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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O trabalho social é sério demais para ficar rodeado de questionamentos

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Imagem: Shutterstock

07/04/2022 06h00

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Existem motivos para que financiadores, especialmente os públicos, cobrem de organizações sociais três anos ou mais de operação antes de apoiá-las financeiramente: consistência das ações, experiência de realização, impacto no público motivador e resultados mensuráveis.

A constância das atividades, as estratégias adotadas e o que elas provocam nas pessoas e comunidades, a médio e longo prazo, são algumas das maneiras de medir se aquele trabalho faz ou descobriu algo que gera, de fato, uma transformação social positiva na sociedade.

É o tempo e as tentativas que ajudam a aperfeiçoar os métodos, a descobrir novas ferramentas e, quando necessário, a mudar o caminho que foi traçado lá no começo. Às vezes existe uma teoria de mudança na cabeça da liderança social que, quando vai para a prática, se mostra inviável ou já superada pela própria realidade. Isso se chama aprendizado, e pede tempo e replanejamento. É do jogo.

Transformações só podem ser conferidas depois de três anos? Não necessariamente. Mas o tempo é um dos mecanismos encontrados para garantir que o recurso público vá para quem está, de fato, comprometido com o bem comum. Para quem tem experiência naquilo e entrega resultados concretos.

Os três anos de existência legal, e mais que isso, de promoção de atividades para as quais você busca apoio, não são uma regra universal. Muitos investidores sociais privados, empresas e algumas políticas públicas específicas procuram justamente quem está nascendo, numa tentativa de estimular a inovação social.

A realidade brasileira é complexa e as soluções para superar seus desafios brotam de todos os cantos, a todo momento. Portanto, faz muito sentido que haja linhas de apoio, também, na estruturação e no desenvolvimento de novas tecnologias sociais. Tecnologias essas que podem virar políticas públicas no futuro, como já aconteceu muitas vezes no Brasil.

Mas o espírito do nosso tempo impõe um desafio diante das últimas notícias: como garantir que grandes recursos públicos estejam nas mãos de quem tem conhecimento, comprometimento e experiência para entregar resultados? Como dar transparência a este processo, de maneira que seja democratizado não apenas o acesso ao recurso, mas a prestação de contas sobre seu uso?

Infelizmente, o que estamos percebendo é que algumas pessoas, por conta de sua influência, sua rede de relacionamentos ou até por alinhamento ideológico com o poder, tem acesso privilegiado ao dinheiro público para fins sociais. E pior: usando atalhos e brechas legais para isso. Não há fim que me convença de que este meio é aceitável.

Não estou dizendo aqui que não haja trabalhos sérios liderados por personalidades. Conheço vários, inclusive. Só estou chamando a atenção para o risco que existe quando exposição, relacionamento e alinhamento são os únicos critérios para liberação de verba. Em última instância, este é um dinheiro que é meu e seu. Do sujeito coletivo, que é o povo.

Nos últimos anos, é perceptível que há um ataque recorrente e organizado às ONGs. De uma hora para outra, elas foram colocadas como vilãs para a sociedade. Aqui, cabe dizer: ONG nunca existiu para substituir o Estado. Das vezes em que pude debater com alguém influenciado por essa narrativa espalhada aos montes nos grupos de WhatsApp, quis saber o que conheciam da história, do papel e do funcionamento de algumas ONGs conhecidas nacionalmente. Não souberam me responder.

É comum que haja, num primeiro momento, frases muito específicas para questionar o trabalho feito por elas. E num segundo momento um completo silêncio, quando é para sustentar essas frases feitas e distribuídas sob medida para gerar desconfiança. O Brasil foi empurrado propositalmente para o debate de versões, não de fatos. A quem isso interessa?

Existem, sim, más práticas. Como em qualquer lugar. Mas também existem dezenas de trabalhos sérios e inspiradores Brasil afora. Especialmente fora dos grandes centros econômicos e financeiros. Trabalhos, inclusive, reconhecidos internacionalmente. Mas que por aqui, ultimamente, só recebe ataques.

Diariamente, Ecoa conta várias dessas histórias: o que fazem, como fazem, com quais resultados. É desanimador, e mais que isso, é preocupante, que não sejam elas a potencializar as soluções sociais que criaram em uma parceria estratégica com o Estado brasileiro - mas sim, quem já tem, entre tantas coisas, o amigo certo, na hora certa, no lugar certo. O trabalho social é sério demais para ficar rodeado de dúvidas e questionamentos.