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Lia Assumpção

Hambúrguer x avião

06/09/2020 04h00

O artigo era sobre uma pesquisa feita no EUA e Canadá a respeito do quanto das pessoas sabem sobre os impactos de seus "consumos" sobre o clima. Trazia um quiz que, pelo que entendi, reproduzia as mesmas perguntas que foram respondidas na pesquisa.

A primeira, por exemplo, era assim: você decidiu virar vegetariana (o) porque quer diminuir a sua pegada de carbono; sua (seu) amiga (o) não quer virar vegetariana mas também quer diminuir a pegada de carbono eliminando embalagens descartáveis de qualquer tipo de alimento. Quanto tempo ela vai demorar para economizar a mesma quantidade de carbono emitido na atmosfera que você parando de comer carne por um ano? O campo era para você preencher com um numerozinho. 1 ano? 5 anos? Me irritei. Que pergunta é essa?

Eu não queria acertar. Pra falar a verdade, eu nem gosto muito de quiz. Mas queria acessar aquele conhecimento ali e, para isto, tinha que preencher o campo. Marquei "1 ano" e veio um "ups, resposta errada" e depois toda a explicação de como foram as respostas dos participantes oficiais da pesquisa, além do que você precisaria adquirir ali de conhecimento que é: a carne vermelha causa muito mais impacto no aquecimento global do que as embalagens descartáveis dos alimentos (sem maiores explicações do porquê disso acontecer, diga-se).

Fiz o mesmo procedimento com as perguntas seguintes, marcando sempre 0 para poder logo acessar as respostas. Recebi três variações do "que pena, você não acertou". Vale dizer que a segunda pergunta comparava lâmpada LED e secadora de roupas (e a ilustração trazia um varal); a terceira um vôo de avião com hambúrgueres; e a última carros movidos a gasolina com os híbridos. Quem me acusa aqui de comparar coisas incomparáveis não ia conseguir chegar até o final, certeza.

A matéria que veio depois do quiz, começava dizendo que eu não precisava me sentir mal porque, entre as 965 pessoas que responderam à pesquisa, só uma acertou 3, das 4 questões. Nenhuma acertou as 4. Ah, vai, não acredito (contém ironia).

Fiquei me perguntando se a irritação ao final da leitura relacionava-se com o fato de: a) ter não ter a menor ideia de como mensurar em anos ou em quantidades algo que ainda não é exatamente naturalizado em nossas vidas; ou b) todas as perguntas relacionarem o consumo individual ao aquecimento global. Sobre a alternativa "a", me veio em mente a lembrança que tem gente que acha que o aquecimento global nem existe, o que dirá de tomar como verdade que o consumo de carne é uma de suas maiores causadoras. No caso da alternativa "b", pensei nos produtores de carne, donos de empresas aéreas, fabricantes de secadoras e nessa tríade que, do meu ponto de vista, faz com que as coisas sejam, ou não, sustentáveis: indústria e iniciativa privada-poder público-consumidores.

Comecei a ler esse artigo porque ele me lembrou uma outra pesquisa — O impacto escondido — que cheguei a comentar por aqui. Nesse caso, assisti uma palestra com sua autora, durante a qual ela distribui papeizinhos que deveriam ser preenchidos pelo público. As questões também relacionavam-se com o consumo e também envolviam números. Mas a ideia era clara: te ajudar a pensar sobre seu próprio consumo, tentar mensurá-lo de alguma maneira e te aproximar da ideia do impacto ele gera no mundo. E foi mágico pra mim. Não tinha certo e errado mas tinha um monte de informações que eu nunca tinha parado pra pensar. Como a da carne. Eu não tinha a menor ideia de que o alto consumo de carne, tem grande impacto no aquecimento global; soube ali, com o papelzinho amarelo que ela me deu, no qual tinha que organizar as categorias propostas em ordem decrescente de volume/uso em nossas vidas (produtos eletroeletrônicos, carne, carro, viagens de avião, por exemplo).

Fiquei pensando que se o papelzinho amarelo, apesar de trazer informações alarmantes a respeito do meu consumo, tinha me trazido reflexões (e até modificações) no meu consumo; o artigo do quiz, do primeiro parágrafo, tinha me deixado profundamente irritada. Não entendi qual era o ponto dele e nem da pesquisa. Tanta gente que poderia desfrutar do acesso a essa informação mas que deve ter parado no primeiro "ah, que pena que você escreveu um número totalmente sem noção como resposta".

Meu marido riu da minha irritação e foi automaticamente intimado a pensar no assunto comigo. Na opinião dele, a ideia da pesquisa era testar o quanto as pessoas estão dispostas a abrir mão de seus hábitos de consumo. De acordo. Mas por que as pessoas tem que parar de viajar de avião ou pagar em hambúrgueres (ainda que eu não precise daquela quantidade de hambúrguer) uma ida de São Paulo até Belo Horizonte? Por que a responsabilidade está com o consumidor e não com o dono da companhia aérea? Por que não tem uma lei que obrigue as companhias a se ajustarem às emissões que são permitidas? Ou uma companhia que ofereça voos com uma nova tecnologia que esteja procurando minimizar isso?

Aí você pode me dizer que se todo mundo for consciente e parar de andar de avião, as companhias vão ter que se adequar. Nos meus dias otimistas, eu também penso assim. Mas será que todo mundo vai parar de andar de avião? Quanta gente será que parou de andar de avião por conta dessa consciência? Será que isso já gerou algum impacto relevante? E, se meu marido estiver correto na interpretação da pesquisa, será que ela foi capaz de quantificar o "quanto" as pessoas estão dispostas a abrir mão de seus hábitos em prol do coletivo, do meio ambiente. Queria muito saber, mas o artigo não dizia.

Mas para não terminar com tantas perguntas, te conto as respostas do quiz: O impacto no meio ambiente do consumo de carne por um ano equivale ao de comida embalada por 10 anos (só penso na pessoa que me acusou de comparar coisas incomparáveis aqui). Uma carga da secadora, equivale a uma lâmpada LED acesa por 13 dias ininterruptamente. Uma ida de Londres a Nova York Você equivale ao consumo de 278 hambúrgueres. E por fim, a mesma quantidade de gases de efeito estufa são emitidas rodando 100 quilômetros num carro a gasolina e 150 num carro híbrido.