Como as montadoras têm forçado a barra para vender o que já era seu

A onda de assinaturas está por todo lugar. Mas, quando o assunto é automóvel, a prática ganha contornos mais polêmicos. Afinal, por que assinar recursos extras se o consumidor pagou pelo veículo em si? E algumas dessas funcionalidades já estão embarcadas no carro, e o pagamento é apenas para acioná-las. UOL Carros conversou com três especialistas para explicarmos essa nova tendência.

Um dos primeiros fabricantes a investir no serviço foi a BMW. A marca alemã propôs a assinatura mensal de algo prosaico, o aquecimento dos bancos. Muito útil em climas frios, o recurso seria cobrado separadamente, saindo por US$ 18 (cerca de R$ 92) mensais.

A iniciativa dos assentos, contudo, foi cancelada tempos depois da mesma maneira da assinatura anual para usar o Apple CarPlay, anunciada em 2018, que seria acionada por US$ 80 (R$ 408) a partir do segundo ano - a despeito de vir gratuitamente no celular. O que não quer dizer que outras funcionalidades não possam ser cobradas por demanda. Era apenas o início de uma discussão.

"O exemplo do banco aquecido é interessante, pois, para quem mora no Nordeste do Brasil, é algo irrelevante, mas, para quem mora no Sul, pode ser às vezes interessante acioná-lo. Assim, ter este equipamento funcional, que está disponível no carro do Nordeste e no do Sul, é opção do cliente", afirma Milad Kalume Neto, consultor automotivo.

Nem sempre se tratam de assinaturas mensais ou anuais, também há a possibilidade de adquirir um dos serviços para a vida toda do carro - claro que o valor será maior. De qualquer forma, os equipamentos que podem ser ativados já estão instalados nos automóveis. A prática ainda não se estabeleceu no Brasil, entretanto, nada impede que possa ser aplicada por aqui.

No site britânico da BMW, há vários serviços de assinatura disponíveis. Quer a suspensão adaptativa M? No segundo mês, serão cobradas 18 libras (R$ 116), mas você pode optar por ativá-la de maneira definitiva por 395 libras. Sai mais barato.

O controle de cruzeiro adaptativo com função stop and go (para e acompanha o trânsito automaticamente) sai por 750 libras (R$ 4.860) em definitivo - não há opções mensal ou anual. E a preparação para Apple CarPlay custa 265 libras (R$ 1.700).

Não se trata apenas da BMW, algumas utilidades também são cobradas por outros fabricantes, sendo de luxo ou não. A Audi pode exigir pagamentos extras para desbloquear faróis adaptativos ou de estacionamento automático.

Da mesma forma, a Mercedes-Benz tem assinatura para elementos presentes em alguns carros. Em 2021, passou a desbloquear rodas traseiras esterçantes no EQS. E não é só. A possibilidade de aumentar o desempenho da linha elétrica é igualmente assinada, atuando sobre a aceleração. Para o SUV EQS 450, o serviço sai por US$ 90 (R$ 460) por mês (nos EUA), valor que sobe para US$ 2.950 (R$ 15 mil) para a vida toda do veículo.

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Outras empresas fazem o mesmo, como a Tesla, que exige US$ 99 por mês para acionar o Autopilot mais sofisticado, outra funcionalidade já instalada no automóvel, mas que exige uma assinatura.

O impacto negativo para os consumidores pode ser contornado. "Estamos falando de recursos de acesso que não são padrão, como, por exemplo, pagar mais para aumentar a potência do carro elétrico. Mas eu tenho que pagar? A filosofia é basicamente a mesma do YouTube Premium. Talvez a comunicação disso tenha que ser aperfeiçoada. Talvez o consumidor esteja já na cultura de assinatura", indica Ricardo Bacellar, consultor automotivo para a indústria da mobilidade.

O mesmo acontece com itens de conectividade em fabricantes nacionais. Serviços como o wi-fi a bordo têm custos extras, uma cobrança que não poderia ser assumida pelos fabricantes. No entanto, o uso de apps também pode ser cobrado, ainda que sem conexão com internet, como é o caso do Chevrolet OnStar.

Seu plano básico de assinatura inclui apenas o diagnóstico (e de alerta) do veículo e notificações de manutenção para concessionária, válido por 10 anos. Se você quiser serviços de emergência, recuperação veicular, comandos remotos, bom samaritano (permite avisar que um acidente ocorreu e acionar socorro para outras pessoas), terá que optar pelo plano Protect, com pagamento de R$ 109,90 mensais (R$ 1.099 por ano). E estamos falando dos mais acessíveis.

Há um período de testes gratuito de um mês do Protect & Connect, o plano mais completo (R$ 134,90 mensais), tempo que pode ser ampliado para três meses, mas só se o consumidor cadastrar o seu cartão de crédito - não inclui internet. A montadora não divulga o número de consumidores que assinam o OnStar.

"O brasileiro tem se negado a pagar por conectividade porque ele não vê vantagens em pagar e ter um concierge e outras coisas. O brasileiro acha que isso deveria ser originário do carro ou ele já está pagando no telefone dele, ele não precisaria pagar uma conectividade adicional", analisa Cassio Pagliarini, sócio da consultoria Bright Consulting.

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Por outro lado, alguns fabricantes não cobram por serviços de conectividade essenciais, exemplo da Hyundai, que, na linha 2024/2025, expandiu a gratuidade do Bluelink de três para cinco anos.

Isso não quer dizer que a Hyundai não queira lucrar com o movimento. Segundo a revista britânica Autocar, a montadora pode começar a cobrar por atualizações que visam melhorar a eficiência de carros elétricos antigos, otimizando o desempenho e a capacidade da bateria. É um upgrade

Claro que o objetivo do movimento de assinaturas é ampliar as receitas das montadoras. Para se ter uma ideia, a Stellantis anunciou há três anos que o lucro com serviços de assinaturas digitais chegaria a 4 bilhões de euros em 2026, montante que deve subir para 20 bilhões de euros em 2030.

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