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Elétricos da classe média: quem não enxergar nova realidade vai se dar mal

A lista dos carros 100% elétricos mais vendidos em janeiro de 2024 é um despertar para qualquer montadora que ainda não tenha percebido que esses produtos vieram para ficar no Brasil. Os números podem ser indício suficiente para mostrar que aquelas que não os levarem a sério vão ficar para trás.

Antes de partir para os números de janeiro, é importante fazer um paralelo entre o mercado brasileiro de carros e o norte-americano. A curto e médio prazos, os EUA não vão adotar um universo de produtos novos 100% formado por carro elétrico (EV), diferentemente da Europa.

O Brasil também não vai. E isso, nos dois países, é um fato, a não ser que exista uma mudança drástica na legislação de ambos. Nos EUA, sempre houve entusiasmo das montadoras pelo universo 100% EV. Porém, este não foi compartilhado pelos consumidores. Consequentemente, nem por concessionários.

Os governos não sinalizaram ainda o fim do carro a combustão. Como a legislação nos EUA é estadual, por enquanto são poucos os Estados que decretaram o fim desses veículos para a próxima década - a Califórnia é um deles.

Mas há um fator que leva toda a cadeia americana a ver o EV com mais seriedade. E esse fator atende pelo nome de Tesla. A nova montadora, que só tem carros eletrificados, ganhou uma participação absurda no mercado americano nos últimos anos, e já tem quase 5% das vendas de novos.

Não é apenas o fato de ser elétrico que define o sucesso dos Tesla. Porém, esse fator foi fundamental para fazer os EUA entenderem que o EV veio para ter um papel importantíssimo na mobilidade, legislação e gosto da maioria do consumidor à parte. Não será a única resposta. Talvez nem a principal. Mas deve ser levada a sério.

A evolução veio rápido. Em 2020, os EVs tinham 4,6% das vendas. Em 2024, devem ficar com 17% do mercado de novos, o que equivale a cerca de 2,5 milhões de unidades (mais do que todo o mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves em 2023).

Diferentemente do que ocorre nos EUA, no Brasil as montadoras tradicionais nunca tiveram grande entusiasmo com o EV. Apostando no híbrido flex, a maioria apontou o elétrico como carro de nicho a curto e médio prazos. Muitas pretendiam trazer esses produtos apenas importados.

Mas aí veio 2023. E, no Brasil, foram as chinesas que mostraram que o elétrico será coisa séria. Não única resposta, nem mesmo dominante. Mas, sem dúvida, solução importante. Diante desse avanço, as montadoras tradicionais têm de rever seus planos. As que não fizerem devem ficar para trás, perdendo não um nicho, mas uma parte fundamental do mercado.

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Mudança de postura

Da mesma maneira, houve grande fabricante com discurso de que iria para o 100% elétrico no Brasil. Trata-se da General Motors que, ao longo de 2023, se opôs às ideias de que o híbrido flex é a melhor solução para o País, liderada por Volkswagen e Stellantis.

Mas, no início do mês, a montadora americana deu indícios de que esse caminho pode ser diferente. Ao anunciar investimentos de R$ 7 bilhões no Brasil até 2028, o presidente da GM mundial, Shilpan Amin, falou em desenvolvimento de novas tecnologias em sintonia com a matriz predominantemente limpa do País - ou seja: o etanol.

Assim, mesmo sem dizer abertamente, a GM sinalizou que o híbrido flex agora faz parte de seus planos. Já a VW, que antes encarava o elétrico como produto de nicho, importado, também aponta para uma mudança de ideia. Em setembro do ano passado, durante o Salão de Munique, na Alemanha, o CEO mundial da marca, Thomas Schäfer, disse que os EVs devem ser produzidos no Brasil depois de 2026.

O híbrido flex é uma aposta segura para o Brasil pois, quando o assunto é descarbonização, o etanol associado a motor elétrico pode até ser mais sustentável que o EV. Além disso, é um produto mais barato e que não enfrenta os problemas de infraestrutura que os elétricos terão por muitos e muitos anos (inclusive na Europa).

Assim, o híbrido flex é mesmo a melhor alternativa de alto volume para o Brasil. O que mudou foi o papel do EV. Em vez de nicho, o produto mostrou que tem um enorme potencial de vendas para um tipo específico de cliente. O principal? Famílias que têm mais de um carro.

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E foram as chinesas as responsáveis pelo novo cenário. Com preços semelhantes aos das versões mais vendidas de SUVs compactos (R$ 150 mil), o BYD Dolphin traz tecnologia e requinte suficientes para que o cliente abandone o utilitário-esportivo para o adotar como um dos carros da família - aquele que será usado na cidade. O GWM Ora 03 chegou no fim do ano para reforçar esse time.

Números em alta

Esse choque de realidade elétrica veio em 2023. E, em janeiro de 2024, já deixa claro um cenário muito diferente de um ano atrás. No mês, o Dolphin teve 1.820 emplacamentos, enquanto o Ora 03 ficou com 696. O Seal somou 612 unidades vendidas (veja mais detalhes abaixo).

Para se ter uma ideia, o Dolphin vendeu, apenas em janeiro, mais do que o volume do carro elétrico mais emplacado em todo 2022. Nos 12 meses daquele ano, o XC40 somou 1.770 emplacamentos.

O XC40 foi também o EV mais emplacado em janeiro de 2023, com cerca de 150 unidades. Isso significa que o elétrico mais vendido no primeiro mês de 2024 somou 1.114% de emplacamentos a mais que o produto que deteve o posto no ano anterior. Além disso, o Dolphin já está entre os 30 mais vendidos, à frente de produtos importantes como HB20S, Duster e Montana.

É uma evolução que não dá para ignorar. E que pode ter muitos paralelos com a rápida evolução que ocorreu nos EUA - lá impulsionada pela Tesla e, aqui, pelas chinesas.

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O governo brasileiro impôs mais barreiras alfandegárias, com a alta do imposto para o carro elétrico importado. As montadoras tradicionais gostaram, mas já devem estar cientes que esta não é a solução. É só uma arma para ganhar tempo e rever a estratégia.

Isso porque a China está disposta a expandir sua presença pelo mundo como potência automotiva - algo que está ocorrendo já na Europa também. Há sim excedente de carros no país asiático, e necessidade de exportação. Mas, de olho na expansão, produzir em outro país não é plano, e sim fato concreto.

Tanto que GWM e BYD têm fábricas prestes a começar a operar no Brasil - a primeira em maio deste ano e a segunda, entre o fim de 2024 e o fim de 2025. Isso é a China deixando claro que nenhum protecionismo será capaz de barrar seu avanço.

Pois, contra carro nacional, não há protecionismo. Quanto às montadoras tradicionais, pressionar o governo não vai resolver o problema. Será preciso ter elétricos de qualidade e acessíveis. EVs que não sejam mais "carros de rico", e sim produtos em que a classe média esteja disposta a investir.

Porque foi isso que as chinesas fizeram: trouxeram elétricos para a classe média. A Tesla, também, mas isso é assunto para uma próxima análise (por ora, saiba que nos EUA Tesla não é carro de luxo não. Longe disso). E, no fim das contas, quando o assunto é volume, é a classe média que importa - principalmente no Brasil.

Os carros elétricos mais vendidos em janeiro de 2024

1º BYD Dolphin - 1.820 unidades
2º GWM Ora 03 - 696
3º BYD Seal - 612
4º BYD Yuan Plus - 274
5º Peugeot e-2008 - 269
6º Volvo XC40 - 192
7º JAC E-JS1 - 111
8º Volvo C40 - 67
9º BYD Tan - 49
10º Renault Kwid E-Tech - 28

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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