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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Moïse: Barbárie com B, de Brasil. Até quando?

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

03/02/2022 06h00

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O congolês Moïse Kabamgabe, um homem negro, foi espancado até a morte no Rio de Janeiro, uma das nossas cidades mais conhecidas no mundo. No Quiosque Tropicália, na beira do mar. Câmeras por todo canto, turistas por todo lado. Moïse foi pedir que o pagassem, já que trabalhou para o lugar.

Moïse levou ao menos 30 pauladas. Torturado, amarrado e morto. A pauladas. Você consegue alcançar a dor desse absurdo? Ou também já naturalizou que, no Brasil, algumas vidas são menos vidas que outras, a depender da cor da pele, do país de origem, da identidade ou da classe social?

Essa história deveria ocupar a primeira página dos principais jornais do país por todos estes dias, e os adiante; capa de todas as revistas semanais. Mobilizar os telejornais de todas as noites, comentaristas de todos os temas: de economia ao entretenimento.

Essa história de dor e revolta deveria estar no topo da homepage dos grandes portais, sendo o assunto de todos os colunistas que, indignados, cobrariam alguma atitude para interromper essa coleção de casos isolados que se perpetuam há décadas. Essa história deveria mobilizar os ministros de Estado, constrangendo o país a dar explicações para a comunidade internacional. Comprometidos a mudar tudo, mudariam.

Os jogadores dos principais clubes do Rio e do restante do país poderiam fazer publicações, usando o seu prestígio e poder mobilizando atenção para essa barbárie, não deixando que caia no esquecimento como tantos outros casos que nos arrasaram: João Alberto Freitas, Ágatha Félix, Amarildo. São tantos, todos os dias.

A seleção brasileira de futebol masculino poderia nem entrar em campo pelas eliminatórias e tornar o caso um assunto mundial; a segunda rodada do Campeonato Carioca ser adiada com nota pública de pesar, solidariedade e pedido de justiça: mataram um irmão, um ser humano igual a nós que vamos ao campo às quartas e domingos. Que isso pare aqui, para sempre.

Os artistas, em especial as pessoas brancas, poderiam promover lives em apoio à família, escutar em seus perfis lideranças da comunidade explicando como são tratados aqui (não é um caso isolado) e o que precisamos mudar; usar seu alcance de milhões de pessoas para impulsionar as muitas vozes do movimento negro que lutam incansavelmente contra tudo isso. Fazer chegar a cada vez mais pessoas essa mensagem. Mas, não.

Na abertura do Paredão do Big Brother, o Tadeu Schmidt poderia fazer um discurso sobre o fim do nosso falso pacto de cordialidade, resumindo que o Brasil é um país violento sim. Nasceu assim, foi construindo assim e se sustenta assim: no racismo e na violência. Pergunte aos empobrecidos, às mulheres e às pessoas negras e elas dirão. E Tadeu diria depois que temos um pacto em mudar isso a partir de agora, que o programa e a emissora estarão comprometidos institucionalmente com isso. Mas, não.

As fundações e os institutos privados poderiam ter soltado notas conjuntas cobrando que o Estado cumpra seu papel de mediador da vida comunitária, garantidor da vida. Pressionando por políticas públicas de médio e longo prazo que sustentem as pessoas vivas, se colocando à disposição para construir junto essas soluções. Para ontem. Mas, não.

Quase nada disso aconteceu. Uma manifestação aqui, outra ali. Maior que nos últimos casos, menor do que precisamos. Tenho pouca fé que isso mude. No Brasil, a revolta tem o tempo de um stories. E quem sustenta e avança mesmo a indignação vem do mesmo lugar de quem foi morto. Em geral tem a mesma cor de pele. Corre os mesmos riscos depois da comoção.

Até quando vamos achar que não somos partes do problema, eu não sei. Nós, como sociedade, não entendemos o que o Emicida já cantou em Boa Esperança, tem sete anos: a violência se adapta, um dia ela volta pra vocês. Que se movimentem então pelo instinto de sobrevivência, já que a solidariedade por aqui é seletiva. Mas nem isso acontece direito.

ECOA é a casa das conversas urgentes sobre caminhos e soluções. Sobre as ideias que nos farão atravessar de um lado a outro, tocar o futuro. Quando a tortura e o assassinato de Moïse me alcançou eu escrevia mais uma história que caminhava por aí. Mas parei. Não há como continuar o que quer que seja com uma notícia dessa.

É inacreditável o que aconteceu, é inacreditável que continue acontecendo. É inacreditável como a barbárie já é uma paisagem entre nós. O Brasil está chegando a um ponto de não retorno da incivilidade. E não tem como as coisas mudarem de verdade sem você, que me lê. Passou da hora de sermos parte da solução. Um ato está marcado para sábado no local do crime.