco que navegaria durante 30 dias pela extensão do rio Solimões na Amazônia. Agora, ela é uma Sea Shepherd.

O objetivo da viagem era catalogar botos-cor-de-rosa e tucuxis, usados como isca ou mortos ao se emaranhar nas redes de pesca. Nada de confrontos. A ação na Amazônia foi uma união com o Inpa para calcular quantas espécies desapareceram; estima-se que a população de botos caia pela metade a cada década — três tucuxis saudáveis foram encontradas mortos com marcas de arpão e rede durante a expedição. O receio é que os botos e os tucuxis sofram o mesmo destino das vaquitas: espécie de golfinho da Califórnia reduzida a apenas 10 indivíduos.

No Brasil, não há grandes navios da Sea Shepherd em operação. Por aqui, além da Amazônia, a organização também promove limpeza de praias e, em novembro, lançou uma campanha contra a compra de cação na merenda escolar de São Paulo (cação é o nome comercial para carne de tubarão). "Paul Watson mostra que se pode fazer a diferença e seguir com uma ideia mirabolante. Muita gente chama de rebeldia, mas acho que a sensação de querer causar mudança", diz "Vestindo essa camiseta, mostro que faço parte desse movimento".

A Sea Shepherd está presente hoje em 25 países, onde mais de 7 mil pessoas navegaram. Só em 2021, afirma ter retirado 40 toneladas de plástico das praias da Costa Rica. No Brasil, um grupo de pescadores de barbatanas foi autuado pelo Ministério Público após uma missão da Sea Shepherd no Amapá. "Eu quero acreditar que irei ver o fim da caça de baleias no mundo antes de morrer", diz. "É um milagre acreditar que as baleias sobreviveram até hoje", diz. Há um ano, pesquisadores podem ter encontrado uma peça deste milagre: uma nova espécie de baleia foi vista a nadar livremente em águas mexicanas.

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