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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil: entre a gestão das urgências e o projeto futuro, escolha os dois

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Imagem: iStock

17/03/2022 06h00

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O ritmo das doações de pessoas físicas e empresas vem caindo. É o que mostram levantamentos sobre o tema. Até certo ponto é compreensível, nem em nossos piores pesadelos existiria uma pandemia de dois anos no horizonte. Com o passar do tempo, a situação econômica se complica para todo mundo. Mas, sabemos, o Brasil em crise é sobre alguns perderem o que conquistaram, e a maioria perder futuros possíveis.

Participo de conversas em que empresas, especialmente suas áreas de responsabilidade social, têm se posicionado assim: agora que o pior já passou, a ideia é retomarmos a nossa linha de investimento social. Veja, para ser sincero, o pior existia antes mesmo da pandemia. Desigualdades de todo tipo. E não passou por décadas, não seria agora.

Quem morre, pelos motivos que for; quem sofre violências, as violências que forem; quem, estrutural e sistemicamente, não tem acesso a oportunidades, lugares e coisas, sabemos, é bem definido em raça, classe e gênero. Antes de dizer que não, pense bem: ser quem você é, o impediu de quê até aqui? É sobre isso e não está tudo bem.

Então, não passou. Sabemos que os efeitos destes últimos dois anos nos acompanharão futuro afora. Pesquisas já apontam um estrago incalculável na educação, por exemplo. Em especial, entre os empobrecidos. Olha a classe aí. Portanto, não faz sentido dizer que "saímos da pandemia" para uma suposta normalidade social. Estamos lutando com todas as forças para superar a crise sanitária, que é uma das camadas disso tudo. Mas tem ainda: as camadas social, econômica, cultural e por aí vai.

Escutei do André Singer, não sei se foi cunhado por ele, a expressão Gestão das Urgências. Se não erro na interpretação, é sobre tudo aquilo que precisamos fazer agora e hoje para conseguir minimamente existir com dignidade amanhã, na semana que vem. Não muitos depois, são só agoras. Por exemplo, o direito a ter o que comer, em meio à maior crise do nosso tempo. Pelo menos até aqui. Inevitável não imaginar que, infeliz e dolorosamente, essa dor e vergonha exista por algum tempo, num contexto que sim, ainda é sobre a pandemia. Seus desdobramentos.

Por isso, não tem como dizer que o pior já passou e vida que segue. Ela não seguirá para uma maioria. Já devíamos ter aprendido que, no Brasil, o pior é sempre o que está por vir, quando falamos de crises sociais.

Existe um desafio colocado para todas e todos nós, como sociedade, de não deixar cair no esquecimento, ao mesmo tempo em que apoiamos a construção de dois caminhos: a gestão das urgências e um projeto de futuro.

No primeiro cuidamos das pessoas no agora. No segundo desenhamos novas estruturas sociais, econômicas, culturais e institucionais para superarmos de uma vez por todas tudo que não nos deixa realizar a promessa que somos como país. Os financiadores sociais têm um papel essencial nisso tudo. Ao lado das políticas públicas, são eles que ajudam a pavimentar os dois caminhos.

Por um lado, empresas, institutos e fundações precisam continuar a olhar com cuidado, atenção e recursos financeiros para quem está na linha de frente da Gestão das Urgências. Garantir que haja, em suas estratégias institucionais, sempre um investimento para o agora.

Ao mesmo tempo em que é essencial investimento contínuo em ideias e iniciativas que estão falando de um depois, de um futuro que a gente merece e precisa, e que chegará em breve. Muitas pessoas e projetos já têm pistas e práticas de como podemos ao menos enfrentar com seriedade vários dos desafios que temos como país. Essas pessoas e organizações estão por aí, às vezes longe da atenção da mídia tradicional ou no radar dos investimentos sociais. Mas existem.