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Eduardo Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nas poltronas do cinema

Cinema vazio - Batuhan Toker/iStock
Cinema vazio Imagem: Batuhan Toker/iStock

27/10/2021 06h00

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Após um ano e sete meses, voltei à sala de um cinema. Em direção ao corredor que levaria para o ambiente com diversas cadeiras e a saudosa "telona", um filme literalmente passou pela cabeça. "Será que ainda sei o que é esse lugar?", ousei me perguntar. E segui.

O espaço gélido e o cheiro da pipoca estavam lá, juntamente com a presença das pessoas que, distanciadas e de máscara, ajudavam a compor o set. Éramos só nós - eu e minha parceira, e três senhores - ocupando uma infinidade que poderia receber aproximadamente 70 pessoas. O vazio não se devia apenas ao fato de aquele não ser um blockbuster. Mesmo com o avançar da vacinação contra a Covid-19 no Brasil e no mundo, a cadeia audiovisual está em ritmo lento no restabelecimento de produções e capital.

Dados apresentados pelo Panorama do Setor Audiovisual Brasileiro, em setembro deste ano, apontam que, com uma economia enfraquecida pela crise sanitária, as expectativas para o setor levam a crer em uma melhora inicial só nos próximos meses. No fim do segundo trimestre, o número do público semanal das salas de cinema superou 1 milhão de espectadores desde o início da pandemia. O montante ainda é inferior à média de público por semana registrada entre 2017 e 2019, que soma 3,2 milhões de espectadores.

De pouco em pouco vamos retornando para admirar filmes como o que vi na noite de domingo. "Sob as escadas de Paris" conta a história de uma senhora branca em situação de rua, que mora debaixo de uma ponte. Vivida pela atriz Catherine Frot, a personagem Christine se depara com a chegada de Suli (Mahamadou Yaffa), menino negro de oito anos, imigrante perdido da mãe pela cidade-luz. Junto da mais nova companheira, a dinâmica racial e social se estabelece entre a dupla, com objetivo de despertar reflexões importantes sobre racismo, xenofobia e a crise dos refugiados.

A trajetória faz rir e chorar, como o nosso Central do Brasil, magistralmente dirigido por Walter Salles, onde Dora, personagem de Fernanda Montenegro (que com sua atuação foi indicada ao Oscar de melhor atriz), vai "desembrutecendo" à medida que se deixa levar pelas mãos do garoto Josué (Vinícius de Oliveira), recobrando, apesar de tudo, a sensibilidade.

No apagar das luzes, a representação de histórias que passam por nós diariamente, indicando mudanças a cada minuto. Em um jogo onde arte imita vida, o cinema torna-se importante canal de visibilidade para abordar de maneira suave, didática e objetiva questões que podem ser modificadas a todo tempo.

Entendendo as impossibilidades financeiras do país e as tristezas mil, a TV, importantíssima durante o auge da pandemia, cumpre papel fundamental, numa espécie de substituição ainda mais necessária. Mesmo quem nunca tenha entrado em um cinema viu "a sessão" tempos depois pela televisão, e assim vivenciou as melhores sensações. Tenho certeza de que muitos filmes salvaram pessoas.

Numa junção de forças, devemos apoiar a criação de políticas públicas de auxílio para quem trabalha em um dos ramos que mais empregam, e que agora estão tão impactados quanto aqueles por quem suas produções eram vistas. E mais do que isso: manter viva a chama produtora que pulsa em nosso país, fomentando oficinas, encontros, roteiros, curtas e longas.

Assim, muito em breve, novas histórias, ainda mais ricas de indivíduos e nuances, serão gravadas e transmitidas para o público. Quero estar de pipoca na mão quando esse dia chegar.

P.S: em tempo, comemoro um ano completo como colunista em Ecoa. Feliz em partilhar esses textos com vocês. Agradeço à editora-chefe, Fernanda Schimidt, à equipe de redes sociais e ao UOL. Sigamos.