Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Favela vence(u)ndo - parte I
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Há duas semanas compartilhei nas redes um dos momentos mais felizes de toda a vida. Após anos, apesar das batalhas, consegui, com esforço de trabalhos, dar um presente sonhado para minha mãe: uma máquina de lavar.
Tomei a liberdade de publicar nas minhas redes profissionais, por entender que é muito mais do que um passo individual de uma família. Assim como a minha, muitas outras mães, avós, bisavós e demais pessoas passaram pelo desafio da conquista de algo que mudaria a dinâmica do dia a dia. Para minha felicidade, multiplicaram-se as mensagens de pessoas do mesmo lugar de onde parto falando sobre o sentimento, o da satisfação em retribuir, num simples gesto, algo tão grande pra quem teve pouco por muitos anos. São as pequenas alegrias de uma vida adulta que precisamos contar.
Não, não é sobre vangloriar de história pessoal, cria. É mostrar que a disputa de histórias está aberta e acontecendo, mesmo que ninguém repare tanto. E que a luta se dá durante a frenética rotina, para conquistar situações um pouco mais confortáveis no meio de tudo furdunço.
É ter o wi-fi e a geladeira cheia, como cantam MC Marks e MC Robs em "Fé no pobre louco". É confiar no projeto traçado por Deus, os santos, santas, orixás, fazendo valer um otimismo messiânico que tudo transforma. É não perder a fé.
São os vizinhos que esticam os braços, gratuitamente, na hora de subir com o peso, pelo simples fato de apoiarem a trajetória e entenderem que, se a dona Lúcia conseguiu, a Socorro também consegue. E que estamos aqui unidos para ajudar, já que nunca nada foi ou será fácil. É mesquinho acreditar numa evolução individual.
Não é só sobre ganhar, é sobre vencer. É a criança que mora na Rua 3 ou em qualquer perifa do país curtir a foto e não desistir do que quiser ser e pode, persistindo na educação como ferramenta de transformação coletiva. É ser trabalho e faculdade, como diz Don L em sua nova música, enquanto nos outros bairros eles "são coach de virgindade em meia idade".
Superar os estereótipos, esquivando das balas e dos ratos. Não sendo o personagem pensado para violência, afinal de contas, o branco também pode assaltar uma casa na Zona Sul do Rio de Janeiro, e ainda ser um playboy, invicto de interpelação. Tá ligado não? O maluco que roubou aquela bike era chamado de "loirão". A vítima era o negro, alvo de racismo. Puro suco do Brasil, pode falar.
Mas o corre não para. Nessa vida que mais parece gincana do Gugu, a tarefa diária é não morrer de morte morrida - por covid-19 ou por tuberculose, por exemplo, que fez da Rocinha, onde vivo, um epicentro de infecção - tampouco de morte matada, num confronto. Ser um dado positivo na boca do apresentador do maior jornal televisivo do país. E seguir.
Nossos passos vem de longe, nossas vitórias partilhadas entre todos os irmãos e irmãs que juntos, dão sentido aquilo que é belo ainda que vejamos brotar: o genocídio de um povo, o sucateamento de políticas públicas, a fome, a pobreza, a falta e a falta da falta. Faltam espaços para inserir tudo.
O que vale por sempre é não perder o prumo. Nós já fizemos nosso pacto de não-morte, como bradou Conceição Evaristo. Nós é que não vamos dar o prazer de morrer. A favela vai continuar vencendo. Foi comigo semana passada, com a Maria anteontem, hoje com o João e amanhã com você.
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